Escritórios de advocacia têm cliente ou consumidor?

José Paulo GraciottiVamos começar verificando as definições dos verbetes constantes no dicionário Huaiss:

CLIENTE: pessoa que confia a defesa de seus interesses ou direitos a um advogado, procurador ou tabelião; indivíduo que contrata serviços ou adquire mercadorias mediante pagamento; comprador, freguês; pessoa que consulta habitualmente o mesmo médico, dentista etc.

CONSUMIDOR: que ou o que consome; que ou aquele que adquire mercadorias, riquezas e serviços para uso próprio ou de sua família; comprador, freguês, cliente.

A primeira análise que podemos fazer é que, apesar de serem quase sinônimos, a definição de cliente sugere na sua interpretação um relacionamento existente entre fornecedor e consumidor, hábito de consumo ou certa fidelidade perante o primeiro, ao passo que a palavra consumidor sugere o simples ato do consumo pontual de produto ou serviço (analise muito bem elaborada por Adelle Sommers em seu artigo “Clients or Customers? You decide” escrito em 2007).

Além da análise acima, gostaria de acrescentar mais uma, importantíssima, que diz respeito a dois aspectos puramente psicológicos: a tolerância e a acomodação.

A relação de consumo pontual é muito mais impessoal (sem praticamente nenhum envolvimento entre consumidor e fornecedor), com muito mais liberdade de escolha entre fornecedores e acrescida ainda por praticamente nenhuma tolerância a falhas ou defeitos, por menor que sejam. Como exemplo, cito a nossa característica individual de escolher e comprar um bem de consumo: analisamos primeiramente as características que queremos, depois partimos para a escolha do fornecedor (tudo isso muito facilitado pela internet e motores de busca) e por fim na hora da escolha, se for presencial, escolhemos a peça que não tenha qualquer minúsculo defeito (risco, sujeira, marcas de uso, etc. descartando mesmo aquelas que ainda têm a capacidade de nos atender funcionalmente, mas que a estétic a esteja comprometida).

A relação fornecedor-cliente é mais prolongada, existe um envolvimento maior entre as partes e a liberdade de escolha é menor (pressupõe a necessidade de rompimento de um contrato). Por conta dessas duas características anteriores, há certa tolerância a pequenos “deslizes” por parte do fornecedor e também uma acomodação de ambas as partes e aí é que mora o perigo!

É exatamente essa maior tolerância e acomodação do cliente (comparada ao consumo pontual) que gera a acomodação do fornecedor e como consequência, a diminuição lenta e às vezes imperceptível da qualidade dos produtos ou serviços prestados.

No atual estágio do mercado, é fundamental que toda empresa comece a tratar seus clientes como consumidores e saiam da zona de conforto!

Trazendo a conversa para o universo de escritórios de advocacia, esbarramos em algumas dificuldades para a implantação desse conceito e da mudança:

1 – O fato dos líderes de escritórios se recusarem a admitir que seu negócio é uma empresa! As frases “escritório de advocacia não é empresa” ou “a profissão não tem objetivo mercantilista” são absolutamente desatualizadas e remetem ao tempo quando a relação advogado-cliente era muito diferente da atual relação.

2 – Também o fato dos escritórios não estarem muito acostumados a concorrência nem volatilidade de clientes. Esse mercado (de escritórios corporativos) é razoavelmente pequeno, teve seu grande crescimento na década de 90 e ainda conta com relativamente poucos “players”.

A grande evolução desse mercado ocorrerá quando os atuais “players” começarem a mudar a postura de escritórios de advocacia para empresas prestadoras de serviços jurídicos e tratarem seus clientes como consumidores, correndo o risco de perderem suas posições e serem engolidos por aqueles que o farão!

*José Paulo Graciotti, engenheiro formado pela Escola Politécnica com especialização Financeira e especialização em Gestão do Conhecimento pela FGV. Membro da ILTA– InternationalLegalTechnology Association. Fundador da Graciotti consultoria www.graciotti.com.br