Advogada lança livro sobre relações sustentáveis e psicodinâmica do trabalho

A advogada Carla Maria

Especialista em Direito do Trabalho, a advogada Carla Maria Santos Carneiro lança o livro “Relações Sustentáveis de Trabalho: Diálogos entre o Direito e a Psicodinâmica do Trabalho”, em parceria com o professor Germano Campos Silva e a doutora em psicologia Lila de Fátima Carvalho Ramos. Em entrevista ao Portal Rota Jurídica, Carla Maria fala sobre as reflexões trazidas pela obra, como deve ser o meio ambiente do trabalho e a Psicodinâmica do Trabalho. O lançamento do livro será realizado no dia 16 de Março, às 16 horas, no Auditório do Fórum Trabalhista de Goiânia. A presença deve ser confirmada pelo telefone (62) 3215.20.76 ou contato@igt.org . Confira a entrevista:

Rota Jurídica – Como surgiu a ideia de escrever sobre as relações sustentáveis de trabalho?
Carla Maria – A obra é fruto de uma dissertação de Mestrado em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento da PUC Goiás que redigi sob a orientação do Professor Doutor Germano Campos Silva. Nela refletiu-se sobre as relações de trabalho à luz dos fenômenos da globalização, neoliberalismo e novo regionalismo. As reflexões tiveram como referencial teórico os estudos de Zygmunt Bauman, sociólogo polonês falecido em Janeiro de 2017.

Após a conclusão do mestrado, a dissertação foi enriquecida pelas contribuições pessoais do orientador. Posteriormente, tendo sido admitida no Doutorado em Psicologia pela PUC Goiás, estudei a disciplina Psicodinâmica do Trabalho de autoria de Christophe Dejours, cientista social, psicanalista, psiquiatra e ergonomista francês.

Assim, tendo conhecido a disciplina percebi que ela talvez poderia ser uma resposta para a sustentabilidade das relações de trabalho, tão fragmentadas e precarizadas pelos fenômenos retro-noticiados. Entrevistei o cientista social quando esteve em Goiânia em Agosto de 2016 e ele confirmou essa possibilidade. A íntegra dessa entrevista encontra-se no Capítulo I da obra.

Em sendo assim, Professor Germano e eu convidamos a Doutora em Psicologia Lila de Fátima Carvalho Ramos, e ela compôs a obra conosco com o capítulo de sua tese sobre a Psicodinâmica do Trabalho. Assim é que a obra foi pacientemente construída em comunhão pelos três e pretende ser um marco divisor na história do direito do trabalho no Brasil, uma vez que apresenta uma proposta de solução para a sustentabilidade das relações de trabalho.

RJ – E como é apresentada essa proposta?
CM – Para tanto constrói uma ponte entre o direito e a psicologia, dando ao Judiciário meios para que compreenda a saúde mental no trabalho através de um caminho seguro que é a Psicodinâmica do Trabalho, e aos profissionais da psicologia, os fundamentos jurídicos para percorrer esse caminho.

Assim é que, após a reflexão sobre os três fenômenos retro-citados, a obra ainda aprofunda o tema do Trabalho Escravo Contemporâneo, trazendo inclusive conceitos atualizados pós Reforma Trabalhista e finaliza propondo ações experimentadas em projetos de melhoria do meio ambiente do trabalho junto ao Fórum de Saúde e Segurança do Trabalho do Estado de Goiás.

Ou seja, ela analisa as causas, mostra as consequências e propõe meios de sustentabilidade para que se alcance um Meio Ambiente do Trabalho Ecologicamente Equilibrado nos moldes preconizados pelo Artigo 200, Inciso VIII e Artigo 225 da Constituição Federal.

RJ – Hoje ainda temos um meio ambiente de trabalho precarizado?
CM –
Sim. Infelizmente essa é uma realidade palpável e lastimável.

