Alienação fiduciária de imóvel em garantia: a (im)prescindilidade do registro e seu alcance

*Luiz Antônio Lorena de Souza Filho  

O presente artigo analisa a validade e eficácia do contrato de compra e venda de imóvel com pacto acessório de alienação fiduciária em garantia, abordando as características e os requisitos do negócio fiduciário, especialmente nas situações em que a loteadora ou incorporadora é, ao mesmo tempo, vendedora, agente financiadora e credora fiduciária.

Palavras-chave: Alienação fiduciária de imóvel em garantia, Requisito para consolidação da garantia real, Validade e eficácia do negócio em relações às partes e em relação a terceiros.

  1. Introdução 

O presente artigo tem por objetivo trazer breves considerações sobre a disciplina do instituto da alienação fiduciária de imóvel em garantia nas operações de comercialização de imóveis mediante pagamento parcelado ou financiamento imobiliário celebrado diretamente com a loteadora ou incorporadora, que são, ao mesmo tempo, vendedora, agente financiadora e credora fiduciária.

  1. Breves considerações sobre a alienação fiduciária de imóvel em garantia 

O contrato de alienação fiduciária de imóvel em garantia é regulamentado no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei 9.514/97, que dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, cuja premissa adotada foi a de impulsionar o crédito imobiliário por meio de garantia real, passível de execução extrajudicial de forma célere, econômica e segura.

Entenda que a alienação fiduciária de imóvel em garantia é uma forma de garantia real pela qual o devedor de uma obrigação, denominado fiduciante, transfere a propriedade de um bem para o credor, denominado fiduciário, sob condição resolutiva, como forma de garantia do adimplemento da obrigação.

Isso quer dizer que, nesse tipo de negócio jurídico, o devedor fiduciante torna-se possuidor direto e o credor fiduciário, possuidor indireto do bem. Sendo que somente depois de cumprida a obrigação contratual, equivalente a quitação do financiamento imobiliário, é que o imóvel torna propriedade definitiva do adquirente, até então identificado como devedor fiduciante.

O art. 22 da Lei 9.514/97 define a alienação fiduciária de coisa imóvel, nos seguintes termos: “A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel”.

 

Segundo os magistrados Fernando Antônio Maia da Cunha e a Maria Rita Rebello Pinho Dias, ambos do Tribunal de Justiça de São Paulo, em artigo científico jurídico destinado a abordar o instituto da alienação fiduciária em garantia, elucidaram o seguinte[1]:

“A alienação fiduciária em garantia consiste em eficiente mecanismo de garantia de contratos no qual há transferência da propriedade fiduciária de determinado bem, alvo da garantia, de titularidade do devedor ao credor. Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o devedor possuidor direito da coisa, enquanto o credor adquire a posse indireta.

Com o adimplemento da condição resolutiva – quitação do débito -, o bem torna à titularidade do devedor. No caso contrário, com a inadimplência, consolida-se a propriedade em mãos do credor, o qual deverá proceder à sua alienação para quitar o débito, uma vez que a nossa legislação veda o pacto comissório.

Destaca-se que a finalidade desse contrato não é a transferência de propriedade em si, mas sim a constituição de garantia, em regra associada a contrato principal de financiamento, sendo, portanto, instrumental a este último. Desse contrato decorre o direito real de garantia.

A efetividade dessa garantia, em relação às demais garantias, em especial as reais, decorre do fato de que o bem dado em garantia já tem sua propriedade imediatamente transferida para o credor no momento inicial da contratação, reduzindo-se o risco de frustração das expectativas de retorno em caso de inadimplemento. Isso porque o credor, na qualidade de proprietário, já está imbuído de poderes necessários para execução da garantia, conferindo, assim, agilidade à recuperação do crédito, se necessário. Dispensa a observância de processo judicial próprio antes que se possa utilizar o bem dado em garantia para satisfação do crédito e, também, questionamento quanto ao privilégio em concurso de créditos tributários e trabalhistas.”

Aliás, a alienação fiduciária é uma espécie do gênero negócio fiduciário, assim definido pelo professor Melhin Namen Chalhub:

“No negócio fiduciário para garantia tem-se um contrato acessório, na medida em que o fiduciante transmite ao fiduciário um bem ou direito para garantia do cumprimento de uma obrigação, facultando-se a esse credor, em caso de mora do devedor, a satisfação do seu crédito mediante a utilização do bem ou direito, geralmente mediante venda em hasta pública.” (Alienação fiduciária: negócio fiduciário, 6ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 46)

O ilustre professor, diz ainda que:

