Do adiamento de eventos durante a pandemia da Covid-19 frente à MP 948/20 e a Lei 14046/20

*Suellem Ribeiro Alves

Em meio à pandemia da Covid 19 inúmeros eventos foram adiados, trazendo aos produtores de eventos desafios e incertezas quanto a como lidar com o consumidor que já havia adquirido ingressos.

  1. Do vislumbramento de uma possível solução aos produtores de eventos diante de inúmeros pedidos de estorno com a promulgação da MP 948/2020

Estando a beira de um colapso, as empresas do setor de entretenimento vislumbraram solução para os imbróglios com os consumidores causados pela pandemia da Covid-19 após a promulgação da Medida Provisória 948/2020, esta tratou de dispor sobre os cancelamentos de serviços, de reservas e de eventos dos setores de turismo e cultura em virtude da pandemia.

Ocorre que, em que pese a Medida Provisória ter o condão de facilitar a resolução de possíveis conflitos entre os produtores de eventos que foram adiados e os consumidores, esta trouxe inúmeras dúvidas quanto a como se posicionar de forma coerente e que de alguma forma trouxesse segurança tanto para o produtor de evento quanto para o consumidor.

Isso se deu pelo fato de que o artigo 2º da Medida Provisória 948/2020 trazia em seu texto que o prestador de serviço ou a sociedade empresária, no caso o produtor de eventos que foram adiados, estariam desobrigados de reembolsar os valores pagos pelos consumidores desde que assegurassem a remarcação do evento, a disponibilização de crédito para uso ou abatimento na compra de outros eventos, ou, ainda, formalizasse outro acordo com o consumidor.

Entretanto, o § 4º do artigo 2º da Medida Provisória 948/2020 determinava que na hipótese de impossibilidade de ajuste do produtor de eventos com o consumidor, o valor deveria ser restituído ao consumidor, atualizado monetariamente pelo IPCA-E, no prazo de doze meses contado da data de encerramento do estado de calamidade publica reconhecido pelo Decreto nº 6/2020.

Esmiuçando o que fora mencionado alhures, o produtor do evento poderia, nos termos da Medida Provisória 948/2020, adiar o evento ou disponibilizar credito ao consumidor, entretanto, caso não houvesse ajuste entre as partes, ou seja, caso o consumidor não aceitasse tais opções o produtor do evento deveria no prazo de doze meses a contar do encerramento do estado de calamidade publica efetuar a devolução do valor de forma corrigida.

Era nítida a incoerência do texto da Medida Provisória 948/2020, quando das possibilidades ali elencadas de resolução entre consumidores e produtores de eventos , ainda que este assegurasse àquele à remarcação do evento ou a disponibilização de crédito, estaria compelido a efetuar as devoluções dos valores pagos pelos consumidores de forma corrigida, caso o consumidor não aceitasse umas das opções.

A vista disso, em 24 de agosto de 2020 entrou em vigor a Lei 14.046 trazendo modificações consideráveis e coerentes, se não esclarecedoras, alterando parte do texto da Medida Provisória 948/2020.

  1. Das alterações gerais trazidas pela Lei 14.046/2020 e da possibilidade de concessão de estorno

Com a entrada em vigor da Lei 14.046/2020 alguns pontos antes não abrangidos pela MP 948/2020 foram solucionados, a MP determinava que houvesse a possibilidade de ser formalizado com o consumidor outro acordo qual não fosse às opções ali contidas, a Lei 14.046/2020 excluiu tal dispositivo de seu texto, o que nitidamente e de forma assertiva facilitou aos produtores de eventos lidar com os consumidores de forma segura e específica.

No que tange aos pedidos de estorno, a Lei 14.046/2020 trouxe segurança ao produtor de evento quanto a em que circunstancias, de fato, deverá fazê-lo ao consumidor, o texto da lei é claro e objetivo quando determina que o prestador de serviço ou a sociedade empresária não serão obrigados a reembolsar os valores pagos pelo consumidor se houver a remarcação dos eventos adiados OU a disponibilização de crédito para uso ou abatimento na compra de outro evento disponível na respectiva empresa.

Cumpre mencionar que o produtor de evento poderá optar por remarcar ou disponibilizar o credito aos consumidores, e que, não obrigatoriamente terá que disponibilizar ambas as opções.

