É legítima a recusa de continuidade dos contratos depois do pedido de recuperação judicial?

Otávio Carvalho

Os contratos empresariais consistem em instrumentos jurídicos formalizados no intuito de resguardar as partes envolvidas na negociação, mitigando riscos inerentes à atividade empresarial, como a insolvência, por exemplo.

Nesse contexto, é comum a previsão expressa da cláusula resolutiva, por meio da qual, na ocorrência de um determinado evento futuro e incerto, o contrato será automaticamente rescindido, nos termos do artigo 474 do Código Civil, sendo comum a previsão da referida cláusula para os casos nos quais uma das partes contratantes ingressa com pedido de recuperação judicial.

Isso porque a recuperação judicial pressupõe um cenário de crise econômico-financeira, ainda que momentâneo, mas que, inevitavelmente, compromete a solvência dos contratos na forma como originalmente foram acordados.

No entanto, em que pese a previsão legal de validade da cláusula resolutiva, sua eficácia é bastante discutida na doutrina e na jurisprudência quando envolve empresas em recuperação judicial.

Em defesa da validade da referida cláusula, argumenta-se pela sua livre pactuação entre os contratantes, em outras palavras, defende-se que as condições contratadas foram previamente discutidas, de modo que, eventual previsão da cláusula resolutiva seria fruto do consenso das partes, fato que legitimaria a rescisão automática da avença caso uma das partes ingressasse com pedido de recuperação judicial.

Em sentido oposto, há posicionamento pela invalidade da cláusula resolutiva, ainda que expressa, para os casos de empresas em recuperação judicial, vez que tal possibilidade vai de encontro aos princípios e objetivos do processo recuperacional, trazidos pelo artigo 47 da Lei 11.101/2005, os quais, sinteticamente, consistem em “viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.

Para que a empresa em recuperação volte a operar e se torne viável novamente, é primordial a manutenção de seus contratos, principalmente aqueles firmados com fornecedores, prestadores de serviços e clientes. Uma usina produtora de açúcar e álcool, por exemplo, comumente se utiliza de contratos de parceria agrícola para o plantio de cana-de-açúcar, matéria-prima de sua produção. Tais contratos são essenciais para as atividades, afinal, sem terra não há plantio e sem plantio não há matéria-prima para produção. Em razão desses fatores, portanto, eventual cláusula resolutiva em tais contratos de parceria poderia ser declarada nula.

Parte-se da premissa de que, se o contrato era viável e benéfico para ambas as partes, não seria crível que o simples pedido de recuperação judicial alteraria tal cenário a ponto justificar a rescisão imediata do contrato.

Se, por um lado, há um incremento no risco de insolvência sofrido por um dos lados do negócio jurídico, por outro, há a possibilidade da quebra para a empresa em recuperação, caso seus contratos sejam rescindidos. Logo, os princípios da liberdade contratual e da força obrigatória dos contratos devem ser relativizados frente ao princípio da preservação da empresa, entendimento que vem sido adotado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Referência: (TJSP – Agravo n.º 2211483-19.2017.8.26.0000, Relator: Maurício Pessoa, julgado em 03/04/2018, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, 03/04/2018)

* Otávio Carvalho é advogado formado pela Universidade de São Paulo – FDRP/USP e atua no escritório Dosso Toledo Advogados desde 2017.