“…, a doutrina é majoritária no sentido de conceber a alienação fiduciária como espécie do gênero negócio fiduciário, basicamente por dois motivos: a) porque o fiduciário deve agir sempre com lealdade, no sentido de restituir a propriedade assim que implementar a condição resolutiva, até porque, como observa Orlando Gomes, o fiduciário não age como proprietário, mas sim como titular de uma garantia, enquanto não se der a satisfação do crédito; b) porque a transmissão da propriedade ocorre em dois momentos: primeiro, a transmissão ao fiduciário, a título de garantia, em caráter transitório, tal como no negócio fiduciário; depois, a restituição do bem ao domínio do fiduciante, uma vez cumprida a obrigação garantida.”  (Alienação fiduciária: negócio fiduciário, 6ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 130/131)

Bem por isso, registra-se que os negócios fiduciários podem ter por objeto do contrato bens móveis (fungível ou infungível) ou bens imóveis, existindo para cada espécie, um regime jurídico específico, regulamentado por diversas leis esparsas no ordenamento jurídico brasileiro, entre elas, destaco o Decreto-Lei 911/1969 e as Leis 4.728/1965, 7.565/1986, 9.514/1997 e 10.406/2002.

Ainda, antes de avançar na exploração do tema, é importante registrar que a alienação fiduciária de “coisa imóvel” em garantia, objeto de análise deste artigo, é exaustivamente explorada por norma especial contida na “Lei 9.514/97”, que prevalece sobre outras normas no que lhe for contrária.

  1. Problemática comum à alienação fiduciária de imóvel em garantia nos contratos de financiamento imobiliário direto com a loteadora ou incorporadora, conhecido como financiamento direto

A Lei 9.514/97 possibilitou a exploração das operações de comercialização de imóveis mediante pagamento parcelado ou financiamento imobiliário celebrado diretamente com a loteadora ou incorporadora, que é, ao mesmo tempo, vendedora, agente financiadora e credora fiduciária.

Nesse tipo de negócio, é muito comum que a avença se dê por meio de instrumento particular, comumente denominado de “Instrumento Particular de Compra e Venda de Bem Imóvel, Financiamento com Garantia de Alienação Fiduciária de Imóvel e Outras Avenças, nos Termos da Lei 9.514/97”.

Esse modelo de contrato de financiamento direto entre loteadora, ou incorporadora, e adquirente, tem-se, geralmente, previsão contratual estabelecendo que o adquirente é o responsável pelo registro do contrato no cartório de registro de imóveis competente, conforme a regra do art. 490 do Código Civil, que estabelece o seguinte: “ficarão as despesas de escritura e registro a cargo do comprador”.

Mas acontece com alguma frequência, a não efetivação do registro do contrato no cartório de registro de imóveis competente, situação que pode dar ensejo a desnaturação do contrato com o consequente afastamento do regramento especial contido na Lei 9.514/97, pelo fato de não constituir a alienação fiduciária em garantia, permanecendo a obrigação no campo obrigacional, atraindo, por exemplo a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, Súmula 543 do STJ e Lei do Distrato.

Isso, geralmente, se dá pelo seguinte motivo, embora o registro do contrato seja essencial para a segurança jurídica das partes envolvidas no negócio, por tratar-se de ato oneroso e dispendioso, por vezes é deixado de lado num primeiro momento ou postergado para momento futuro, como medida econômico-financeira.

Desse modo, a avença entre as partes contratantes não passa de um contrato de natureza obrigacional, que em razão da ausência do registro não atinge a proteção comum aos direitos reais, segundo o entendimento predominante da doutrina, conforme se verá a seguir.

  1. O registro: requisito para constituição regular da propriedade fiduciária

O modo de constituição da propriedade fiduciária em garantia se dá pelo registro do contrato no registro público competente, segundo a regra do art. 23 da Lei 9.514/97, reproduzido abaixo:

Art. 23. Constitui-se a propriedade fiduciária de coisa imóvel mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título.

Parágrafo único. Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel.

A literalidade do dispositivo legal não deixa dúvida. O registro é um dos requisitos essenciais para que a alienação fiduciária de imóvel em garantia seja constituída de forma válida e eficaz, garantindo, por sua fez a aplicação do regramento especial contido na Lei 9.514/97.

Cumpre mencionar também que o artigo 17 da Lei 9.514/97 qualifica a alienação fiduciária de imóvel como modalidade de garantia, prevendo ainda no § 1º do mesmo artigo que essa garantia constitui direito real sobre o respectivo objeto do contrato.

