Leonardo Sobral Moreira*
O transporte aéreo é um serviço essencial para fins de incidência do art. 22, caput e parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor(1), e como tal, deve ser executado de maneira contínua, adequada, segura e eficaz, sob pena de responsabilização do prestador de serviços pelos danos decorridos da má prestação do serviço.
Nesse sentido, o “Código Compartilhado” ou “codeshare” é um acordo empresarial autorizado pela agência reguladora do setor de transporte aéreo no Brasil – a ANAC -, pelo qual duas ou mais empresas aéreas compartilham um mesmo voo, dividindo entre si a comercialização dos assentos.
Segundo informações extraídas do próprio sítio eletrônico da ANAC2:
“Codeshare é um acordo de cooperação comercial celebrado entre
duas ou mais companhias áreas e sua operação consistente em
identificar um determinado voo com um código de identificação de uma
companhia aérea em voo operador pela outra. Para operarem nesse
sistema, é necessária prévia aprovação das companhias aéreas da
ANAC. Além dessa aprovação, outras podem ser necessárias a
depender das respectivas leis e normas regulatórias vigentes, tanto no
Brasil como em outros países envolvidos.”
Em outras palavras, o acordo de cooperação permite que as companhias aéreas envolvidas compartilhem a comercialização de um voo da empresa que de fato realizará a viagem, ou seja, permite-se que uma companhia aérea internacional, por exemplo, comercialize assentos em voo nacional, não operado por ela.
O acordo supracitado tem sido uma estratégia bastante admitida no setor aéreo por ampliar a eficiência produtiva das empresas, já que em muitos casos, permite o efetivo aumento das malhas de voo das empresas parceiras, sem que seja necessária a aquisição de aeronaves extras.
As empresas aéreas que utilizam o compartilhamento de voo na modalidade codeshare para aumentar seus serviços, mediante voos operados por companhias diferentes, em acordo de cooperação, figuram-se no conceito de fornecedores, conforme dispõe o artigo 3º, do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que participantes da cadeia de consumo.
O compartilhamento de negócios entre as empresas atuantes no ramo de transporte aéreo de passageiros, seja no âmbito nacional e/ou outra internacional, compartilhando o uso da mesma marca, por meio da espécie contratual acima referida, não afasta a responsabilidade solidária decorrente da relação de consumo.
Por exemplo, ainda que um voo cancelado seja operado por outra empresa, o fato de atuarem em parceria permite ao consumidor postular contra qualquer uma delas ou contra as duas, pois não se pode exigir que o consumidor tenha ciência de divisão da designação comercial responsável pelas rotas internacionais e/ou domésticas.
Nesse sentido, outro não é o entendimento recente do Egrégio Tribunal de Justiça de Goiás:
- APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS
MATERIAIS E MORAIS. TRANSPORTE AÉREO. HORAS DE ATRASO
EM VOO. RELAÇÃO DE CONSUMO. CODESHARE.
SOLIDARIEDADE. MÁ PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DANO MORAL
CONFIGURADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO RAZOÁVEL E
PROPORCIONAL. SENTENÇA MANTIDA.I ? As companhias aéreas
que utilizam o compartilhamento de voo na modalidade codeshare para
ampliar seus serviços, mediante voos operados por companhias
diversas, em acordo de cooperação, figuram-se no conceito de
fornecedores, conforme dispõe o artigo 3º, do Código de Defesa do
Consumidor, uma vez que integrantes da cadeia de consumo.II ? As
intercorrências relatadas no sentido de atraso em razão de
manutenção da aeronave, estão incluídas no risco do exercício da
atividade das rés, pois, ao vender a passagem, avocou a obrigação de
transportar a tempo e modo os autores ao destino. (…) APELAÇÕES
CÍVEIS CONHECIDAS E DESPROVIDAS.
(TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos ->
Apelação Cível 5751529-78.2022.8.09.0051, Rel. Des(a). BRENO
CAIADO, 11ª Câmara Cível, julgado em 17/06/2024, DJe de
17/06/2024)
Portanto, o fato de as empresas serem contratadas pelo sistema codeshare, ou seja, através da parceria entre as companhias aéreas para comercialização e emissão de bilhetes, as colocam na condição jurídica de responsabilização solidária pela reparação dos danos decorrentes da falha na prestação de serviços (art. 25, do CDC3), inclusive em casos de cancelamento/alteração unilateral de voos, porquanto lucram com a parceria estabelecida.
*Leonardo Sobral Moreira é advogado, atuante na área de Direito do Consumidor, Civil e
Processual Civil no escritório Frederico Jayme Advocacia. Coordenador do Núcleo de Processo Civil do Instituto de Estudos Avançados em Direito. E-mail para contato: leosobral11@gmail.com. Leonardo está no Instagram como @_leonardosobral
Referências
1 Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.
2 Disponível em https://www.anac.gov.br/en/airservices/codeshare
3 Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores.