A Lei da Migração e seus reflexos quanto à administração de sociedade por estrangeiros

Ana Toledo

As novas regras sobre a política migratória no Brasil, incluindo os direitos e deveres do migrante e do visitante no país, a entrada e permanência dos estrangeiros e as normas de proteção ao brasileiro no exterior, foram estabelecidas com a Lei nº 13.445/17, juntamente com o Decreto nº 9.199/2017 (“Decreto”), que a regulamenta. Entraram em vigor em 21/11/2017 (“Lei de Migração”), revogando a Lei nº 6.815/1980 (“Estatuto do Estrangeiro”) e a Lei nº 818, de 18 de setembro de 1949, que tratava de nacionalidade e direitos políticos.

Além de alterar a visão e o tratamento do imigrante no país, buscando dar mais espaço para a compreensão de suas necessidades subjetivas para a concessão do visto ou qualquer outro tipo de documento que permita seu trânsito ou permanência no território nacional, deixando de ter uma visão puramente de resguardo dos interesses nacionais, a nova legislação afetou a disciplina do visto exigido do estrangeiro administrador de empresas sediadas no Brasil.

A Lei nº 6.404/76, em seu art. 146, exige que a administração das companhias seja exercida por pessoas naturais, devendo os diretores ser residentes no Brasil. Essa mesma regra é aplicada, por meio de regulamentos e portarias do Ministério do Trabalho, do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços e do Conselho Nacional da Imigração, às demais sociedades empresárias ou não empresárias que desejam indicar estrangeiros para exercer a função de diretor de empresa sediada em território brasileiro.

Durante a vigência do Estatuto do Estrangeiro, a residência no país era autorizada mediante a concessão, ao diretor estrangeiro, do denominado visto permanente. Para tanto, a sociedade que indicasse um estrangeiro como diretor deveria cumprir com os requisitos estabelecidos pelo Ministério do Trabalho quanto às disposições legais referentes à constituição da empresa, devendo comprovar um investimento mínimo em moeda estrangeira no país, valor que podia variar de acordo com o número de empregos que viessem a ser gerados nos anos posteriores à constituição da empresa no Brasil (se o caso). Os investimentos deveriam ser comprovados ao Conselho Nacional de Imigração mediante a apresentação de cópia dos contratos de câmbio, bem como da tela contendo o quadro societário, conforme informado por meio do registro declaratório de investimento externo direto do Banco Central do Brasil.

A Lei da Migração extinguiu o instituto do visto permanente, sendo, desde novembro do ano passado, substituído pela autorização de residência e de visto temporário (que atualmente permite o exercício de atividade laboral no país pelo diretor). As regras para sua concessão, no entanto, não são muito diferentes daquelas exigidas para a concessão do visto permanente, ora extinto.

A autorização de residência pode ser requerida ao Ministério do Trabalho previamente à vinda do imigrante ao Brasil e também em território nacional, ao contrário do que era antes solicitado pelo Estatuto do Estrangeiro, que exigia que o pedido fosse formulado somente no estrangeiro.

Para a concessão da autorização de residência, a empresa nacional deverá comprovar:

I – Investimento externo em montante igual ou superior a R$ 600 mil por cada diretor estrangeiro; ou

II – Comprovante de investimento externo igual ou superior a R$ 1,5 milhões, mais a criação de 10 novos empregos, no mínimo, durante os dois anos posteriores à admissão do diretor estrangeiro; ou

III – Quando se tratar de participação de Fundos de Investimentos em Participações (Resolução BACEN 4.373/2014), apresentar: (i) indicação do imigrante com poderes de gestão pelo investidor estrangeiro; (i) comprovante de participação de capital externo das empresas investidoras por meio de boletim de subscrição ou contrato de câmbio; e (iii) comprovante de transferência bancária nos valores mencionados nos incisos I ou II, acima; e

IV – Documentos pessoais e da empresa elencados na RN 01/2017, especialmente os documentos de identidade, documento de viagem válido, formulário de requerimento de autorização de residência, atos constitutivos da empresa brasileira a ser administrada pelo estrangeiro e cópia da ata de eleição do administrador estrangeiro.

O visto temporário para trabalho e investidores, que atualmente pode ser emitido a estrangeiros que vierem ao Brasil a trabalho, com ou sem vínculo empregatício, ainda que para exercício de cargo de administrador, gerente, diretor ou executivo, com poderes de gestão em empresa estabelecida no país, está condicionado ao prazo máximo de 90 (noventa) dias e deve ser solicitado em momento anterior à entrada do estrangeiro ao país.

Todos os vistos permanentes emitidos anteriormente à nova legislação permanecerão em pleno vigor até a data original de expiração, quando, então, deverão ser substituídos pelos novos vistos e autorização de residência, sendo que o antigo Registro Nacional de Estrangeiro, o RNE, também será substituído pela Carteira de Registro Nacional Migratório ou CRNM, que será emitido pela Polícia Federal.

As disposições trazidas pela Lei da Migração estão sendo implementadas pelas autoridades competentes por meio de normativos do Conselho Nacional de Imigração, Portarias Interministeriais e manifestações de diversas autoridades e, por essa razão, trazem algumas dúvidas acerca dos procedimentos que devem ser observados e documentos que devem ser apresentados para a concessão da autorização de residência e visto temporário com finalidade laboral e CRNM.

Para viabilizar a agilidade e desburocratização dos procedimentos, princípios inclusive previstos no art. 12 da Lei de Migração, os Ministérios da Justiça e Segurança Pública, das Relações Exteriores e do Trabalho realizaram a integração eletrônica de suas bases de dados relacionadas com o processamento das solicitações de vistos, o controle migratório, o registro e a autorização de residência.

As demais autoridades, inclusive Juntas Comerciais (que ainda exigem, por meio da DREI 34/2017, a apresentação do extinto visto permanente), no período de maturação, também buscam alinhar os procedimentos e as práticas para que atendam aos princípios da nova legislação de maneira uniforme.

Apesar de estarem ainda em evolução, todas as alterações legislativas acima descritas são necessárias para que o ambiente de negócios brasileiro seja cada vez mais acessível aos investimentos e trabalhadores estrangeiros, de forma que a mobilidade humana seja feita com segurança e a eficiência nesses tempos de globalização, viabilizando o crescimento econômico das empresas aqui localizadas e da sociedade brasileira como um todo.

*Ana Toledo é advogada com mais de 20 anos de experiência e sócia-proprietária do escritório Dosso Toledo Advogados