Com efeito, ensina o notável professor Melhin Namem Chalhub que:

“O registro é elemento essencial da segurança jurídica, pois, na sua falta, o gravame não terá eficácia contra terceiros, que poderão, de boa-fé, adquirir o bem como se estivesse livre e desembaraçado. O registro é elemento essencial para que a alienação fiduciária em garantia produza todos os efeitos inerentes à sua natureza, pois, ao se constituir a propriedade fiduciária, por meio do registro, o bem é afastado dos efeitos da insolvência do fiduciante e do fiduciário; afinal, a propriedade fiduciária em garantia é constituída com a finalidade específica de segregação patrimonial, visando maior eficácia da realização da garantia, daí por que a ausência do registro frustra a própria finalidade do contrato, como observa Paulo Restiffe Neto: “um importante efeito que decorre do registro em relação a terceiros é que comprovada a existência do ônus da alienação fiduciária, torna-se o bem insuscetível de responder por dívidas, quer do fiduciante, quer do fiduciário.” (Alienação fiduciária: negócio fiduciário, 6ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 212)

Como se vê, em se tratando de alienação fiduciária de imóvel em garantia, aplica-se a Lei 9.514/97, que sem seu artigo 23 aponta expressamente que a propriedade fiduciária de coisa imóvel constitui-se mediante registro, no competente registro de imóveis, do contrato que lhe serve de título.

Dessa forma, sem o registro do contrato de alienação fiduciária na matrícula do imóvel perante o registro de imóveis, o que existe é uma mera expectativa do credor de obter a garantia real, uma vez que a alienação fiduciária e o direito real de garantia sobre coisa imóvel só se constitui mediante registro, sem o qual se alcança os efeitos e a proteção da Lei 9.514/97.

Também deve ser considerado que a função do registro é dar publicidade ao ato perante terceiros, conforme ensina com propriedade, mais uma vez, o ilustre professor Melhin Namem Chalhub:

“A propriedade, ou titularidade fiduciária, em garantia é direito real, oponível erga omnes, sendo o contrato seu título aquisitivo e o registro o modo de sua aquisição. Para validade contra terceiros, o registro se faz, conforme o objeto do negócio seja móvel ou imóvel, no Registro de Títulos e Documentos ou no Registro de Imóveis competente, ou, tratando-se de veículos, na repartição competente para seu licenciamento.” (Alienação fiduciária: negócio fiduciário, 6ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 136)

“Os atos concernentes à alienação fiduciária de bens imóveis, desde a celebração do contrato até o cancelamento da propriedade fiduciária ou sua consolidação na pessoa do fiduciário, só terão plena eficácia perante terceiros após o assentamento no Registro de Imóveis da circunscrição em que estiver localizado o imóvel objeto do negócio, na linha dos princípios consagrados nos arts, 1.245 e seu § 1º do Código Civil, …” (Alienação fiduciária: negócio fiduciário, 6ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 351)

Importante destacar que, o cerne da questão aqui proposta recai sobre a análise do financiamento direto com a vendedora, por meio de instrumento particular de compra e venda de imóvel com pacto acessório de alienação fiduciária em garantia sem registro na matrícula do imóvel e, por consequência, como fica à questão da validade e eficácia do contrato entre os contratantes e perante terceiros, a partir da análise do artigo 23 da Lei 9.514/97.

Essa análise é relevante, principalmente, quando se pensa numa situação corriqueira no âmbito das ações judiciais, envolvendo loteadoras ou incorporadoras que comercializam imóveis mediante financiamento imobiliário direto, e especificamente, na situação em que o adquirente busca o desfazimento do contrato não levado a registro sem a aplicação do regramento especial da Lei 9.514/97, isto é, sem aplicação dos artigos 26 e 27 da referida norma.

E com suporte nessa problemática, passa-se ao tópico seguinte.

  1. (Im)prescindibilidade do registro do contrato para validade e eficácia do contrato entre as partes contratantes e perante terceiros, à luz da jurisprudência

O objetivo da análise sobre a (im)prescindibilidade do registro se dá no seguinte sentido: o não registro do contrato, por si só, é capaz de afastar a aplicação da norma especial contida na Lei 9.514/97?

Isso porque, sob a ótica do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais inferiores essa questão é controvertida!

Existe entendimento que defende a imprescindibilidade ou necessidade do registro do contrato como requisito de validade e eficácia do contrato perante as partes contratantes e terceiros, sob pena de afastar a incidência da lei especial.

