As responsabilidades na relação de trabalho no “novo normal”

*Carla Zanina Oliveira de Almeida

A relação de trabalho é um dos pilares da geração de riquezas. Contudo, é uma relação sujeita a riscos. Nesse contexto, há a ideia de que tais riscos estão – ou deveriam estar – divididos entre empregadores, empregados e poder público. O objetivo é assegurar ao trabalhador a chamada garantia do mínimo existencial, sem que isso signifique repassar todo o peso ao empregador que, afinal, é quem oferta o trabalho.

O Brasil pré-pandemia vivia uma fase em que muito se valorizava o trabalho autônomo, na figura do chamado auto empreendedorismo. A ideia de ser “chefe de si mesmo”, materializada nas figuras dos aplicativos Uber, iFood e genériscos, minimizava a inevitável precarização do trabalho. Segundo dados oficiais, na última década, o trabalho autônomo apresentou crescimento bastante superior ao do emprego formal – leia-se – anotado na CTPS.

Ao mesmo tempo, percebemos a flexibilização de normas celetistas, às quais trouxeram conceitos como o do trabalho intermitente, a “pejotização” e maior flexibilidade nas negociações individuais. Em suma, as empresas passaram a ter, consideravelmente, menos responsabilidades, arcando com cada vez menos riscos.

O debate em torno de tal situação sempre foi bastante dicotômico e acalorado. Nada obstante, mesmo após a reforma trabalhista, a prática tem nos mostrado que retirar a responsabilidade dos empregadores não faz com que os riscos deixem de existir.

Infelizmente, a crise de saúde mundial, gerada pela pandemia da Covid-19, escancarou de maneira avassaladora tal constatação.

Com comércio, indústria, bens e serviços parados, é inegável que a classe trabalhadora sofreu profundas perdas. Não obstante, ainda que aos trancos e barrancos, viu-se amparada por medidas como a antecipação de férias, banco de horas, redução de jornada, ou mesmo suspensão do contrato de trabalho. Por outro lado, aos autônomos restou, tão somente, pedir socorro ao governo. Ao dinheiro público. Em outras palavras, ao dinheiro do contribuinte.

Para se ter ideia, mais de 20 milhões de cidadãos pleitearam o auxílio assistencial, sendo que 9 milhões foram considerados aptos a recebê-lo. Como se vê, o peso retirado do empregador recaiu sobre Estado. O Estado, por sua vez, não podendo criar riquezas de onde não existe, por certo, cobrará esta conta por meio de futuras tributações. Ironicamente, grandes empresas são, normalmente, alvo de tais tributos.

Logo, negar os riscos ou tentar jogá-los para alguém, não geram resultados positivos. Por outro lado, a diminuição do papel estatal pode ser benéfica a todos, desde que tenhamos um ambiente propício à divisão de responsabilidades, o que pode ser trazido por negociação coletiva eficaz. É o direito do trabalho atingindo seu escopo e funcionando como ferramenta justa. Para isso, é preciso que deixe de ser visto de forma abstrata e, sobretudo, não seja pautado por uma guerra ideológica.

Tal ambiente, porém, só será atingido havendo profunda reforma na estruturação do direito do trabalho, especialmente no direito coletivo e sindical. Assim, ultrapassaremos o debate raso entre a desproteção absoluta do trabalhador e o engessamento da legislação protetiva. Basta que saibamos aprender com os erros escancarados pela situação peculiar vivenciada mundialmente.

Caso isso aconteça, finalmente, entenderemos que conceitos como função social da empresa e sindicalismo representativo podem – e devem- andar ao lado do tão almejado crescimento econômico.

*Carla Zanina Oliveira de Almeida é advogada especialista em Direito do Trabalho