RJ – A que se deve essa situação?
CM – A um fenômeno mundial que é a globalização, que por não corresponder a sua vocação inicial que é a comunhão, acaba por perpetrar a exclusão. Exclusão essa que tem como fundamento uma integração econômica com base numa concorrência desigual entre países de diferentes desenvolvimentos e que prima pelo baixo custo.

Custo esse que somente é alcançado por meio da fragmentação social e total desconsideração pelo capital humano presente em suas mais diversas localidades. Ou seja, visando alcançar o baixo custo, desemprega-se trabalhadores locais que alcançaram salários dignos e emprega-se terceiros não qualificados, muitas vezes oriundos de países onde se permite inclusive a prática de trabalho infantil e escravo.

RJ – Quais são as influencias?
CM – A globalização, conforme já delineada, alicerça-se no ideal neoliberal, o qual por sua vez prima pelo afastamento do Estado das relações sociais. O Estado é afastado para permitir a livre concorrência. Mas o indivíduo, o cidadão, sem o Estado é um trapo humano, sem condições para morar, comer, estudar, trabalhar e viver dignamente.

Assim é que esse indivíduo agora sozinho, sem qualquer amparo e proteção, vê-se submetido a toda e qualquer condição de trabalho, salário e vida. Foi esse movimento que permitiu a realização da reforma trabalhista no Brasil de forma tão rápida, não dando à sociedade civil sequer a possibilidade de discussão dos seus reflexos e muito menos a compreensão de suas alterações.

O resultado é que além de ignorantes, as pessoas também estão inseguras e medrosas. Esse desamparo, ignorância e submissão é um polo aliciador de condições degradantes de trabalho com fraudes contratuais, baixos salários, longas jornadas, inadimplências de parcelas trabalhistas e ausência de cumprimento de normas que primem pela prevenção de doenças e acidentes do trabalho.

RJ – E como deve ser esse meio ambiente?
CM – O meio ambiente de trabalho protegido pela Constituição Federal Brasileira é um meio ambiente ecologicamente equilibrado. É um meio ambiente onde existe respeito à dignidade humana, à legislação protetiva do trabalho, que não vise fraudar relações de emprego, sonegar direitos e defraudar trabalhadores.

É um meio ambiente onde a fraternidade, a solidariedade, a verdade, a bondade e a cooperação são fundamentos imprescindíveis para que as pessoas trabalhem em paz sem receio de serem demitidas, sobrecarregadas, assediadas, acidentadas, manipuladas, isoladas, adoecidas e levadas ao suicídio.

Esse é um meio ambiente ecologicamente equilibrado. O contrário é um meio ambiente desequilibrado porquanto calcado em mentiras, pressões, maldades, egoísmos, fraudes, desonestidades, adoecimentos, acidentes e morte.

RJ – Como termos relações Sustentáveis de Trabalho?
CM – Falando desses princípios, refletindo sobre eles, cultivando-os e lutando para que possam prevalecer. Relações sustentáveis de trabalho são relações que se sustentam porquanto justas e saudáveis. São relações que perpetuam o bem, que disseminam amor, paz, unidade, produtividade, lucro e prosperidade para todos, não somente para alguns.

E um exemplo clássico de relações sustentáveis de trabalho no mundo contemporâneo inserido no capitalismo globalizado é justamente a certificação Fear Trade Usa. Trata-se de uma certificação conhecida como “Comércio Justo e Solidário”.

Ela permite que o percentual pago a mais sobre o valor do produto pelo próprio comprador, seja inteiramente revertido para os trabalhadores que efetivamente construíram a produção, aqueles que literalmente “colocaram a mão na massa”, os mais pobres, os mais excluídos. É uma belíssima certificação!!!!

Ela se preocupa com a vida do trabalhador, com a condição da comunidade onde ele se encontra inserido. Ela prediz que o seu valor não está somente no custo material, mas também e principalmente no valor humano empregado, respeitado e valorizado.

