Aplicação da Súmula 301 do Superior Tribunal de Justiça face à negativa dos descendentes de se submeterem ao exame de DNA

O Superior Tribunal de Justiça já consagrou que, em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade. Esta é a literalidade do verbete n° 301.

Em consonância, a Lei n° 12.004/09 havia alterado a Lei n° 8.560/92 para estabelecer a presunção de paternidade no caso de recusa do suposto pai em submeter-se ao exame de código genético.

Como se pode notar, a presunção de paternidade recai explicitamente sobre o genitor investigado, não conferindo aos descendentes deste a mesma aplicabilidade.

Ocorre que, em ações de investigação de paternidade post mortem, em que o caso concreto inviabiliza ao investigante a obtenção de outras provas contundentes, em virtude da inexistência de vínculo entre este e a família do investigado, há de se pautar pela razoabilidade e conferir ao princípio da inafastabilidade da jurisdição uma aplicação prática.

A busca pela filiação está umbilicalmente ligada à busca pela felicidade e à dignidade da pessoa humana, este considerado vetor axiológico dos demais direitos fundamentais consagrados em nossa Constituição.

A dita “sacralização do exame de DNA” e as inúmeras críticas que permeiam a realização deste exame, de fato, devem existir. Ocorre que há uma clara tendência no meio jurídico em afastar a extrema relevância da aplicação do exame de DNA por afirmar que esta única prova torna refém o magistrado condutor do feito, transformando-se como uma “rainha das provas”.

A despeito dessa tese ser encabeçada por grandes juristas, a interpretação da aplicabilidade da prova deve perfazer caminho inverso: o processo não é refém da perícia; mas a tecnologia, a técnica pericial e o conhecimento de outras categoriais profissionais devem ser utilizados como recursos à busca da verdade real. Não se trata de menosprezar o direito para enaltecer a resposta matemática da medicina genética, mas utilizar a medicina genética como aliado indispensável a situações concretas que o Direito, por si só, não consegue solucionar.

O Código Civil já consagra, em seu artigo 231, que “aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa”.

A aplicação analógica da Súmula 301 à recusa dos descendentes do investigado não fere o princípio da liberdade, da privacidade, tampouco o direito de não produzir prova contra si próprio. Os requeridos em ação de investigação de paternidade possuem o direito de ter realizado o exame para comprovarem a inexistência de vínculo genético.  Se há verdade na alegação de inexistência de emparelhamento genético, a perícia apenas irá ratificar os argumentos trazidos na peça defensiva. A recusa injustificada, por óbvio, deve acarretar as mesmas consequências jurídicas das do pai investigado!

Como falar em paridade de armas e ampla defesa em casos que o investigante nunca teve contato com a família do investigado e não possui meios hábeis de produzir provas contundentes, conseguindo produzir limitada quantidade de provas? Não se trata de julgamento de mérito por ausência de lastro probatório, mas de análise do caso concreto com base na situação fática exposta: a de que é impossível, em certos casos, produzir qualquer meio de prova que ateste a paternidade, senão por técnica pericial.

Nesses casos, se há a recusa por parte dos descendentes do investigado, por certo há motivos que ensejaram tal recusa, e esses motivos não podem ser ignorados pelo douto magistrado condutor do feito.

O próprio diploma civil já atesta que a recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame, consoante se depreende do artigo 232.

A não aplicação da súmula 301 nos casos de investigação de paternidade post mortem, data máxima vênia, suprime o direito à busca da identidade biológica, um direito inerente à personalidade, individual e personalíssimo.

Mesmo se houvesse violação ao direito dos descendentes do investigado, haveria a necessidade de se sopesar a antinomia dos direitos que permeiam a relação jurídica. De um lado, o direito à dignidade e à busca da origem genética; de outro, um possível direito à privacidade, à intimidade e à liberdade daquele que não quer produzir determinado tipo de prova.

O Direito Civil atual não pode se dissociar do Direito Constitucional e, em casos específicos e de delicadeza patente como esses, deverá o magistrado ponderar sobre a prevalência de um direito fundamental em detrimento de outro.

O condutor do feito deve tentar otimizar a aplicação da norma, com escopo de alcançar ao máximo a vontade constitucional sem, por óbvio, sacrificar direitos igualmente protegidos.

É sabido que os direitos fundamentais não possuem caráter absoluto e isso, por si só, aliado à razoabilidade e devida proporcionalidade do caso concreto, permite a intervenção do Estado para exigir a realização do exame genético, sob pena de presunção relativa!

Ponderando-se o conflito entre os direitos daquele que almeja conhecer sua origem genética e daqueles que se furtam a realizar prova imprescindível para a verificação do vínculo biológico, entendemos que a busca pelo conhecimento da própria origem ultrapassa o mero dissabor de realizar exame pericial, devendo ser claramente aplicada a presunção juris tantum quando houver negativa dos descendentes do investigado em ações de investigação de paternidade post mortem.

 *Branca Scapin Costa Pereira é advogada associada do escritório Maria Luiza Póvoa Cruz e Advogados Associados. Especialista em Direito Público.