A gestão de escritórios de médio porte

*Allinne Rizzie Coelho Oliveira Garcia

As práticas e metodologias de planejamento estratégico e execução de tarefas que vêm sendo adotados pelos escritórios de médio porte, na medida em que se ganha maturidade empresarial, volume de pessoas e de processos a serem geridos no curto, médio e longo prazo. Isto, com o objetivo de atingimento de resultados estabelecidos e o desenvolvimento constante destas bancas, bem como melhorar a qualidade da entrega através de advogados mais qualificados.

Na lida de um escritório de advocacia temos diversos desafios diários. Inicialmente se pensa em crescer, sair do estágio de uma sociedade pequena, em número de processos, faturamento, regiões de atuação e áreas do Direito. E quando este objetivo é alcançado, em alguma medida, aumenta-se a discussão sobre questões inerentes à gestão.

E, num escritório de médio porte é mais do que necessário iniciar uma gestão de controles de suas atividades, desenho de fluxos de trabalho e definição exata de papéis.

Por isso, a conscientização do papel dos sócios dentro daquele âmbito de atuação precisa acontecer de forma clara. Seja na gestão da atividade jurídica propriamente dita – diga-se atuação nas carteiras – , seja na parte de relacionamento com clientes, organização e controles administrativos, ou na parte de recursos humanos, os pares devem ter conhecimento sobre seu papel.

Cada sócio, na sua melhor entrega precisa entender em qual perfil se adequa, ainda que tenha que desenvolver várias habilidades para se tornar um profissional completo, a descrição de suas atribuições, estabelecimento de limites e competências, definição de resultados esperados pode levar ao sucesso ou ao insucesso da sociedade.

O advogado atualmente não pode se restringir a “saber o direito”, conquanto esta é sua obrigação inicial após conclusão do curso de Direito e do exame de Ordem. O desenvolvimento de outras habilidades faz todo sentido num mercado saturado de profissionais, em que os diferenciais levam o profissional a maior resultado pessoal, profissional e, por consequência, para a sociedade na qual está inserido.

Com sapiência do papel de cada sócio, chega-se à equipe. Manter uma equipe coesa, eficiente e que valoriza sua atividade diária, sabendo que existe um propósito maior ao seu redor deve ser o escopo da gestão, afinal, sem equipe não se chega a resultados satisfatórios.

Saber delegar é outra habilidade que se desenvolve com a prática, mas que somente é realizada com precisão mediante técnicas próprias, como explicar qual a tarefa que precisa ser realizada, como a tarefa precisa ser realizada, em qual prazo a tarefa precisa ser entregue, dizer qual o resultado esperado e, por fim, pedir àquele a quem delega para repetir tudo que foi dito e orientado, visando esclarecer se realmente reteve toda orientação. Tudo aquilo que toma tempo e que pode ser realizado por outra pessoa, não demandando esforço e/ou conhecimento pessoal, precisa ser delegado a outrem.

Tomar a decisão de delegar quando necessário, reduzir algum recurso ou modificar um fluxo de trabalho parece simples. São decisões do dia a dia de um gestor. Todavia, o time certo pode mudar tudo. Após analisar a complexidade, as consequências e os outros dados que envolvem a circunstância, a decisão precisa ser tomada, e muitas vezes tudo isso ocorre em horas, minutos ou até mesmo segundos. Não se pode ser cauteloso demais ou impetuoso demais, o equilíbrio é essencial neste momento.

Outro ponto relevante é que a sociedade de advogados, ainda que unipessoal é uma empresa. Muito mais ainda quando sai do primeiro estágio (sociedade pequena), envolvendo mais pessoas no processo, passa-se a ter mais sócios, colaboradores, fornecedores, parceiros, enfim, inicia-se um processo de profissionalização que muda toda forma de ver e fazer as atividades, desde aquelas administrativas, até as jurídicas.

Quando se parte da premissa que o escritório é uma empresa, os pilares da gestão empresarial devem ser entendidos, o financeiro, o processo interno (como as atividades são realizadas), o RH, o relacionamento com clientes (ativos, inativos e em prospecção), e, finalmente, inserindo neste novo modelo de gestão 4.0, partindo para um modelo 5.0, o pilar da tecnologia.

Definindo como vão funcionar cada um desses pilares ou áreas da sociedade (ainda que seja uma pessoa desempenhando cada atividade ou uma pessoa exercendo todas as atividades), o controle da margem de erros, o posicionamento de mercado, o atendimento dos clientes, a padronização de rotinas, as evidências de realização das atividades, o sistema de tecnologia, as premissas de tomadas de decisões da equipe, tudo deve ter um “dono”, um “por que” e um “para quê”.

Em gestão, fala-se em planejamento estratégico. Método utilizado para estabelecer quem é a sociedade, qual o seu propósito, missão, visão e valores, seus objetivos e como pretende alcançá-los. E o mais complexo nem sempre é escrever tudo isso, mas sim colocar em prática cada plano de ação, acompanhar seus resultados e mudar o curso, se necessário, para atingir os objetivos esperados.

Bom, com todos esses desafios, o gestor de um escritório de médio porte deve buscar conhecimento para adotar práticas indispensáveis, tais como (i) realizar um planejamento de carreira para os sócios e principais colaboradores (aqueles que vislumbram carreira no escritório); (ii) incentivar a busca de conhecimento (prático e teórico), inclusive de outras disciplinas e áreas que possam influir na atuação do advogado ou do colaborador; (iii) criar uma rotina de reuniões para alinhamento, construindo um relacionamento de diálogo entre os gestores e a equipe; (iv) trazer bons talentos e criar formas de retenção destes (afinal, está muito difícil garimpar talentos no mercado); (v) estabelecer indicadores e metas para os sócios e para a equipe; (vi) conduzir rotinas de acompanhamento de resultados.