A fim de evidenciar a celeuma, trago à colação, julgados emblemáticos a respeito do tema, e que dão respaldo a imprescindibilidade ou necessidade do registro para atrair a aplicação na norma especial contida na Lei 9.514/97, senão, vejamos:

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL C/C PEDIDO DE DEVOLUÇÃO DAS QUANTIAS PAGAS. CLÁUSULA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. AUSÊNCIA DE REGISTRO. GARANTIA NÃO CONSTITUÍDA. VENDA EXTRAJUDICIAL DO BEM. DESNECESSIDADE. 1. Ação ajuizada em 01/08/2017. Recurso especial interposto em 27/05/2019 e concluso ao Gabinete em 03/09/2019. Julgamento: CPC/2015. 2. O propósito recursal consiste em dizer se a previsão de cláusula de alienação fiduciária em garantia em instrumento particular de compra e venda de imóvel impede a resolução do ajuste por iniciativa do adquirente, independentemente da ausência de registro. 3. No ordenamento jurídico brasileiro, coexiste um duplo regime jurídico da propriedade fiduciária: a) o regime jurídico geral do Código Civil, que disciplina a propriedade fiduciária sobre coisas móveis infungíveis, sendo o credor fiduciário qualquer pessoa natural ou jurídica; b) o regime jurídico especial, formado por um conjunto de normas extravagantes, dentre as quais a Lei 9.514/97, que trata da propriedade fiduciária sobre bens imóveis. 4. No regime especial da Lei 9.514/97, o registro do contrato tem natureza constitutiva, sem o qual a propriedade fiduciária e a garantia dela decorrente não se perfazem. 5. Na ausência de registro do contrato que serve de título à propriedade fiduciária no competente Registro de Imóveis, como determina o art. 23 da Lei 9.514/97, não é exigível do adquirente que se submeta ao procedimento de venda extrajudicial do bem para só então receber eventuais diferenças do vendedor. 6. Recurso especial conhecido e não provido. (REsp 1835598/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/02/2021, DJe 17/02/2021)

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA SOBRE ESSE MESMO BEM. INADIMPLEMENTO DOS COMPRADORES. RESCISÃO DO NEGÓCIO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS. NECESSIDADE DE ALIENAÇÃO DO IMÓVEL PARA QUITAÇÃO DA DÍVIDA. INAPLICABILIDADE DA LEI N. 9.514/1997. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional, pois o Tribunal de origem decidiu a matéria controvertida de forma fundamentada, ainda que contrariamente aos interesses da parte. 2. O Tribunal de origem admitiu a pretensão de desfazimento do negócio com restituição parcial dos valores pagos sem necessidade de alienar o bem dado em garantia, como alegado pela construtora com amparo na Lei n. 9.514/1997, porque o contrato não teria sido levado a registro no Registro de Imóveis. A alegação deduzida no recurso especial, de que não seria necessário levar o contrato a registro para que ele tivesse eficácia entre as partes, vem amparada na indicação de ofensa a dispositivos legais que, pelo seu conteúdo, não servem para dar sustentação a essa tese. 3. A jurisprudência desta Corte, em casos análogos, de resolução do compromisso de compra e venda por culpa do promitente comprador, entende ser lícito ao vendedor reter entre 10% e 25% dos valores pagos. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (Resp 1.361.921/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/06/2016)

Esse entendimento considera que, sem o registro da alienação fiduciária na matrícula do imóvel, não se constitui a alienação fiduciária, garantia real. Logo, a relação permanece no campo obrigacional, afastando, portanto, o regramento específico da Lei 9.514/97.

Ou seja, partindo do entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, tem-se que o registro é requisito essencial e indispensável para tornar válido e eficaz o contrato de alienação fiduciária entre as partes contratantes.

A eminente ministra Nancy Andrighi, no voto proferido no REsp 1835598/SP, defende que “não poderia ser diferente, haja vista que, no sistema adotado no país, seguindo a tradição romana, a propriedade de bem imóvel, seja resolúvel ou não, apenas é adquirida, a título deriva e inter vivos, com o registro do contrato no Cartório de Imóveis”.

Isso significa que a constituição da alienação fiduciária só ocorrerá de forma plena quando houver o requisito essencial, qual seja, o registro do contrato à margem da matrícula do imóvel objeto da garantia, tal como indicado no artigo 23 da Lei 9.514/97.

Veja que, a ministra Nancy Andrighi, ao fundamentar o seu entendimento, avocou a influência direta do direito romano no ordenamento jurídico brasileiro, posto que a transmissão de propriedade ou da constituição de direito real está associado à realização do registro no competente registro público, a exemplo do que diz os artigos 1.227, 1.245, § 1º e 1.361, § 1º, do Código Civil Brasileiro, in verbis:

Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por ato entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (Arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código.

Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

  • 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.

Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor.

  • Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro.

Ademais disso, a ministra Nancy Andrighi, no voto proferido no REsp 1835598/SP, continua dizendo que “sem o registro do contrato no competente Registro de Imóveis, há simples crédito, situado no âmbito obrigacional, sem qualquer garantia real nem propriedade resolúvel transferida ao credor”.

Esse julgado (REsp 1835598/SP), em razão de sua repercussão no meio jurídico e pela sua importância, foi indicado no Informativo de Jurisprudência nº 685, publicado em 22 de fevereiro de 2021, cujo destaque é o seguinte: “a ausência do registro do contrato de compra e venda de imóvel impede a constituição da garantia fiduciária”.