Relações Sustentáveis de Trabalho são relações que primem pela observância da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Essa declaração nasceu do caos humano, ela é fruto da percepção do homem que foi trucidado pelo próprio homem. Naquela oportunidade e, sobretudo, após o regime nazista, percebeu-se a que ponto o ser humano poderia degradar outro ser humano.

Pois bem, Christophe Dejours afirma com base em pesquisas científicas que o regime neoliberal em nada diferencia do regime nazista, sendo que o primeiro impõe a força pelo poder econômico e o segundo pelo uso de armas. No primeiro banaliza-se a injustiça social e no segundo banaliza-se o próprio mal.

É isso, estamos em pleno combate! Lutar é preciso. Não podemos ser omissos e cúmplices de tudo isso. Relações Sustentáveis de Trabalho são relações claras, transparentes, equilibradas, respeitosas e dignas.

RJ – A senhora fala na existência de trabalho escravo contemporâneo. Os direitos dos trabalhadores ainda são muito violados no Brasil?
CM – Sim a todo instante os direitos dos trabalhadores são violados no Brasil e a pior violação sofrida partiu do próprio Estado quando permitiu a imposição de uma reforma trabalhista neoliberal que retirou direitos sociais arduamente conquistados.

RJ – O que se deve fazer para acabar com essa prática?
CM – Conscientizar, formar, regular e fiscalizar. As autoridades responsáveis pelo combate da degradação das relações de trabalho não se calaram. Estão construindo em Brasília a partir de estudos aprofundados e intermináveis audiências públicas o Estatuto do Trabalho. Ele deverá ser apresentado à sociedade até o mês de maio de 2018 em comemoração ao Dia do Trabalho.

É uma contra-reforma, uma resposta a uma reforma trabalhista construída às pressas, às escuras, às escusas, porque tratada nos bastidores de um Governo de transição, levando em consideração tão somente os interesses do poder econômico.

RJ – Fale um pouco sobre a Psicodinâmica do Trabalho e como ela pode influenciar.
CM – A Psicodinâmica do Trabalho é uma disciplina teórica e prática. Nascida a partir dos estudos de Dejours sobre a Psicopatologia do Trabalho, ela revelou ao mundo científico que o sofrimento no trabalho quando decorrente de uma organização do trabalho rígida e engessada pode ser patogênico, adoecer, acidentar e até matar o trabalhador.

Mas quando esse mesmo sofrimento é vivido numa organização de trabalho liberal que permite ao trabalhador o uso de sua criatividade, esse sofrimento passa a ser criativo e libertador. O indivíduo através da sublimação encontra o prazer e realiza-se, deixando assim de adoecer, morrer e matar.

Essa teoria preconiza também uma Clínica do Trabalho, que não é uma clínica individual, mas sim coletiva. Uma clínica que prima pelo respeito aos espaços de deliberação e escuta clínica, onde o líder tenha como principal característica a humildade, verdade, sabedoria e prudência. Um líder que saiba harmonizar a renúncia às inteligências individuais para a construção da inteligência coletiva.

Ela pode influenciar a partir do momento em que seus preceitos sejam conhecidos, estudados e observados. É uma base teórica fundamentada a partir de muitos estudos, pesquisas, comparações e observações.

A sua prática acontece no dia-a-dia de forma comum e rotineira. Nada miraculoso, nem esplêndido. Ela não promete isso, ela auxilia os diversos atores sociais envolvidos nas relações de trabalho a se conhecerem, a se revelarem e a buscarem construir e tornarem-se autores de suas próprias histórias de vida.

A advogada Carla Maria

RJ – Quais são os frutos desses estudos?
CM – Um belíssimo fruto desses estudos e práticas é o Projeto Gestão Labor-Ambiental. Ele visa auxiliar o empregador a conhecer cientificamente as realidades nas quais encontra-se inserido e a partir daí construir com o empregado a sustentabilidade das relações de trabalho. É um projeto que visa erradicar doenças, acidentes do trabalho e passivo trabalhista a partir da legislação em vigor e dos estudos em Psicodinâmica do Trabalho.