Hipocrisia penal aplicada à soltura de rojão (fogos de artifício)

A Polícia Civil do Rio informou na sexta-feira (14/02/2014) que o delegado titular da 17ª DP (São Cristóvão), Maurício Luciano, entrega, às 15h, na 8ª Promotoria de Investigação Penal do Ministério Público, o inquérito que investigou a morte do cinegrafista Santiago Andrade. O delegado pediu ainda para que as prisões de Fabio Raposo e Caio Silva de Souza, suspeitos de serem os responsáveis pelo ocorrido, sejam convertidas de temporária para preventiva.

O delegado explicou que a denúncia contra os dois suspeitos continua sendo por homicídio doloso eventual — quando a intenção não é direta, mas o autor assume o risco de matar. “O dolo se divide em dolo direto e eventual. Eles estão no eventual. Os dois fizeram um trabalho em conjunto, em comunhão de esforços, não importando quem acendeu”, declarou Luciano, se dizendo “satisfeito” ao saber que a promotora que vai receber o inquérito teria dito que, no entendimento dela, o caso também se enquadra em dolo eventual.

Em que pese toda dor da família do cinegrafista, mas foi mesmo um acidente com fogos de artifício (rojão).

E a legislação pertinente consiste em contravenção penal (art. 28, parágrafo único do Decreto-lei nº 3688/41) – Lei das Contravenções Penais -, segue a transcrição:

“DAS CONTRAVENÇÕES REFERENTES À INCOLUMIDADE PÚBLICA

        Art. 28. Disparar arma de fogo em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela:

        Pena – prisão simples, de um a seis meses, ou multa, de trezentos mil réis a três contos de réis.

        Parágrafo único. Incorre na pena de prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis, quem, em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, sem licença da autoridade, causa deflagração perigosa, queima fogo de artifício ou solta balão aceso. “

E quando muito, fazendo força para incriminar temos o crime de Explosão (art. 251, do Decreto-Lei 2848/40) – Código Penal Brasileiro – aqui transcrito:

“Explosão

Art. 251 – Expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, mediante explosão, arremesso ou simples colocação de engenho de dinamite ou de substância de efeitos análogos:

Pena – reclusão, de três a seis anos, e multa.

§ 1º – Se a substância utilizada não é dinamite ou explosivo de efeitos análogos:

Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.”

Portanto, falar em homicídio doloso eventual é pura ilusão penal. Vamos a sua definição pelo Código Penal:

No Código Penal, o crime doloso está definido no artigo 18, inciso I.

“Art. 18, inciso I: “Diz-se o crime: I – doloso quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;”

Cometido o crime de homicídio (matar alguém) com dolo, a pena varia de  6 (seis) a 20 (vinte) anos, podendo ser de 12 (doze) a 30 (trinta) anos, na hipótese  de homicídio qualificado.

No dolo eventual “a vontade do agente não está dirigida para a obtenção do resultado; o que ele quer é algo diverso, mas prevendo que o evento possa ocorrer, assume assim mesmo o risco de causá-lo”.

Dizer que os jovens (Fabio Raposo e Caio Silva de Souza) que acenderam um rojão (fogos de artifício) por ocasião das manifestações, tinham intenção de matar, previam a morte e que assumiram este risco?

 É demais.

Inúmeros são os acidentes com rojão (fogos de artifício) que matam e aleijam.

Vejam as estatísticas:

“Registros dos serviços de emergência dos hospitais indicam que cresce 30% ao ano o número de acidentes com fogos no país. Homens de 15 a 50 anos são as principais vítimas, atingidos por queimaduras, cortes e dilacerações e até amputação de membros superiores. Vale a pena, portanto, ficar longe de tais artefatos ou pelo menos tomar um pouco mais de cuidado com eles.

A Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT) e a Associação Brasileira de Cirurgia da Mão (ABCM), ambas sediadas na capital paulista, promoveram recentemente Campanha Nacional de Prevenção de Acidentes com Fogos de Artifício. O objetivo foi alertar a população sobre os riscos desses artefatos, para que se mantenha distante deles.

Os fogos de artifício são utilizados em larga escala no país sobretudo nas comemorações esportivas, por ocasião das festas juninas e na passagem do ano-novo. Sua produção, comercialização e uso pela população são regulados pelo Decreto 3.665, da presidência da República, editado em 20 de novembro de 2000. Mas a fiscalização, como se sabe, é muito falha. Desse modo, é comum tais artefatos serem armazenados de maneira incorreta e, pior ainda, vendidos em lojas improvidas montadas apenas por ocasião daquelas festividades. A população, de outro lado, no afã de comemorar, acaba comprando fogos até de fabriquetas de fundo de quintal e correndo grandes riscos. Infelizmente, não existem estatísticas oficiais. Mas se estima que o número de acidentes com fogos de artifício aumente 30% todo ano.

Os principais atingidos, de acordo com os registros dos serviços hospitalares de emergência, são homens de 15 a 50 anos e crianças de 4 a 14anos.

Cerca de 70% deles sofrem queimaduras; 20% apresentam cortes e dilacerações; e 10% têm amputação dos membros superiores.

Os acidentes com fogos provocam ainda, frequentemente, lesões de córnea, até com cegueira, e lesões nos ouvidos, às vezes com perda de audição.

O ideal, claro, seria que a população abandonasse de vez o uso de tais artefatos. Como isso é praticamente impossível, que pelo menos tome alguns cuidados básicos. Tome cuidado com pessoas e prédios nas proximidades.

Já nos casos em que houve a amputação de um membro, é importante recolhê-lo, acondicioná-lo em uma embalagem de isopor e levá-lo imediatamente ao pronto-socorro com o paciente. Quanto mais rápido isso ocorrer, maior será a possibilidade de sucesso em um eventual reimplante. Em todas as situações, finalmente, só um médico ou uma equipe médica é capaz de fazer uma avaliação completa do quadro e determinar o tratamento correto.
 
Fabiano Rebouças Ribeiro (36),  ortopedista do Centro Médico Berrini, na capital paulista, é especialista em ombro e cotovelo e preceptor de ensino da residência médica do Serviço de Ortopedia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo. É também membro da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia e da Sociedade Brasileira de Cirurgia de Ombro e Cotovelo. Tem mestrado pelo IAMSPE. “

Assim, só mesmo a certeza plena, inequívoca pode possibilitar o enquadramento da conduta dos estudantes (Fabio Raposo e Caio Silva de Souza) na modalidade de homicídio doloso eventual. Do contrário, em hipóteses de acidente com fogos de artifício (rojão), o caminho recomendável, obrigatório, tecnicamente correto, repita-se, será o da desclassificação para contravenção penal.

 
*ALEXANDRE CARLOS MAGNO MENDES PIMENTEL é advogado e vice-presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas da seccional goiana da OAB