O bem imóvel alugado pode ser considerado impenhorável?

*Camilla Oshima

A Lei nº 8.009/1990, em seu artigo 1º, regulamenta a impenhorabilidade do bem de família, compreendido como o único imóvel residencial próprio da entidade familiar ou do casal que não responderá por quaisquer dívidas civis, comerciais, fiscais, previdenciárias ou de outra natureza, contraídas pelos cônjuges ou filhos que sejam proprietários e nele residam, salvo hipóteses específicas expressamente previstas em lei.

Para se entender o que seria o imóvel residencial da família, o artigo 5º do mesmo Diploma traz a seguinte previsão: “Para efeitos da impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente”.

Trata-se, portanto, de um regramento que visa preservar o único imóvel residencial do devedor – ou seja, aquele utilizado para a sua moradia – em garantia de um mínimo existencial para a sobrevivência, hipótese em que o respectivo bem não responderá pelo pagamento de dívidas cobradas judicialmente.

O que acontece, no entanto, quando o único imóvel residencial, até então impenhorável, passa a ser objeto de locação a terceiros? O imóvel permanece abrangido pela impenhorabilidade, ainda que não utilizado para a residência do devedor / entidade familiar?

A Lei nº 8.009/1990 não dispõe de forma expressa a consequência jurídica para a referida situação, cabendo aos tribunais de justiça, portanto, interpretarem a norma a partir do caso concreto posto em juízo, em razão da constante e célere dinâmica social que, por diversas vezes, é responsável por trazer circunstâncias fáticas não abrangidas pela legislação.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), neste sentido, ao enfrentar o tema, flexibilizou a interpretação do dispositivo legal e estendeu a impenhorabilidade do imóvel residencial do devedor quando alugado a terceiros, desde que ele prove que a renda obtida com a locação é utilizada para a subsistência própria ou da entidade familiar. É o caso, por exemplo, do devedor que utiliza a renda para o pagamento de aluguel em outro imóvel no qual reside ou quando a renda é utilizada para cobrir as despesas destinadas à sua subsistência (Citam-se alguns julgados sobre o debate em questão: STJ – AgInt no AREsp: 1607647 MG 2019/0318819-1; TJPR – Agravo de Instrumento nº 0012249-98.2019.8.16.0000).

Tratando-se de uma questão que passou a ser recorrente nas demandas judiciais, o Superior Tribunal de Justiça decidiu por sumular o tema a partir da Súmula nº 486, a qual dispõe que: “É impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família”.

O referido posicionamento, por evidente, traz uma interpretação extensiva à norma reguladora da impenhorabilidade do bem de família, tendo como fundamento a preservação da dignidade humana e a proteção familiar e da moradia.

Vale ressaltar, no entanto, que essa interpretação constitui uma exceção à previsão legal, de modo que o seu resultado não é automático. Cabe ao devedor interessado provar, de forma satisfatória e robusta, que a renda auferida com a locação do imóvel, de fato, é essencial e serve para a subsistência da entidade familiar, sob pena de o imóvel ser penhorável e responder pelo pagamento das dívidas contraídas pelo devedor.

Isso porque há casos em que o STJ já declarou a penhorabilidade do imóvel (Recurso Especial nº 1777872/PR), quando se constatou que o bem imóvel não servia de residência ao devedor e a renda da locação não era revertida à sua subsistência, hipótese, portanto, em que o imóvel responde pelo pagamento da dívida.

*Camilla Oshima é advogada do Departamento de Direito Contencioso e Arbitragem da Andersen Ballão Advocacia.