Negativa do plano de saúde sob alegação de ausência de cobertura

*Letícia Lopes Auad e Gabriel Ferraz de Aguiar Sousa

A Constituição da República, em seu artigo 6º, prevê a saúde como um dos direitos sociais do ser humano. Nesse mesmo sentido, o artigo 196 do mesmo diploma legal prevê que é direito de todos e dever do Estado garantir, por meio de políticas sociais e econômicas, a redução do risco de doença, bem como permitir o acesso universal e igualitário às ações e serviços.

Assim, no que concerne ao direito constitucional à saúde, Pedro Lenza, de forma elucidativa, ensina:

“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Nos termos do art. 197, são de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regula-mentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.” (LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 838).

Em outras palavras, a partir da leitura dos dispositivos constitucionais, é possível constatar que o legislador erigiu o direito à saúde a nível dos direitos sociais fundamentais, impondo a obrigação por zelar pela saúde de seus cidadãos.

Nesse sentido, não seria diferente na relação entre as entidades prestadoras de serviços médicos – operadoras de planos de saúde – as quais são contratadas para atender as expectativas do contratante e proporcionar o melhor atendimento à saúde dos cidadãos.

Dessa forma, adentrando-se aos contratos celebrados entre as mencionadas prestadoras de serviços e os consumidores, estes devem obedecer aos princípios elementares que norteiam as relações contratuais, dentre os quais se destaca: princípio da autonomia da vontade, princípio do consensualismo, princípio da força obrigatória e boa-fé.

Ademais, frisa-se que, no que diz respeito à natureza dos respectivos contratos, a Súmula nº 608 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou entendimento no seguinte sentido.

“aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão”.

Visto isso, as entidades prestadoras de serviços de saúde deverão atender na medida das cláusulas convencionadas, na forma, local e qualidade previamente prometidos no contrato celebrado, sendo vedada a incidência de rescisões e cláusulas unilaterais e abusivas. Isso porque o usuário é frágil, consumidor que se encontra em situação de vulnerabilidade fática, jurídica, técnica e informacional.

Em razão do crescimento considerável da utilização dos contratos de assistência médica, surgiram inúmeros impasses no que diz respeito às relações entre usuários e administração dos planos de saúde, sobretudo no que tange ao fornecimento de medicamentos e tratamentos.

Nesse contexto, é cada vez mais notória a judicialização da saúde, pautada na negativa das operadoras de saúde em fornecerem tratamentos e medicamentos de extrema necessidade à melhoria do paciente – conduta considerada como abusiva, ilegal e atentatória aos princípios que regem a relação consumerista.

Assim, os planos de saúde, constantemente, justificam-se na ausência de cobertura do tratamento, fundamentada na premissa de que os tratamentos solicitados não estão incluídos no rol de procedimentos disciplinados pela Agência Nacional de Saúde (ANS); ou os tratamentos se tratam de meramente experimentais e são de alto custo.

Ocorre, todavia, que o fato de o procedimento médico não constar no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar não afasta o dever de cobertura do plano de saúde, tendo em vista que se trata de rol meramente exemplificativo.

Ademais, no caso de tratamentos experimentais e de alto custo, destaca-se que não pode o plano de saúde escolher o procedimento a ser realizado e privar o paciente dos demais. Ora, se há cobertura da enfermidade, não pode haver negativa de cobertura do tratamento a ser utilizado, cabendo tal indicação ao médico assistente e não ao plano de saúde.

Sendo assim, em todos os casos, o médico deve ter a liberdade de optar pelo que é melhor, em benefício do paciente. Além disso, partindo-se para o cerne da questão em debate, tem-se que a negativa indevida de autorização de procedimento médico indicado como o adequado por médico especialista não encontra respaldo no direito pátrio.

Ressalta-se, ainda, que, nos casos de urgência, emergência ou planejamento familiar, a cobertura é obrigatória e não pode haver negativa por parte do plano de saúde, conforme disposto em Lei nº 9.656/98, a qual dispõe acerca dos planos e seguros privados de assistência à saúde.

Por fim, salienta-se que a legislação nº 9.656, de 3 de junho de 1998, nos termos do artigo 10 prevê a possibilidade de o operador cobrir todas as doenças listas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, ou seja, o CID, não havendo, portanto, qualquer razão na negativa de cobertura por parte das Operadoras de planos de saúde.

Isso posto, compete ao plano de saúde viabilizar a realização dos tratamentos e fornecer os medicamentos prescritos por meio de profissionais capacitados, de modo a atender, de maneira suplementar, aos preceitos constitucionais, sob pena de serem causados danos aos pacientes consumidores.

*Letícia Lopes Auad é advogada associada ao GMPR Advogados, pós-graduanda em Direito Médico, Odontológico e da Saúde pelo Instituto Goiano de Direito (IGD).

*Gabriel Ferraz de Aguiar Sousa é graduando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Estagiário do GMPR Advogados.