A ilegalidade da decisão do STJ que suspendeu todas as ações relativas à correção de saldos do FGTS

Em decisão unipessoal recentemente proferida nos autos do Recurso Especial de nº 1.381.683, tendo como Recorrente o Sindicato dos Trabalhadores na Indústria do Petróleo de Pernambuco e Paraíba – SINDIPETRO – PE/PB e Recorrida a Caixa Econômica Federal, o Ministro Benedito Gonçalves, em atuação pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, suspendeu a tramitação de todas as ações relativas à correção de saldos de FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço por outros índices diversos à  TR – Taxa Referencial.

Em suas razões de decidir, o eminente ministro assentou que “o fim almejado pela novel sistemática processual (o art. 543-C do CPC) não se circunscreve à desobstrução dos tribunais superiores, mas direciona-se também à garantia de uma prestação jurisdicional homogênea aos processos que versem sobre o mesmo tema, bem como a evitar a desnecessária e dispendiosa movimentação do aparelho judiciário”.

Sustentou, nesse contexto, que “ressoa inequívoca a necessidade de que todas as ações judiciais, individuais e coletivas, sobre o tema sejam suspensas até o final julgamento deste processo pela Primeira Seção, como representativo da controvérsia, pelo rito do art. 543-C do CPC”, para, alfim, deferir a pretensão requestada pela Caixa Econômica Federal “para estender a suspensão de tramitação das correlatas ações à todas as instâncias da Justiça comum, estadual e federal, inclusive Juizados Especiais Cíveis e as respectivas Turmas ou Colégios Recursais”.

Entretanto, a despeito dos respeitáveis argumentos apresentados pelo eminente ministro, a decisão em testilha vulnera a sistemática prevista no artigo 543-C do Código de Processo Civil, acrescentado pela Lei Federal nº 11.672/2008, e a própria Resolução nº 08 do Superior Tribunal de Justiça, que estabelece os procedimentos relativos ao processamento e julgamento de recursos especiais repetitivos.

É que o artigo 543-C da Lei Adjetiva e a Resolução nº 08 do Superior Tribunal de Justiça circunscrevem-se, exclusivamente, ao processamento e julgamento de recursos especiais repetitivos, inexistindo qualquer previsão legal com alcance a ações em tramitação em “todas as instâncias da Justiça comum, estadual e federal, inclusive Juizados Especiais Cíveis e as respectivas Turmas ou Colégios Recursais”.
    
Ressalta-se que o artigo 543-C, § 2º, da Lei Instrumental Civil, confere ao Colendo Superior Tribunal de Justiça, “ao identificar que sobre a controvérsia já existe jurisprudência dominante ou que a matéria já está afeta ao colegiado”, a prerrogativa de “determinar a suspensão, nos tribunais de segunda instância, dos recursos nos quais a controvérsia esteja estabelecida”.

A literalidade da legislação de regência é de clareza solar no sentido de não subsistir alcance de suspensão no âmbito das ações em tramitação nas instâncias ordinárias. Assim, a aplicação restrita e excepcional das regras pertinentes aos recursos repetitivos não pode ser efetivada de forma ampliativa e contra legem, malferindo o princípio do livre convencimento motivado dos órgãos jurisdicionais ordinários.

Não é demais observar que as decisões oriundas do Colendo Superior Tribunal de Justiça não possuem qualquer eficácia vinculante, porquanto a Constituição Federal, em seu artigo 103-A, somente conferiu essa prerrogativa ao Augusto Supremo Tribunal Federal, “mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional”.

Com efeito, os argumentos de preservação da garantia de “prestação jurisdicional homogênea” e “desnecessária e dispendiosa movimentação do aparelho judiciário”, não merecem prosperar, uma vez que os julgadores das ordinárias instâncias não estão vinculados a eventual posicionamento contrário exarado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça.

Logo, a paralisação das ações em tramitação denota nítido e repudiável contorno político, na medida em que o tema passou a ser rediscutido recentemente justamente em razão do posicionamento adotado pelo Augusto Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 4.425/DF.

