Exigência de vacinação e poder diretivo do empregador

*Gisela da Silva Freire

O contrato de trabalho pressupõe a existência de direitos e obrigações de ambas as partes, empregado e empregador. Ao empregador cabe dirigir e fiscalizar a prestação de serviços e ao empregado cabe prestar os serviços de acordo com as condições previstas no contrato de trabalho, na lei e segundo as determinações do empregador.

Esse poder de direção do contrato de trabalho, ou poder diretivo do empregador, está previsto na Consolidação das Leis do Trabalho e em algumas normas esparsas. Acatar as regras impostas pelo empregador, portanto, é uma obrigação do empregado, sob pena de aplicação de sanções disciplinares, as quais podem ir desde uma simples advertência até a própria dispensa por justa causa, a depender da falta praticada.

O exercício do poder diretivo deve pautar-se pela boa fé, sendo vedado ao empregador exigir o cumprimento de tarefas alheias ao contrato de trabalho, atividades ilícitas ou que representem uma ameaça à integridade física e/ou moral dos empregados. Esses limites, contudo, nem sempre são claros.

Muito já se discutiu sobre a possibilidade de o empregador monitorar e-mails dos empregados, filmar o local de trabalho, gravar conversas telefônicas, promover a revista em armários de vestiários, dentre outras medidas não previstas expressamente em lei. Há farta jurisprudência sobre esses temas, o que já permite às empresas estabelecerem códigos e regras de conduta laboral com significativa segurança jurídica.

Mas a crise sanitária que se enfrenta agora não tem precedentes e, bem por isso, tem sido recorrente a dúvida sobre a possibilidade do empregador exigir que seus empregados sejam vacinados contra o COVID-19, sob pena de sofrerem medidas disciplinares ou de até mesmo serem dispensados por justa causa.

O Supremo Tribunal Federal (STF) firmou recentemente a tese de que o Poder Público pode adotar a vacinação compulsória, obedecendo a determinados critérios, sendo que isto não implica em vacinação forçada. Tal significa que o cidadão pode se recusar a ser vacinado, mas estará sujeito, contudo, a restrições no exercício de determinadas atividades ou à frequência de determinados lugares.

A tese fixada pelo STF estabelece critérios relacionados à evidência científica e análises pertinentes da vacina; informações sobre eficácia, segurança e contraindicações; respeito à dignidade humana e direitos fundamentais das pessoas; distribuição gratuita e universal da vacina e atendimento à razoabilidade e proporcionalidade.

No caso da vacina contra o Covid-19, contexto no qual foi erigida a Tese do STF, as providências restritivas podem, portanto, ser implementadas pelo Poder Público, tal como previsto  no artigo 3º, III, “d” da Lei nº 13.979/20 , a qual dispõe sobre as medidas para enfrentamento da pandemia  do Covid-19.

E se o Poder Público pode adotar a vacinação compulsória contra o Covid-19, mediante a adoção de medidas restritivas, é razoável concluir que o empregador também pode fazê-lo, uma vez que  tem a obrigação legal de garantir a proteção de seus empregados, no âmbito individual e coletivo, contra riscos profissionais, incluindo riscos relacionados à contaminação do ar e riscos biológicos. Nesse sentido dispõem as Convenções 148 e 155 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), das quais o Brasil é signatário.

Vale lembrar que a Consolidação das Leis do Trabalho estabelece de forma clara que o empregador deve instruir os empregados, através de ordens de serviço, sobre as precauções relacionadas a acidentes e doenças ocupacionais. Determina, também, que o descumprimento injustificado de referidas ordens de serviço, por parte dos empregados, constitui ato faltoso.

Importante observar que a recusa justificada não constitui ato faltoso. No caso da vacinação contra Covid-19, seria justificada a recusa fundada, por exemplo, em indisponibilidade da vacina, em restrições médicas do empregado, devidamente comprovadas. E nesses casos, o empregador deverá adotar alternativas como o teletrabalho, a utilização de máscara e distanciamento social ou outra providência capaz de garantir a higidez do ambiente de trabalho.

Assim, é facultado às empresas exigir de seus empregados a vacinação contra Covid-19, mediante a aplicação de sanções disciplinares aos empregados que injustificadamente se recusarem a submeter-se ao procedimento, sanções estas passíveis de acarretar a dispensa por justa causa do trabalhador.

A dispensa por justa causa, por ser medida extrema, deve ser adotada apenas na hipótese do empregado, mesmo tendo plena ciência dos riscos que sua conduta representa, para si e para os demais trabalhadores, se recusar injustificadamente a submeter-se à vacinação.

*Gisela da Silva Freire é sócia da área Trabalhista do Cescon Barrieu