Nessa linha de pensamento, se faz importante ilustrar alguns julgados dos Tribunais inferiores, senão, vejamos:

RESCISÃO CONTRATUAL E RESTITUIÇÃO DE VALORES – Compromisso de compra e venda – Sentença de parcial procedência – Recurso da Ré – Inaplicabilidade da Lei nº 9.514/97, eis que não restou demonstrado pela ré o aperfeiçoamento da alienação fiduciária com o registro da garantia na matrícula do imóvel, nos termos do art. 23 do referido Diploma – Pretensão à aplicação das multas previstas pela Lei nº 13.786/18 – Inadmissibilidade – Irretroatividade da lei posterior a contrato celebrado antes de sua vigência, em respeito ao ato jurídico perfeito – Restituição de valores – Resolução do contrato de compra e venda de imóvel por iniciativa do autor – Direito de retenção pelo promitente vendedor de parte do valor pago, para a recomposição das perdas e custos inerentes ao próprio empreendimento – Cláusula de Retenção – Jurisprudência que se firmou pela retenção de percentual de 10 a 20%, salvo comprovação de gastos excepcionais – Majoração do percentual de retenção para 20% que se mostra adequado à hipótese – Precedentes – Honorários recursais – Sucumbência mínima do apelado – incidência do art. 86, parágrafo único do CPC – Recurso parcialmente provido.  (TJSP; Apelação Cível 1056853-06.2018.8.26.0576; Relator (a): Achile Alesina; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Privado; Foro de São José do Rio Preto – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 23/02/2021; Data de Registro: 24/02/2021) 

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. RESCISÃO (RESILIÇÃO) PELO PROMITENTE COMPRADOR. RECURSO DA CONSTRUTORA. PACTO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA LEI Nº 9.514/97. FALTA DO REGISTRO COMPETENTE. REQUISITO FORMAL DO CONTRATO. REQUISITO LEGAL DA TRANSFERÊNCIA DE PROPRIEDADE. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DESCARACTERIZADA. RESCISÃO. POSSIBILIDADE. RETENÇÃO DE VALORES. PERCENTUAL DE 10% SOBRE O VALOR TOTAL DO IMÓVEL.  JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.  1 Na alienação fiduciária em garantia o devedor transfere a favor do credor a propriedade de uma coisa, objeto do contrato, permanecendo ele com a posse. 1.1 O Código Civil é expresso ao determinar que a propriedade imóvel se transfere mediante o registro do título translativo no registro de imóveis art. 1.245. 1.2 O art. 23 da Lei 9.514/97 é expresso ao definir que a propriedade fiduciária será constituída com o registro do contrato no cartório. 1.3 O registro do contrato de alienação fiduciária de imóvel não é mera garantia em face de terceiros, mas decorre da natureza do próprio ato, pois é necessário para que ocorra a constituição (transferência) de propriedade fiduciária de coisa imóvel. 2 Não havendo o adequado registro do contrato de compra e venda de imóvel com cláusula de alienação fiduciária, não poderão ser aplicadas as regras excepcionais da Lei 9.514/97, mas permanece válido o contrato de compra e venda entre as partes (precedente desta turma). 3 Celebrado contrato de promessa de compra e venda de imóvel, não pretendo mais o promitente comprador manter-se no contrato, é possível a rescisão (resilição) contratual. Neste caso, é admitida a retenção pela promitente vendedora de parte das parcelas pagas, a título de ressarcimento pelas despesas operacionais. 4. A retenção compensatória, desde que efetivada em percentual razoável e não abusivo, encontra fundamento lógico na necessidade de se recompor os prejuízos suportados pelo promissário vendedor, ante a frustrada execução do contrato, precocemente resolvido por força da desistência do consumidor. 4.1 No caso vertente a retenção de 10% sobre o valor total do imóvel aplicada na sentença possui razoabilidade com o caso concrete e coerência com a jurisprudência pertinente. 5 Na hipótese de rescisão do contrato por iniciativa do promitente comprador, os juros de mora incidem a partir do trânsito em julgado da decisão, haja vista a não existência de mora da construtora (REsp 1740911/DF, submetido ao regime dos repetitivos, Tema 1002). Sentença alterada nesse ponto. 6-RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.  (Acórdão 1282366, 00048251720168070014, Relator: ALFEU MACHADO, 6ª Turma Cível, data de julgamento: 16/9/2020, publicado no DJE: 25/9/2020. Pág.:  Sem Página Cadastrada.)

 APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESOLUÇÃO CONTRATUAL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RELAÇÃO DE CONSUMO. LEGITIMIDADE PASSIVA. FORNECEDOR. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AUSÊNCIA DE INSCRIÇÃO NO REGISTRO IMOBILIÁRIO (Art. 23/LEI 9.514/1997; ART. 1.361, § 1º/CC). CONTRATO NÃO PERFECTIBILIZADO. INADIMPLEMENTO ABSOLUTO. ATRASO INJUSTIFICÁVEL PARA ENTREGA DA OBRA. RETORNO DAS PARTES AO “STATUS QUO ANTE”. DEVOLUÇÃO AO PROMITENTE COMPRADOR DE TODOS OS VALORES DESPENDIDOS, INCLUSIVE COMISSÃO DE CORRETAGEM. IMPOSSIBILIDADE DE RETENÇÃO DE PARCELA. TRIBUTOS DEVIDOS PELA PROMITENTE VENDEDORA ANTE A AUSÊNCIA DE IMISSÃO NA POSSE. DANO MORAL CONFIGURADO. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. SUCUMBÊNCIA PARCIAL DO AUTOR. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JURDICIAL. COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. PROVIMENTO DA APELAÇÃO. NEGATIVA DE PROVIMENTO AO RECURSO ADESIVO.  1. Comprovada a necessidade da pessoa jurídica requerente, na forma do art. 98/CPC, e Súmula 481/STJ, merece ser concedida a gratuidade da justiça, dispensando-se o preparo do recurso.  2. O compromisso de compra e venda firmado por instrumento particular, não se confunde com o contrato definitivo previsto no art. 38, da Lei do Sistema Financeiro Imobiliário, quando as partes se limitam a compromissar a concluir o contrato definitivo em favor do vendedor, não se configurando a previsão de constituição de alienação fiduciária do imóvel em garantia do vendedor, ante a ausência de sua inscrição no Registro Imobiliário (art. 23, Lei 9.514/1997 e art. 1361, § 1º/CC). 3. O inadimplemento absoluto das obrigações assumidas pelo compromitente vendedor, ante a não entrega do imóvel, por prazo de quase três anos, permite a resolução do negócio, nos termos do art. 474 e 475 do Código Civil, com o retorno das partes ao “status quo ante”, mediante a devolução integral dos pagamentos efetuados pelo compromissário comprador, sem possibilidade de retenção de qualquer percentual (Súmula 543/STJ).4. O atraso injustificado por mais trinta e cinco meses para a entrega de imóvel, revelando inadimplemento absoluto, extrapolando a razoabilidade, resulta em abalo suscetível de caracterizar dano moral indenizável, cuja indenização, no entanto, deve ser fixada com modicidade a fim de se evitar enriquecimento sem causa do favorecido, impondo-se sua fixação, no caso, em valor de seis mil reais, em conformidade com parâmetros de julgados do colegiado, reformando-se, nesse ponto, a sentença. 5. O decaimento do autor quanto a pretensão de indenização por lucros cessantes não configura sucumbência mínima prevista no parágrafo único do art. 86 do Código de Processo Civil, ensejando sua parcial responsabilização pelos ônus de sucumbência, proporcional ao pedido formulado na sua íntegra. 6. Apelação Cível à que dá parcial provimento, negando-se provimento ao recurso adesivo. (TJPR – 17ª C.Cível – 0004009-20.2017.8.16.0056 – Cambé –  Rel.: Juiz Francisco Carlos Jorge –  J. 15.10.2020)

Assim, na ausência de registro do contrato, não é exigível do adquirente que se submeta ao procedimento de venda extrajudicial do bem para só então receber eventuais diferenças do vendedor.

Contudo, também existe entendimento diverso que defende a prescindibilidade ou desnecessidade do registro do contrato da como requisito de validade e eficácia do contrato perante as partes contratantes, sendo que, o registro se mostra necessário apenas para efeitos erga omnes.

Ou seja, partindo do entendimento da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, tem-se que o registro não é requisito essencial e indispensável para tornar válido e eficaz o contrato de alienação fiduciária entre as partes contratantes.

Esse entendimento considera que, o registro da alienação fiduciária na matrícula do imóvel se mostra necessário apenas para efeitos perante terceiros, isto é, o contrato é válido e eficaz entre as partes contratantes independentemente do registro do contrato.

