Caso João de Deus e a prescrição das ações por dano moral

*Paulo Sérgio Pereira da Silva

O rumoroso caso do João de Deus, o João Teixeira de Faria, 76 anos de idade, tem chamado a atenção da mídia nacional e internacional, tendo em vista que os promotores de justiça envolvidos já receberam quase 600 denúncias de vítimas residentes no Brasil, Estados Unidos, Austrália, Alemanha, Bélgica, Bolívia e Itália.

Muito se tem escrito sobre a prescrição das ações penais pelos crimes praticados (estupro de vulnerável, estupro e violação sexual mediante fraude), cujo tempo de prescrição é reduzido pela metade em função da idade de João. Por exemplo, para o estupro de vulnerável, a prescrição ocorre normalmente em 20 anos; estupro, 16 anos; violência sexual mediante fraude, 12 anos. Assim, para aqueles crimes ocorridos há 10, 8 e 6 anos (tempo já reduzido pela metade), respectivamente, João de Deus não poderá mais ser condenado criminalmente.

No campo das ações civis (em que as vítimas possivelmente buscarão a compensação pelo dano moral experimentado), o prazo prescricional é de 3 anos da data do crime (art. 206, § 3º, V, do Código Civil), o que esvaziará a maior parte das ações contra João de Abadiânia, já que a maioria dos abusos teria ocorrido há bem mais de 3 anos.

Para as vítimas mais recentes – violadas em seu direito há menos de 3 anos e que ainda não propuseram a ação de “indenização” (ou compensação) pelo dano moral – o fato de as respectivas ações penais terem iniciado faz com que seja suspenso o prazo prescricional da ação civil de reparação, ao teor do artigo 200 do Código Civil:

“Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva.”

Para essas, as “vítimas mais recentes”, há a opção entre: i) desde já propor a ação de indenização (ou de compensação) pelo dano moral, desde que dentro de 3 anos da data do crime, sem necessidade de aguardar a finalização do processo em que se apura o crime; ou ii) aguardar o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, e com base nesta, propor contra o agora condenado não mais a ação de indenização, mas pedido de fixação do valor do dano moral (liquidação da sentença penal), onde não será mais possível discutir a culpa, materialidade ou a autoria do crime (art. 509, § 4º, do Código de Processo Civil; art. 935 do Código Civil; art. 63 do Código de Processo Penal; e 91, I, do Código Penal).

Para as vítimas mais remotas, ou seja, aquelas que – no prazo de 3 anos da data do crime – não propuseram ação de indenização no juízo cível, restará apenas aguardar o desfecho da longa espera da respectiva ação penal para, somente depois de condenado João de Deus, propor a liquidação ou a execução da sentença penal, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

4. A regra inserta no art. 200 do CC/02 não ofende a teoria da actio nata, tampouco a independência das esferas cível e criminal, porquanto o prazo em curso da prescrição da pretensão reparatória se suspende apenas no momento em que o mesmo fato é apurado na esfera criminal, passando o ofendido, então, a ter também a faculdade de executar ou liquidar a sentença penal transitada em julgado.

5. Se o procedimento criminal não for iniciado no lapso temporal de três anos, não há falar em suspensão da prescrição da pretensão reparatória no juízo cível, de modo que, nesse caso, a inércia da parte em propor a ação de conhecimento naquele prazo será punida com a extinção daquela pretensão, restando-lhe apenas a possibilidade de executar a sentença definitivamente proferida pelo juízo criminal. (Destacamos). STJ, 3ª Turma. REsp 1.393.699-PR. Rel. Min. Nancy Andrighi. DJe 24/02/2014.

É certo que as ações penais tramitarão ainda por longos anos no Judiciário brasileiro, mas não deixa de ser um alento às vítimas contra o indigitado agressor, caso condenado criminalmente. Sabendo-se que o acusado tem demonstrado mostras de farta situação patrimonial, uma vez que se consiga, também, o bloqueio contra a transferência desse patrimônio para que não escape de futura penhora, as vítimas poderão ser contempladas com a indenização que, se não apaga as marcas do sofrimento, ameniza a dor pela compensação pecuniária.

*Paulo Sérgio Pereira da Silva é advogado, professor na Escola Superior de Advocacia e sócio-fundador do escritório Machado & Pereira Advogados