O processo eletrônico e a necessidade de atualização do Estatuto da Advocacia

*Paulo Henrique Faria Nunes

Transformações sociais refletem inegavelmente no sistema jurídico de um país. Se as leis existem para reger relações sociais, novos costumes e comportamentos demandarão a reinterpretação ou mesmo a substituição das leis. Até pouco tempo o Código Penal brasileiro apenas considerava vítima de estupro a “mulher honesta”, embora não houvesse qualquer critério objetivo para definir o que era a honestidade feminina. O primeiro Estatuto do Estrangeiro (Decreto-Lei 406/1938) adotava como regra geral a inadmissibilidade de estrangeiros “maiores de 60 anos” desacompanhados (art. 1º, VI); vagabundos, ciganos, alcoolistas e toxicômanos também integravam o grupo de indesejados no moralista Brasil.

A evolução tecnológica igualmente demanda a revisão das leis. Embora a transparência e a publicidade na Administração públicas sejam indispensáveis, o conceito de “jornal de grande circulação”, presente na Lei de Licitações (Lei 8.666/1993) é cada vez mais incerto. Até quando fará sentido exigir que a propriedade de empresas jornalísticas sejam obrigatoriamente propriedade de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos (art. 222 da Constituição Federal) em um mundo onde grande parte das pessoas se informam por meio de sites, blogs e agências de notícias online? Ter uma licença para dirigir um táxi já custou um bom dinheiro e, em outubro de 2013, o Congresso Nacional transformou esse direito em algo passível de transmissão aos herdeiros, cenário impensável para muitos usuários de aplicativos de transporte.

Nos últimos anos, advogados e servidores públicos tiveram que se adaptar ao processo eletrônico. O adjetivo “eletrônico” aparece 82 vezes no Código de Processo Civil; “eletrônica”, 20; termos como “digital”, “digitais” e “digitalmente” também permeiam o texto legal. Entretanto, o Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994) não está plenamente adequado aos novos tempos.

Advogados devem se inscrever junto ao Conselho Seccional responsável por seu domicílio profissional. Essa será a inscrição principal. A Lei 8.906/1994 ainda faculta aos profissionais atuar fora da jurisdição original. Entretanto, devem se inscrever – e consequentemente pagar anuidade – junto aos demais conselhos seccionais onde atuem habitualmente. A habitualidade é caracterizada quando a “intervenção judicial exceder de cinco causas por ano” (§2º do art. 10).

Tendo em vista que muitos escritórios e profissionais autônomos investem na captação de clientes em todo o Brasil, devendo-se respeitar obviamente as normas pertinentes, e se aproveitam das facilidades proporcionadas pelos processos eletrônicos, a exigência de manutenção de uma inscrição principal e outra secundária é anacrônica. Um advogado de Goiânia pode peticionar perante a Justiça gaúcha a partir de seu computador, assim como um advogado domiciliado em Porto Alegre pode protocolar uma petição junto à Justiça Federal de Goiás ou qualquer tribunal do país. Já é chegada a hora de um debate amplo sobre o assunto e, se for o caso, acabar com a pluralidade de inscrições e pagamento de anuidade.

*Paulo Henrique Faria Nunes é membro da Comissão Especial de Direito Internacional da OAB/GO. Doutor em Ciências Políticas e Sociais (Université de Liège). Professor (PUC Goiás, Universo), escritor e palestrante.