Fake News: abuso no exercício da liberdade de expressão e causa de anulação da votação

*Alexandre Augusto Martins

Em recente entrevista o Ministro Luz Fux, na condição de Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, asseverou que “O artigo 222 do Código Eleitoral prevê que se o resultado de uma eleição qualquer for fruto de uma ‘fake news’ difundida de forma massiva e influente no resultado, o artigo 222 prevê inclusive a anulação. É claro que isso demanda um acervo probatório, uma cognição, conhecimento profundo daquilo que foi praticado. Mas a lei prevê esse tipo de sanção”.[1]

Na mesma oportunidade o Ministro Luiz Fux comentou sobre os esforços que tem despendido o Tribunal Superior Eleitoral – TSE com o objetivo de compelir a contaminação da vontade do eleitor pelas falácias, mentiras, falseamentos e distorção de fatos veiculados na internet, terreno fértil para a disseminação de mentiras.

Esse é um tema de suma importância.

As redes sociais e a internet tornaram-se ferramentas de aproximação das pessoas, bem como meios de consecução de objetivos, sejam profissionais ou pessoais. Contudo, tais ferramentas, podem ser utilizadas de maneira equivocada, com o objetivo de catalisar a disseminação de fraudes, calúnias, injúrias, e conteúdo de cunho difamatório.

Deste modo exsurge um hercúleo desafio para a Justiça Eleitoral, regular e balizar o uso das redes sociais e da rede mundial de computadores, com o fito de que se evitem abusos e o cometimento de crimes, preservando assim a livre convicção do eleitor.

A Constituição Federal estabelece em seu artigo 5º, IV, que é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato. Neste particular, dessume-se surgir o primeiro desafio para a Justiça Eleitoral, no sentido de garantir a liberdade de expressão e pensamento, coibindo o anonimato, que nas redes sociais se disfarçam de perfis falsos e não identificáveis.

Via de regra, esses perfis falsos são utilizados com o objetivo da disseminação dos fake news, que atualmente começam a receber um contorno de “profissionalismo”, e à primeira vista, podem até mesmo confundir e ludibriar o leitor incauto ou distraído, leitor este que as vezes, sem conferir a fonte, compartilha e repassa, e assim dá azo à disseminação de mentira ou inverdade.

Por sua vez, a Lex Mater, em seu artigo 14, caput, estabelece que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal, e pelo voto direto e secreto, com igual valor para todos.

Neste sentido, e de acordo com primado estabelecido no texto constitucional, dessume-se o quanto é importante que se garanta a formação do convencimento do eleitor de forma livre e isenta. Sem que, o mesmo seja influenciado em sua decisão.

Assim, já ocorre com as medidas previstas nas normas de regência com vistas a evitar que o abuso do poder econômico, ou o abuso do poder de autoridade possam macular a livre escolha ou o livre convencimento do eleitor, sendo que tais condutas merecem resposta firme e contundente por parte dos Poderes Constituídos.

Conforme os ensinamentos de José Jairo Gomes[2]propaganda significa difundir, espalhar, propalar, alastrar, multiplicar por meio de reprodução, tornar comum a muitas pessoas.”.

Prossegue o renomado autor, ensinando que “a propaganda busca sempre incutir certos pensamentos nas pessoas, influenciar suas opiniões ou impressões, de modo a despertar-lhes a simpatia ou a rejeição de determinadas ideias, tornando-as propensas ou inclinadas a dado sistema ideológico, político, religioso, econômico ou social. A comunicação externada objetiva criar nos destinatários imagens positivas – ou negativas – acerca do objeto enfocado”.

Desta forma, registra-se a importância que se deve conferir à propaganda eleitoral, e a necessidade de que se adotem meios necessários a coibir excessos e abusos, principalmente no que se refere à propagação dos fake news que possuem o condão de influenciar negativamente o exercício do sufrágio pautado no livre convencimento e na livre convicção do eleitor, viciando, assim, sua escolha.

A lei das eleições coíbe e veda expressamente propaganda que possua conteúdo difamatório, calunioso, injurioso ou sabidamente inverídico, numa clara preservação ao livre convencimento e escolha do eleitor. Garantindo a regularidade nas eleições, e preservando o exercício da democracia através do sufrágio.

O Código Eleitoral disciplina em seu artigo 222 que a votação será anulável quando viciada de fraude, coação, interferência do poder econômico ou abuso de poder de autoridade, uso de propaganda ou captação de sufrágio vedado em lei.

Desta feita, caso o resultado das eleições, seja influenciado por fake news, simulação, fraude, disseminação de mentiras, inverdades, calúnias, ou distorção dos fatos, admitir-se-á seja a votação anulada, já que a vontade do eleitor, nestes casos restará maculada, ou seja, o livre exercício do voto ou a escolha realizada e registrada no voto não se perfaz em livre e isento exercício da convicção.

Deste modo, razão assiste à preocupação da Justiça Eleitoral em coibir os abusos propalados nas fake news, preservando a vontade e o livre exercício do sufrágio pelo eleitor.

Do mesmo modo é profícua, legítima e bem-vinda a atuação da Ordem dos Advogados do Brasil que, através da Seccional Goiana, lançou campanha de combate fake news, promovendo assim a defesa da ordem jurídica do estado democrático de direito, que tem no voto a principal ferramenta do exercício da cidadania.

Outrossim, se o abuso do poder econômico, ou do poder político, ou mesmo religioso, pode desequilibrar a disputa eleitoral, maculando o ato de vontade do eleitor, as fake news também podem fazê-lo, maculando assim o resultado das eleições, que nestes casos devem ser anuladas pela Justiça Eleitoral, na forma preconizada no artigo 222 do Código Eleitoral.

*Alexandre Augusto Martins é presidente da Comissão do Advogado Publicista da OAB-GO 

[1] https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/fux-diz-que-justica-pode-anular-eleicao-se-resultado-for-fruto-de-fake-news-em-massa.ghtml

[2] Direito Eleitoral, 12ª Edição, Atlas.