Este cenário ainda percorre um caminho diferente na atual conjuntura, em que a virtualização das atividades da advocacia tomou corpo, expandindo a intervenção tecnológica para realização de atividades repetitivas e até mesmo cognitivas, mediante parametrização de regras e tratamento de dados.

O que era algo longe quando foi publicada a Lei n. 11.419/2006, chamada Lei do Processo Eletrônico, passou a ser uma realidade imperiosa e obrigatória com a pandemia, possibilitando a realização de atos presenciais na forma totalmente virtual, sem prejuízo às partes. A automação dentro dos escritórios é algo que está presente e se tornou necessário para evitar erros, reduzir custos e ser competitivo.

Houve ainda uma quebra de paradigmas quanto as nossas reuniões e atendimentos de clientes, hoje realizadas remotamente sem prejuízo algum. Acompanhamos a vida de nossos clientes ou de CEOs de empresas por meio das redes sociais, temos conhecimento sobre dados e fatos de suas vidas pelos meios de comunicação ou pelo meio em que estamos inseridos. Podemos fechar negócios sem o “olho no olho”, a não ser pelo virtual!

Essa realidade também possibilita que o escritório seja onde o advogado está. De qualquer lugar atualmente se faz uma audiência virtual, se acompanha uma perícia ou se protocola um prazo. É o que falamos sobre a virtualização da operação jurídica e da controladoria jurídica.

A equipe, que antes poderia ser multidisciplinar, agora pode ter domicílio em todo país ou do outro lado do mundo! Não faz diferença se você contrata onde está localizada a matriz do escritório ou em alguma filial, o que importa é ter um desenho bem definido do processo interno, da integração e do treinamento, que deve ser efetivo e eficiente. Se controla a produtividade e o resultado por meio de sistemas que mostram em tempo real se o colaborador está realizando suas atividades corretamente e no horário exigido. Outra questão relevante, ter ou não exigência de horário, a depender da atividade desempenhada pelo sócio ou colaborador.

Neste sentido, as regras dos sócios entre si e destes com os colaboradores merecem clareza. Uma sociedade que começa sem organização e sem definição dos termos contratuais não tem sustentabilidade para crescer e se manter, sempre haverá um ponto esquecido que pode se tornar um desconforto ou um confronto. Então, antes que o negócio cresça e cause questionamentos do que dividir (ganhos ou despesas), definir as regras do acordo de sócios é essencial.

Quanto aos colaboradores, decidir se vai contratar a equipe mediante vínculo empregatício, associação ou parceria, deve ser uma premissa inicial entre os sócios, analisando todos os pontos positivos e negativos desta decisão (leia-se consequências trabalhistas, tributárias, além de outras como grau de comprometimento e relacionamento).

Os desafios para o gestor são grandes. Na advocacia não é diferente, pelo contrário, se espera conhecimento para atuação exímia no direito, prática de atuação jurídica, habilidades pessoais e profissionais variadas. Quando o sócio parte para um projeto maior, o crescimento traz consigo maiores responsabilidades, seja no sentido de organização, seja em relação à equipe, aos clientes e às demais pessoas envolvidas no processo.

Por isso, um planejamento estratégico bem estruturado, um acordo de sócios, uma definição de valores que serão premissas para a tomada de decisões são requisitos tão necessários para a sustentabilidade do negócio.

O resto, ah o resto… é gestão! Planejar, executar, melhorar, contornar… planejar, executar, melhorar, contornar… e esperar os resultados que virão!

*Allinne Rizzie Coelho Oliveira Garcia. Doutoranda em Direito e Mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Especialista em Gestão Jurídica de Seguros e Resseguros pela Escola de Negócios e Seguros (ENS). Advogada, Gestora, Consultora, Palestrante e Professora de MBA. Membra da Associação Internacional de Direito do Seguro (AIDA) – Seção Brasil. Presidente da Comissão Especial de Direito Securitário da OAB-GO. Membra da Comissão de Gestão, Empreendedorismo e Inovação do CFOAB. E-mail: allinne@allinnegarcia.com.br.

REFERÊNCIAS

ALBINI, Samantha. Controladoria jurídica: para escritórios de advocacia e departamentos jurídicos. Curitiba: Juruá, 2014.

ALMEIDA, Emerson de. A sucessão com ela é: de sentimentos a jogos políticos nas organizações. São Paulo: Benvirá, 2016.

ARMSTRONG, Michael. Como ser um Gerente Melhor: um guia COMPLETO de A-Z de técnicas comprovadas e conhecimentos essenciais. São Paulo: Laselva, 2008.

GENETT, Donna M. O Poder de Delegar. São Paulo: Best Seller, 2015.

LÉVY, Pierre. Tradução de Paulo Neves. O que é virtual? São Paulo: Editora 34, 2011. 2ª Ed.

SARAMARGO, José. Memorial do Convento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.

SÉLEM, Lara; BERTOZZI, Rodrigo. A nova reinvenção da advocacia: a bíblia da gestão legal no Brasil sob a ótica estratégica, societária, dos negócios, de pessoas, produção, marketing jurídico e finanças. Curitiba: Juruá, 2014.