No acórdão publicado em 19.12.2013, a Corte Constitucional pátria, seguindo o voto condutor da lavra do Eminente Ministro Luiz Fux, entendeu que a atualização monetária “segundo o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança viola o direito fundamental de propriedade (CF, art. 5º, XXII) na medida em que é manifestamente incapaz de preservar o valor real do crédito de que é titular o cidadão. A inflação, fenômeno tipicamente econômico-monetário, mostra-se insuscetível de captação apriorística (ex ante), de modo que o meio escolhido pelo legislador constituinte (remuneração da caderneta de poupança) é inidôneo a promover o fim a que se destina (traduzir a inflação do período)”.

Dessa forma, a questão da atualização das contas vinculadas de FGTS – Fundo de Garantia de Tempo de Serviço por outros índices diversos à TR – Taxa Referencial tem natureza jurídica constitucional, não tendo o Colendo Superior Tribunal de Justiça autonomia para decidir matéria afeta à Constituição Federal, sobremodo em verdadeira violação às diretrizes procedimentais dos recursos repetitivos trazida pela Lei Federal nº 11.672/2008 e Resolução nº 08 do Superior Tribunal de Justiça.

Noutro quadrante, não se pode olvidar que o atual modelo constitucional outorgou ao Poder Judiciário garantias até então desconhecidas aos órgãos judicantes brasileiros, notadamente a autonomia financeira e administrativa, desaguando na valorosa independência funcional que rege e sustenta o Estado Democrático de Direito.

O Magistrado, então, deve obediência à sua consciência, aos ditames legais e da mesma Constituição que lhe proporcionou a liberdade motivada de julgar. Assim, a segurança jurídica a que aludiu o Douto Ministro, é dada justamente pelo dever de fundamentar as decisões (artigo 93, inciso IX da CF), tornando externas e de forma clara as razões que o levaram a julgar do modo estampado em sua sentença, possibilitando o controle do decisum e o substrato a outro direito previsto na Lei Maior, qual seja, o de recorrer.

De outro giro, permitir a um Juiz prolatar uma decisão sem motivos é característica própria dos estados absolutistas, marcados por tribunais de exceção e pelo desrespeito aos mais comezinhos direitos humanos. Não há como relativizar a garantia de liberdade e independência de entendimento dos Magistrados sem macular a própria Magna Lex e, a toda evidência, tudo o que não se espera é que o próprio Judiciário assim o faça.

Engessar a atividade judicante conforme parâmetros advindos de órgãos de cúpula não se perfaz como medida alinhada aos anseios de uma nação democrática como o Brasil, tampouco aos princípios constitucionais e processuais que norteiam o direito, sendo que somente ao Supremo Tribunal Federal foi dada a possibilidade de vincular os demais órgãos judiciais às suas decisões, quando proferidas na moldura das alterações advindas com a Emenda Constitucional nº 45/2004.

Noutro passo, não há dúvidas de que o objetivo precípuo do FGTS – Fundo de Garantia de Tempo de Serviço é propiciar à classe trabalhadora a possibilidade de constituição patrimonial, incentivando, especialmente, programas de habitação popular.

Nesse trilhar, a decisão proferida pelo preclaro Ministro Benedito Gonçalves prejudicou sobremaneira toda a classe trabalhadora, satisfazendo aos anseios da Caixa Econômica Federal não apenas sob o aspecto de segurança jurídica ou prestação jurisdicional homogênea, mas estancando a crescente e inarredável força dos diversos e novos posicionamentos judiciais favoráveis aos trabalhadores, em gravoso martírio à independência funcional do magistrado, máxime após o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 4.425/DF pelo Augusto Supremo Tribunal Federal.

Na confluência das considerações expostas em linhas volvidas, e considerando o contexto da decisão limitativa proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, não vislumbramos óbices aos jurisdicionados para o exercício do direito basilar e constitucional de ação (artigo 5°, inciso XXXV, da CF), mormente considerando que a fundamentação da ação de desvinculação da TR – Taxa Referencial à correção das contas vinculadas de FGTS – Fundo de Garantia de Tempo de Serviço possui envergadura constitucional, cabendo ao Supremo Tribunal Federal, guardião da Carta Política de 1988, dar a última palavra em relação ao tema.
    
*Oto Lima Neto e Thiago Vieira Cintra advogados integrantes do escritório Oto Lima & Advogados Associados S/S