Desapropriaram a minha empresa. O que fazer?

A desapropriação é um instituto de direito público que consiste na retirada do bem do patrimônio do particular repassando-o ao Poder Público, mediante, em regra, prévia e justa indenização. Nos termos do artigo 2º, do Decreto-Lei nº 3.365/41, todos os bens que possuem valoração patrimonial poderão ser desapropriados, o que inclui bens móveis e imóveis, corpóreos e incorpóreos.

Não raras vezes o decreto desapropriatório emitido pelo Poder Público (artigo 6º, Decreto-Lei nº 3.365/41), instrumento necessário para dar início à fase declaratória do procedimento de desapropriação, acaba por contemplar imóveis em que estão inseridos comércios, empresas ou locais de prestação autônoma de serviços, como clínicas, consultórios e escritórios.

Neste caso, teria o proprietário do imóvel desapropriado direito à indenização somente pelo imóvel ou a indenização também deveria englobar os elementos atinentes ao negócio ali existente? Devem ser abrangidos pela indenização elementos incorpóreos, tais como o nome da empresa, marca, patentes, móveis, o ponto, a fama, a clientela? Como ficaria a questão envolvendo os lucros cessantes ou o que o empresário deixará de ganhar sem o ponto? E o locatário que exerce atividade empresarial no local, possui direito a ser indenizado?

Inicialmente, tanto a Constituição Federal, em seu artigo 5º, XXIV; quanto a legislação específica das desapropriações, Decreto-Lei nº 3.365/41, em seu artigo 32, são categóricos ao reconhecer o caráter justo da indenização por necessidade ou utilidade pública. O próprio conceito de “indenização” advém do termo “indene”, vocábulo derivado do latim e que indica o que “não sofreu prejuízo, íntegro, incólume”.

Sendo assim, para ser considerada justa, a indenização deve ser capaz de devolver ao expropriado quantia que “corresponda real e efetivamente ao valor do bem expropriado, ou seja, aquela cuja importância deixa o expropriado absolutamente indene, sem prejuízo algum ao seu patrimônio.”[1] Indenização justa é aquela que permite ao desapropriado retornar à condição de absoluta equivalência com o que possuía antes do procedimento desapropriatório, sem nenhum detrimento.

Portanto, invocando o conceito da indenização justa, não pairam dúvidas de que o desapropriado possui o direito a ser integralmente restituído de todo o fundo de comércio, contemplando os elementos corpóreos e incorpóreos, desde que comprovada a realização de atividade empresarial ou comercial com finalidade de produzir lucros no imóvel objeto de desapropriação.

Muitas vezes, contudo, a ação de desapropriação é proposta com o pedido de imissão provisória na posse, retirando o proprietário do imóvel logo no início do processo judicial, desde que cumpridos os requisitos insertos no artigo 15-A, do Decreto-Lei nº 3.365/41.

Poderia, assim, restar prejudicada a análise da universalidade de bens que compõem o acervo patrimonial. Na hipótese narrada, cabe ao desapropriado ingressar com medida de produção antecipada de provas, regulado pelo artigo 381, do Código de Processo Civil, visando esclarecer, por meio de perícia contábil, quais são os elementos corpóreos e incorpóreos que compõem a universalidade de bens da empresa, visando instruir futura decisão judicial que indicará o valor da indenização devida.

A mesma perícia contábil, utilizando-se do método do fluxo de caixa, também constitui elemento apto para apurar o que o empresário deixará de ganhar sem o imóvel desapropriado, o que também englobará a indenização devida. Faz-se uma projeção objetiva considerando a expectativa de duração do negócio em razão da perda do fundo empresarial, levando-se em consideração um período de projeção para duração da empresa, a depender do seu tempo de existência, constituindo índice que passa a integrar fórmula matemática composta por outros fatores.[2]

Inclusive a jurisprudência também tem admitido a indenização para reparar as despesas com a mudança, remoção, transporte e reinstalação da sociedade empresária em outro local[3].

Indubitável, portanto, que todo o fundo de comércio, quando pertencente ao proprietário do imóvel, além dos lucros cessantes, devem integrar o valor da indenização. Se não for justa a indenização, “seria um instrumento de desmando, de arbítrio, uma lança tenaz e incontrolável de antidireito.”[4]

Se a indenização, como visto, deve englobar todo o fundo de comércio a favor do proprietário do imóvel caso exerça atividade empresarial no local, com muito mais razão possui o locatário do imóvel o direito a ser indenizado pelos prejuízos, desde que efetivamente comprovada a defasagem de seu patrimônio corpóreo e incorpóreo e o exercício da atividade empresarial no imóvel desapropriado.

Todavia, como a defesa na ação de desapropriação se limita à arguição de vício do processo judicial ou impugnação do preço (artigo 20, Decreto-Lei nº 3.365/41), caberá ao locatário ingressar com ação própria para reivindicar o seu prejuízo oriundo da ação de desapropriação. Se for o caso, caso se verifique que haja fundado receio de que se torne impossível ou muito difícil a verificação dos fatos relativos à universalidade dos bens em razão da desapropriação e início das obras, também poderá se valer do incidente de produção antecipada de provas (art. 381, CPC/2015) visando evitar que o seu direito pereça.

O cerne da questão, portanto, é restituir à parte que sofreu os efeitos da desapropriação condição de prosseguir com sua atividade empresarial em condição indene à existente anteriormente ao ato expropriatório, tratando-se de garantia fundamental estampada na Carta Magna.

*Murilo Sousa é advogado especialista em desapropriações. www.sousaadv.com.br

[1] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 13ª edição. São Paulo: Malheiros, p. 728-729.

[2] FERNANDES DE SOUZA, Luis Sérgio. Desapropriação de Imóveis. Enciclopédia jurídica da PUC/SP, tomo II, 2017, pág. 23.

[3] Superior Tribunal de Justiça. REsp: 583.361. Segunda Turma. Relatora: Min. Eliana Calmon. Data: 09/12/2013.

[4] BESERRA, Marcelo. Desapropriação no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 61-62.