Bancos e famílias, uma conta que não fecha

Tanto se fala em crise, mas é difícil entender de fato a sua realidade. Que é sim assustadora. Nos dois últimos anos o PIB do país recuou 3,8% e 3,6%, respectivamente. Um acumulado de 7,4% (os dados são do IBGE), o que leva a economia a patamares de quase 6 anos atrás. É a maior recessão da história do país, e apenas a segunda vez em que o PIB recua por dois anos consecutivos. Dados estes diretamente percebidos pela população. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) prevê um desemprego no Brasil de 13,6 milhões de pessoas ao longo deste ano. Mas e os bancos, como vão? Vão bem, obrigado.

Apesar de terem enfrentado queda no ano, os lucros dos bancos no país são ainda assustadoramente altos. Os bancos recuaram seus lucros no ano passado em quase 14%, sendo que apenas os 5 maiores recuaram 18,8%, tudo segundo dados da consultoria Economatica. No entanto, somaram lucros de quase 48,6 bilhões de reais. Esse lucro é tão alarmante, que pare se chegar a esse montante deve-se somar os lucros dos oito setores da economia que mais lucraram no ano passado, logo abaixo dos bancos.

Na contramão destes números, o endividamento das famílias brasileiras com o sistema financeiro foi de 42,2% sobre os seus salários. Isso mesmo, 42,2% dos salários estão comprometidos com dívidas (os dados são do Banco Central). E ainda, 57,5% das famílias com renda de até 10 salários mínimos estão endividadas.

E daquelas que ganham acima deste patamar, 46,1% também estão endividadas.
Algum cálculo nessa história toda não fecha. Se há crise para toda a população brasileira e para os setores de produção e de serviços (agropecuária, indústria e serviços recuaram 6,6%, 3,8% e 2,7%, respectivamente no ano passado), que são aqueles setores que circulam as mercadorias e as riquezas, porque esta mesma crise não existe para os bancos?

Isso acontece porque os bancos gozam de privilégios legais que nenhum outro setor goza. Conforme estabelecido pelo ordenamento jurídico civil brasileiro, os contratos entre particulares (entre pessoas físicas ou jurídicas) prevêem pagamentos de juros de mora, ou seja, juros pelo não pagamento do compromisso. Mas os juros destes contratos são legalmente cobrados à taxa máxima de 1% ao mês, não podendo ultrapassar 12% ao ano.

Já para os bancos, a história é bem diferente. A Lei que regula os juros das instituições financeiras é outra (Lei 4595/64), na qual fica estabelecido que o juros cobrados por operações e serviços e operações será estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes estabelecidas pelo presidente da república. Podendo, neste caso, ultrapassar os 12% ao ano.

Por meio de Medida Provisória, foi ainda instituído em 2001 que os bancos poderiam cobrar juros compostos (famosos juros sobre juros) em empréstimos com prazos inferiores a um ano. E no ano passado o Superior Tribunal Federal (STF) julgou a constitucionalidade desta Medida.

Papo vai, papo vem, fato é que no último mês de março os juros anuais dos cartões de crédito atingiram 490,3% e os dos cheques especiais chegaram a 328%. Não é preciso tantos cálculos para imaginar que famílias endividadas em pouco tempo terão dívidas impagáveis.

Pois então vejamos. Vivemos uma das mais graves crises deste país em toda a sua história. Os setores produtivos e de serviços, bem como os trabalhadores por eles empregados, são responsáveis por circular a riqueza ao produzirem, consumirem e colocarem seus salários e lucros em movimento. Empresas estão deixando de investir por causa da crise, famílias estão deixando de consumir também pelo mesmo motivo (até mesmo o setor de alimentos teve queda no ano passado) e os bancos seguem cobrando juros e taxas livremente?

É preciso reduzir e controlar juros e demais encargos, caso contrário a sociedade trabalhará para enriquecer os bancos.

*Hanna Mtanios é advogado, especialista em Direito Empresarial.