Nesse sentido, trago à colação, julgado da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça respaldando a imprescindibilidade ou desnecessidade do registro para validar e tornar eficaz o contrato entre as partes contratantes, senão, vejamos:

AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. RESCISÃO DO CONTRATO. AUSÊNCIA DE INADIMPLÊNCIA. APLICAÇÃO DA LEI Nº 9.514/1997. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. NÃO INCIDÊNCIA. REGISTRO DO CONTRATO EM CARTÓRIO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS. PRESCINDIBILIDADE. 1. O Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que, diante da incidência do art. 27, § 4º, da Lei 9.514/1997, que disciplina de forma específica a aquisição de imóvel mediante garantia de alienação fiduciária, não se cogita da aplicação do art. 53 do Código de Defesa do Consumidor, em caso de rescisão do contrato por iniciativa do comprador, ainda que ausente o inadimplemento. 2. A jurisprudência desta Corte Superior entende que não é necessário o registro do contrato garantido por alienação fiduciária no Cartório de Títulos e Documentos para que o pacto tenha validade e eficácia, visto que tal providência tem apenas o intuito de dar ciência a terceiros. Precedentes. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1689082/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 16/11/2020, DJe 20/11/2020)

Aqui, o entendimento é no sentido de que a ausência do registro do contrato de alienação fiduciária no competente registro de imóveis não lhe retira a eficácia, ao menos entre os contratantes, servindo tal providência apenas para que a avença produza efeitos perante terceiros.

Há mais decisões da lavra da ministra Maria Isabel Gallotti em que ela afirma que o registro do contrato em cartório não constitui requisito de validade e eficácia da alienação fiduciária a ele vinculada.

Por seu turno, essa ideia é vista em outras leis cíveis, como é o caso do artigo 221 do Código Civil, segundo o qual: “O instrumento particular, feito e assinado, ou somente assinado por quem esteja na livre disposição e administração de seus bens, prova as obrigações convencionais de qualquer valor; mas os seus efeitos, bem como os da cessão, não se operam, a respeito de terceiros, antes de registrado no registo público”.

Oportuno observar também o artigo 42 da Lei 10.931/2004, que diz que a exigência do registro do contrato é condição, apenas e tão somente, para que seja eficaz contra terceiros: “A validade e eficácia da Cédula de Crédito Bancário não depende de registro, mas as garantias reais, por ela constituídas, ficam sujeitas, para valer contra terceiros, aos registros ou averbações previstas na legislação aplicável, como as alterações introduzidas por esta Lei”.

Ressaltando que, o entendimento sustentado pela eminente ministra Maria Isabel Gallotti e pelos seus pares integrantes da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.689.082/SP e outros casos que guardam certa semelhança, partiu também das premissas básicas, quais sejam: força obrigatória dos contratos, autonomia de vontade das partes contratante e boa-fé objetiva.

Como assinalado acima, diz a eminente ministra Maria Isabel Gallotti que o registro da alienação fiduciária em garantia serve apenas para ser oponível contra terceiros, afigurando-se absolutamente válida e eficaz entre as partes.

Nessa linha de pensamento, se faz importante ilustrar alguns julgados dos Tribunais inferiores, senão, vejamos: 

APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C DEVOLUÇÃO DE QUANTIAS PAGAS COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. CONTRATO COM PREVISÃO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DO IMÓVEL. 1. INEXISTÊNCIA DE REGISTRO DA ALIENAÇÃO JUDICIÁRIA. REQUISITO DE MERA PUBLICIDADE PARA TERCEIROS. NÃO CONDICIONA A VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO. PRECEDENTES DO STJ. A inexistência de registro da alienação fiduciária não retira a validade ou eficácia do negócio jurídico, porquanto o registro tem finalidade exclusiva de dar publicidade perante terceiros. Malgrado a jurisprudência deste egrégio sodalício tenha posições divergentes quanto ao tema, no âmbito do colendo Superior Tribunal de Justiça a matéria é pacífica. Vide precedentes do STJ. 2. DA IMPOSSIBILIDADE DE RESCISÃO DO CONTRATO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. Diante da natureza do negócio jurídico sub judice, não se aplicam as disposições do Código de Defesa do Consumidor, devendo ser observada a Lei nº 9.514/97, o que afasta a possibilidade de desistência do negócio pelo devedor fiduciante, com restituição de valores pagos. Precedentes TJGO. 3. DA RECONVENÇÃO. OBRIGAÇÃO CONTRATUAL. POSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO EM OBRIGAÇÃO DE FAZER. Diante da previsão expressa de que a parte devedora deveria registrar a alienação fiduciária, cláusula 27ª, parágrafos 16º e 17º do contrato, imperioso o acolhimento da pretensão de condenação à obrigação de fazer devidamente pactuada. 4. RECURSO ADESIVO. CORREÇÃO MONETÁRIA. CONDENAÇÃO AFASTADA. PREJUDICADO. Nos termos do art. 195 do RITJGO, a perda superveniente do objeto do recurso enseja o reconhecimento da Apelação Cível como prejudicado. APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA. RECURSO ADESIVO PREJUDICADO. (TJGO, Apelação Cível 5413116-09.2019.8.09.0105, Rel. Des(a). SANDRA REGINA TEODORO REIS, 6ª Câmara Cível, julgado em 08/02/2021, DJe de 08/02/2021)

