Legitimados para a recuperação judicial

Advogado Renaldo Limiro - 2 - braços cruzadosNa recém finda semana, manchetes de diversos informativos noticiavam com destaque que “Juiz nega recuperação judicial de escritório de contabilidade”.

Tal decisão – de indeferimento, por improcedente, do pedido de recuperação judicial -, foi proferida pelo MM. Juiz Claudio Roberto Zeni Guimarães, da Primeira Vara Cível da Comarca de Cuiabá-MT.

O impetrante era um escritório de contabilidade, constituído sob a forma de sociedade limitada, e que buscava os benefícios da Lei 11.101/05 (LREF, Lei de Recuperação de Empresas e Falências), pois era devedor da importância aproximada de um milhão de reais para credores diversos e de mais 200 mil reais referentes a débitos tributários, conforme declarado em seu pedido.

Sem adentrar nos meandros da questão, e de pronto, nos saltam aos olhos evidências primárias da infelicidade desse pedido de Recuperação Judicial, porquanto desamparado de todo e qualquer fundamento jurídico para receber o deferimento. Duas situações explícitas, dentre as diversas expostas no pedido e que não chegaram ao nosso conhecimento, merecerão, de nossa parte, uma análise para conhecermos os desacertos, quais sejam: a) a impetração ter por autor um escritório de contabilidade; e, b) nesse pedido constar, também, a inclusão de débitos tributários para se submeter aos benefícios da Lei 11.101/05.

Quanto à primeira situação, necessário se faz um mergulho nas disposições que regulam o instituto da Recuperação Judicial – a Lei 11.101/05 (LREF), e colocá-las à frente da pretensão desse impetrante. Em seu artigo 1o, a LFRE prescreve os legitimados para figurarem no polo ativo de uma impetração de recuperação judicial, ou seja, “esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor”. (grifos nossos).

Esta Lei não traz em seu seio qualquer definição ou conceito de empresário e de sociedade empresária. Denominou-os, num sentido simplista para os seus efeitos, apenas de devedor. Tais conceitos, e por ser tanto o empresário quanto a sociedade empresária, isto é, a atividade, regulados pelo Direito Empresarial, nós os encontraremos na Lei específica, hoje o Código Civil Brasileiro, Lei 10.406/2002. Para o primeiro, o empresário, o seu conceito encontra-se no artigo 966, que diz “considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”. Aqui trata-se do empresário indvidual. Quanto à sociedade empresária, encontramos no artigo 982 que “salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais”.

Denota-se pelas disposições deste artigo 982 do Código Civil, que, excluídas as exceções (empresa pública e sociedade de economia mista; instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização – Incisos I e II do artigo 2o da Lei 11.101/05), é considerada sociedade empresária aquela que tem por objeto o exercício da mesma atividade do empresário individual prevista no artigo 966 do Código Civil, pois, quando do conceito da sociedade

expresso no artigo 982 do CC se faz referência ao artigo 967, observamos neste que ele trata da obrigatoriedade da inscrição do empresário individual no Registro Público de empresas mercantis, ou seja, a Junta Comercial da respectiva sede. Até aqui, nos parece muito contundente a evidência de que escritórios de contabilidade não exercitam as atividades de empresário; daí, a sua não legitimação para impetrar uma ação de recuperação judicial.

Não é só, entretanto. Observamos também que a parte final das disposições do artigo 982 do Código Civil, acima transcrito, após descrever a forma pela qual se caracterizam as atividades de uma sociedade empresária, diz: “e simples, as demais”. Então, duas espécies de sociedades no Direito Empresarial: a) as empresárias, que gozam dos benefícios da recuperação judicial; e, b) e as demais sociedades, simples, cujo contrato social é registrado no Registro Civil das Pessoas Jurídicas da respectiva sede (Art. 998 do CC), ou nos respectivos Conselhos, e que não usufruem dos dispositivos da Lei 11.101/05.

De outro lado, o Parágrafo Único do artigo 966 do CC, ao contrário do caput, diz que “não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa”. Concluímos, então, que, se quem exerce profissão intelectual de natureza científica, literária ou artística não é considerado empresário, mas que tem seu contrato social registrado no Registro Civil das Pessoas Jurídicas da respectiva sede ou no Conselho correspondente, constitui-se em sociedade simples. E mesmo com toda a estrutura de uma sociedade empresária. É o caso, portanto, da impetrante da ação de recuperação judicial sob comento. Assim, não sendo sociedade empresária, não se submete aos dispositivos da LFRE.

Por último, a segunda situação ora sob exame, ou seja, a inclusão no pedido de recuperação judicial de cerca de 200 mil reais de débitos tributários, é também mais uma infelicidade de tal pedido, vez que créditos dessa natureza não se submetem aos efeitos da recuperação judicial, conforme as precisas disposições do artigo 197 do Código Tributário Nacional, que prescrevem que “a cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento”.

Outro destino, portanto, não poderia ter sido dado à presente e infeliz pretensão desse escritório de contabilidade, se não o indeferimento do seu processamento, como muito bem fez o digno magistrado condutor do feito. Lamentável a falta de conhecimento!

*Renaldo Limiro é advogado especialista em recuperação judicial de empresas, autor das obras A Recuperação Judicial Comentada Artigo por Artigo, Ed. Delrey; Recuperácão Judicial, a Nova Lei…, AB Editora; e, Manual do Supersimples, Ed. Juruá, com Alexandre Limiro. www.recuperacaojudiciallimiro.com.br .