Como o juridiquês pode atrapalhar o cidadão comum a exercer os seus direitos

*Lucas Santiago Oliveira Peres

O Código de Ética da OAB diz que os advogados devem utilizar uma linguagem “escorreita e polida”, mas isso não quer dizer que é proibido se comunicar de uma maneira mais simples com seu cliente.

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, em 2020 foram abertos 25,8 milhões de processos no Brasil. Percebe-se portanto a frequência com a qual pessoas comuns recorrem ao sistema de justiça, e dentro deste âmbito pode-se destacar que as mesmas podem enfrentar diversos obstáculos ao longo do processo, tais como o juridiquês, que é nada mais do que o uso de palavras técnicas e jargões do âmbito jurídico.

Para quem está acostumado a ler processos jurídicos (geralmente pessoas formadas em direito) é possível extrair alguns termos e entender boa parte do que está escrito, mas o cidadão comum não necessariamente tem o mesmo conhecimento técnico, nem vê a necessidade de saber interpretar termos como “Expedição de alvará”. Este termo, por exemplo, é muito utilizado nos processos e significa que o Tribunal liberou o valor depositado para o saque, ou seja, o cidadão já pode saber o valor da ação que irá receber, mas acaba necessitando do advogado para explicar o termo do andamento e assim esclarecer o que acabou de acontecer.

O juridiquês não é uma complicação que acontece apenas nos andamentos processuais. No cotidiano, alguns advogados acabam se apegando e utilizando jargões com seus clientes, muitas vezes não percebendo que a comunicação não está clara e gerando um certo desinteresse. Por fim, o cliente passa o processo todo sem entender o que está acontecendo e no final só realmente entende se ganhou ou perdeu. Sendo assim, é de extrema importância que o advogado saiba se atentar à linguagem que utiliza e se “modernizar” para conquistar o cliente e entregar cidadania de maneira eficiente. A partir do momento em que o cidadão passa a entender o juridiquês, ele consegue ver um leque de possibilidades no meio jurídico, se sentindo assim mais confortável quando for acionar a justiça para garantir seus direitos.

Hoje, diversos advogados estão buscando soluções para aproximar o cliente e deixar o direito cada vez mais acessível. Um exemplo é o “Legal Design”, que busca soluções mais humanizadas para os clientes através da implementação de elementos gráficos em documentos. Mas a mudança dessa cultura do juridiquês não é fácil, o mercado ainda é muito tradicional, até hoje vemos o Tribunal de Justiça cheio de pessoas que vão lá apenas para tirar dúvidas jurídicas, e em uma era digital, isso tem total relação com a acessibilidade.

Quando falamos com um cidadão comum, os termos técnicos não devem ser utilizados para engrandecer ou parecer “chique”. A eficiência parte da sensibilidade e simplicidade na linguagem, e para entregar a cidadania é essencial entender a dor da pessoa e garantir que ela entenda tudo, de ponta a ponta. Não se sabe ao certo quanto tempo vai levar para o mercado jurídico ser mais simplificado, mas cabe à classe estar sempre em melhoria contínua e aberta a mudanças para que se aproximem de todos, sem juridiquês.

*Lucas Santiago Oliveira Peres é administrador de empresas. COO e sócio na Probono Digital.