A Lei 14.046/2020 ao contrario da MP 948/2020 especificou que valores só serão restituídos aos consumidores, no prazo de doze meses contado da data de encerramento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto nº 6/2020 somente na hipótese de ficarem impossibilitados de oferecer uma das alternativas mencionadas nos incisos I e II do artigo 2º da lei (remarcar o evento ou disponibilizar crédito).

Ademais, diferente da MP 948/2020 que determinava o prazo de 90 dias a contar de sua entrada em vigor para que o consumidor manifestasse sua vontade, a Lei 14.046/2020 trouxe dois prazos distintos, o de cento e vinte dias iniciando da data da comunicação do adiamento do evento ou até a data em que restarem trinta dias para a realização do evento, sendo a data que ocorrer antes a que valerá para contagem do respectivo prazo.

Ainda de forma mais abrangente, a Lei 14.046/2020 determinou que caso o consumidor venha a óbito, ou por motivo de caso fortuito ou força maior não consiga manifestar sua vontade dentro do prazo estabelecido haverá uma dilação de prazo sendo o marco para contagem a data em que ocorreu o evento que impossibilitou a solicitação.

Outro ponto esclarecedor aos produtores de eventos e que viabiliza total vislumbramento das possibilidades caso haja a necessidade de reembolso aos consumidores ou quando da disponibilização de crédito a estes, é o fato de que do valor a ser devolvido serão deduzidos valores referentes aos serviços de intermediação já prestados, ou seja, taxa de conveniência e taxa de entrega.

Ponto importante aos consumidores bem como aos produtores de eventos é que a Lei 14.046 abarcou eventos que, inclusive, foram ou serão adiados mais de uma vez em virtude do estado de calamidade pública.

  1. Da possibilidade de dano moral em face da remarcação de eventos

É fato que o adiamento de eventos, bem como a possibilidade que o produtor de evento tem frente à Lei 14.046/2020 em, desde que cumprido o que esta determina não haver a obrigatoriedade de devolução de valores aos consumidores que apenas por vontade, não optarem por comparecer ao evento na nova data em que este acontecerá ensejará inúmeras demandas judiciais.

Não obstante, o que tanto os consumidores quanto os produtores devem compreender é que a Lei 14.046/2020 determina que, eventuais cancelamentos ou adiamentos dos contratos de natureza consumerista e regidos pela Lei 14.046/2020 caracterizam hipótese de caso fortuito ou força maior, sendo assim, não são cabíveis reparação por danos morais, aplicação de multas ou imposição das penalidades determinadas em lei, desde que não fique caracterizada má-fé por parte da produção do evento.

Considerações finais

Tanto consumidores quanto produtores de eventos têm passado por momentos incertos e difíceis de lidar, de um lado temos consumidores que perderam emprego, que passaram a enfrentar as intempéries do dia a dia com um diferencial, hoje estão inseridos em um cenário de pandemia, de outro lado produtores de eventos que sobrevivem do entreter, que se viram em meio ao caos de ter um evento suspenso e possivelmente adiado tendo ali investido altos valores e que ainda não vislumbram o retorno de um cenário favorável para remarcações, tendo, ainda, que lidar com consumidores desesperados por buscarem devoluções de valores que hoje, talvez, seja um valor indispensável.

A Lei 14.046/2020 trouxe um norte aos produtores de eventos, fazendo surgir uma fagulha de possibilidade de sobreviverem em meio à crise potencializada pela pandemia da COVID-19.

Mas esta mesma lei, por certo foi e ainda tem sido motivo de critica e descontentamento por parte dos consumidores lhes restando apenas aguardar o desenrolar dos acontecimentos, uma vez que o estorno dos valores pagos só serão realizados caso o evento de fato não aconteça.

Certo é que a Lei 14.046/2020 trouxe a possibilidade de os produtores de eventos respirarem em meio à pandemia da Covid-19, tendo uma possível minimização dos impactos no setor de entretenimento, o que por certo facilitará o desenvolvimento de projetos e políticas assertivas quanto ao desenvolvimento do setor e recuperação da economia.

*Suellem Ribeiro Alves é advogada civilista, pós-graduanda em Direito Civil e Direito Processual Civil.