 

Compromisso de compra e venda de lote de terreno urbano. Desistência do negócio por parte do comprador. Alienação fiduciária não levada a registro, o que é irrelevante. Resolução deve ocorrer nos moldes dos artigos 26 e 27 da Lei n.º 9.514/97. Norma especial que prevalece sobre a legislação consumerista. Realização de leilão e, em caso de eventual diferença, restituída ao adquirente desistente do negócio. Apelo da ré provido. Recurso do autor desprovido. (TJSP; Apelação Cível 1001239-25.2017.8.26.0358; Relator (a): Natan Zelinschi de Arruda; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Foro de Mirassol – 1ª Vara; Data do Julgamento: 08/10/2020; Data de Registro: 27/10/2020)

Além disso, o Tribunal de Justiça de São Paulo (Recurso de Apelação nº 1011111-73.2016.8.26.0625) já se manifestou no sentido de que o contrato com garantia de alienação fiduciária pode ser levado a registro a qualquer tempo. Confira-se, o destaque extraído do acórdão:

“… O fato da alienação não estar registrada em nada altera o entendimento, tendo em vista que é válida entre as partes, podendo ser registrada para demais etapas do procedimento previsto na Lei 9.514/97. …”

É nesse contexto que se enfrenta a interpretação e o alcance do artigo 23 da Lei 9.514/97, que trata da constituição da propriedade fiduciária por meio do registo do contrato que lhe serve de título, a saber, se o registro é essencial para validade e eficácia do contrato perante as partes e perante terceiros, ou, se é essencial apenas para validade e eficácia perante terceiros.

Pois, o debate a respeito da validade e eficácia da constituição da propriedade fiduciária para efeito de sujeição ou não ao regramento especialíssimo da Lei 9.514/97, nas situações em que não se apurar o aperfeiçoamento do registro do contrato na matrícula do imóvel, bem como, qual os efeitos decorrentes disso a partir da intenção do adquirente em querer desfazer o negócio jurídico com pedido de restituição de valores pagos, sem a necessidade de levar o imóvel a leilão.

 

  1. Conclusão

Dito isso, o que resta saber é se os contratos de compra e venda com pacto acessório de alienação fiduciária de imóvel em garantia não levados a registro terão o desfecho dado pela norma especial contida na Lei 9.514/97 (arts. 26 e 27), ou seguirão o desfecho da legislação extravagante, como é o caso, do Código de Defesa do Consumidor (art. 53) e Lei do Distrato (arts. 67-A e 32-A).

Tal resposta é uma incógnita, se considerado o posicionamento jurisprudencial atual, posto que, existe nítida divergência jurisprudencial no âmbito da Corte Superior e dos Tribunais inferiores, o que merece ser objeto de recurso repetitivo de controvérsia, em busca dos primados do interesse social e da segurança jurídica, essencial para o mercado imobiliário e mercado de capitais.

Todavia, penso que a orientação fixada pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, envolvendo, especificamente, à dinâmica da alienação fiduciária de imóvel em garantia (Lei 9.514/97), é a mais acertada ao orientar que “a ausência do registro do contrato de compra e venda de imóvel impede a constituição da garantia fiduciária”, uma vez que no Brasil a propriedade, mesmo a propriedade fiduciária, só se constitui mediante registro, sendo esse o elemento essencial para garantir a natureza real do negócio jurídico, sem o qual permanece no campo obrigacional.

*Luiz Antônio Lorena de Souza Filho é advogado –luizantonio@luizantoniolorena.adv.br

Referências

CHALHUB, Melhim Namem, Alienação fiduciária: negócio fiduciário, 6ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2019. 

CUNHA, Fernando Antonio Maia da, e DIAS, Maria Rita Rebelo Pinho, Alienação fiduciária em garantia, Caderno Jurídicos, Escola Paulista da Magistratura, v. 20, n. 50, p. 31-52, jul./ago. 2019. Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/Cad-Juridicos_n.50.pdf;

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3. Turma). Rescisão de contrato particular de compra e venda de imóvel. Cláusula de alienação fiduciária em garantia. Ausência de registro. Garantia não constituída. Venda extrajudicial do bem. Desnecessidade. EAREsp 1.835.598-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 09/02/2021, Dje 17/02/2021.

[1] CUNHA, Fernando Antonio Maia da, e DIAS, Maria Rita Rebelo Pinho, Alienação fiduciária em garantia, Caderno Jurídicos, Escola Paulista da Magistratura, v. 20, n. 50, p. 31-52, jul./ago. 2019. Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/Cad-Juridicos_n.50.pdf;