A atualização monetária e os juros na desapropriação indireta

*Murilo Sousa

A desapropriação, sob o viés do direito público, constitui instrumento apto a fomentar a política urbana, cujo objetivo é ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar social de seus habitantes, conforme prevê o artigo 182, caput, da Constituição Federal.

De modo concreto, a desapropriação se materializa no ato pelo qual o Estado transfere para si um bem particular, por necessidade ou interesse público, mediante, em regra, o pagamento da indenização de modo prévio, justo e em dinheiro, seguindo os ditames elencados no Decreto-Lei nº 3.365/41.

Em determinadas circunstâncias, o ente público desapossa o particular de seu bem, mas sem o pagamento da indenização devida, muito menos observando o devido processo legal. Nesta hipótese, o Poder Público viola de modo flagrante o princípio da legalidade, segundo o qual a ele só é dado fazer o que dispõe a legislação (art. 37, Constituição Federal). Surge, assim, o direito do particular em reivindicar sua contraprestação devida, por meio da ação judicial denominada desapropriação indireta.

Embora regido pelo procedimento disposto na lei de desapropriações, verifica-se uma inversão no polo processual em relação à desapropriação regular, na medida em que o particular passa a figurar como autor e o Poder Público, como réu, no intuito de receber a justa indenização em decorrência da tomada do imóvel.

A indenização pleiteada não significa um acréscimo ao patrimônio do expropriado, mas tem a finalidade de recompor e restabelecer de modo pleno o patrimônio do particular que fora expropriado. O vocábulo “indene”, derivado do latim, significa “o que não sofreu prejuízo ou dano; íntegro; incólume”. Busca-se, pois, o retorno ao status quo, em quantia pecuniária suficiente para restituir o particular como se não tivesse sido desfalcado de seu patrimônio.

Na linha de intelecção exposta, a indenização justa, prevista no artigo 5º, XXIV, da Constituição Federal, deve compreender não só o pagamento da indenização conforme o valor de mercado do bem, mas também abrange a incidência dos consectários legais, incluindo atualização monetária e juros.

Em relação à atualização monetária, que nada mais é do que a recomposição do valor da moeda em decorrência da perda inflacionária ao longo do tempo, deve incidir a partir do laudo de avaliação confeccionado nos autos que aponta o valor do bem desapropriado, até o efetivo pagamento (Súmula nº 67, STJ e 561, STF). A remuneração se dá pelo IPCA-E, índice oficial da inflação no país, tudo conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 870.947, publicado em 20/11/2017 , de relatoria do Min. Luiz Fux, julgado em sede de repercussão geral (Tema 810).

No mesmo julgado supramencionado, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade do artigo 1º-F, da Lei nº 9.494/97, entendendo que a Taxa Referencial (TR), índice utilizado para remunerar a caderneta de poupança, não pode ser aplicado para a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública, pois “não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina”.

Além da preservação do valor do bem, por meio da atualização monetária, o expropriado também deve ser recompensado “pelo tempo passado entre o dever de efetuar o pagamento e a data em que foi efetivamente quitado” [1]. Trata-se, na realidade, da recomposição pela demora no pagamento, a que se dá o nome de juros moratórios.

Não obstante a existência de respeitável corrente doutrinária[2] que entende que, diante do advento da Lei nº 4.414/64, os juros moratórios aplicáveis a Fazenda Pública deverão incidir a partir da citação, e não do trânsito em julgado, submetendo-se às normas do direito civil; tem prevalecido o regramento específico segundo o qual os juros moratórios incidem ao percentual de 6% ao ano, com a aplicação a partir do trânsito em julgado, conforme artigo 15-B, do Decreto-Lei nº 3.365/41.

No âmbito das desapropriações, além das comumente aplicáveis atualização monetária e juros de mora, também incide os juros compensatórios, instrumento de justiça que garante ao desapropriado valor remuneratório correspondente ao período em que ficou privado da utilização do bem, sem poder utiliza-lo ou usufrui-lo, desde que comprovada a perda de renda sofrida pelo proprietário e quando o imóvel possuir grau de utilização da terra e de eficiência na exploração acima de zero (artigo 15-A, §§1º e 2º, do Decreto-Lei nº 3.365/41).

Persistia o entendimento de que a taxa de juros compensatórios era de 12% ao ano em sede de desapropriação, consoante Súmula nº 618, STF, aplicáveis a partir da ocupação do imóvel (Súmula nº 114, STJ).

A partir do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 2332, em 17/05/2018, de Relatoria do Min. Roberto Barroso, entendeu-se pela constitucionalidade do percentual de juros compensatórios de 6% para os juros compensatórios, conforme previsto no artigo 15-A, do Decreto-Lei nº 3.365/41, declarando a inconstitucionalidade apenas do vocábulo “até”, ou seja, o percentual não poderá ser inferior a 6%.

Segundo o relator, o então vigente percentual de 12% ao ano se justificou dentro de uma instabilidade econômica e inflacionária, além do longo período de duração dos processos judiciais envolvendo desapropriações. Atualmente, à despeito do ainda longo prazo de duração dos processos judiciais em matéria de desapropriação, a taxa de juros anual de 6% é compatível com o que se pratica no mercado financeiro, o que motivo o reconhecimento da constitucionalidade do preceito legal.

Ademais, a parte sucumbente será condenada ao pagamento das custas e despesas judiciais, incluindo honorários do perito avaliador (artigos 84 e 85, CPC/2015), bem como honorários advocatícios de sucumbência que, em matéria de desapropriação, serão fixados entre meio e cinco por cento do valor da condenação e/ou da diferença apurada, cuja limitação até o valor de R$ 151.000,00 (cento e cinquenta e um mil) reais prevista no artigo 27, §1º, do Decreto-Lei nº 3.365/41 foi declarada inconstitucional pelo STF também na ADI nº 2332, de 17/05/2018.

*Murilo Sousa é advogado especialista em desapropriações.

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[1] PELEGRINI, Márcia. Precatórios Judiciais decorrentes de expropriação – conteúdo e extensão do princípio da justa indenização. Interesse Público – IP. Belo Horizonte, n 17, ano 5, 2003.

[2] HARADA, Kiyoshi. Desapropriação – doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2005, p. 192.