1ª Turma aplica distinguishing e afasta rescisão indireta por irregularidade nos depósitos do FGTS

Publicidade

A Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Goiás (TRT-GO)não reconheceu a rescisão indireta do contrato de trabalho de um ajudante de cozinha com um restaurante em Goiânia. O Colegiado aplicou ao caso a técnica do distinguishing ao não admitir rescisão indireta com base exclusivamente na irregularidade dos depósitos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). A Turma entendeu que essa foi a única obrigação descumprida e que não foi causado qualquer prejuízo direto e imediato ao empregado.

Conforme os autos, o ajudante de cozinha ajuizou ação trabalhista contra o restaurante após ter conhecimento de que a empresa não estaria depositando corretamente os valores referentes ao FGTS. O Juízo de primeiro grau reconheceu a falta grave e julgou procedente a rescisão indireta do contrato de trabalho. Inconformado, o restaurante interpôs recurso ao Tribunal.

A empresa reconheceu no recurso que, diante do caos financeiro que vem passando nos últimos anos, algumas parcelas do FGTS restaram em atraso. No entanto, segundo ela, tal fato é totalmente insignificante diante de todas as responsabilidades e deveres que a empresa vem honrando com o trabalhador. Afirmou que o afastamento injustificado do trabalhador da empresa configura abandono de emprego.

O caso foi analisado pelo desembargador Gentil Pio. Ele explicou inicialmente que, conforme o entendimento dominante do TRT, em consonância com o que vem decidindo o TST, a situação de atraso nos depósitos de FGTS seria suficiente para a configuração da rescisão indireta, conforme o artigo 483, alínea “d”, da CLT. No entanto, ele considerou que as particularidades do caso levam a um entendimento diverso.

Gentil Pio observou que a irregularidade dos depósitos ocorreu durante todo o pacto laboral, de março de 2018 a julho de 2020, e que isso não foi suficiente para que o reclamante deixasse o seu emprego. “A conclusão lógica é que se o empregado antes entendia que as irregularidades quanto ao depósito do FGTS eram insuficientes para pôr fim ao contrato de trabalho, não há razão para que isso mude em plena crise econômica, uma vez que o Direito do Trabalho deve resguardar a continuidade da relação de emprego”, afirmou o desembargador. Ele concluiu que faltou o requisito da imediatidade entre a falta grave e a insurgência, pressuposto do pedido de rescisão contratual por culpa do empregador.

O desembargador-relator levou em consideração que um dos fundamentos para caracterizar irregularidades nos depósitos do FGTS como falta grave patronal é o dano social que emerge dessa conduta. No entanto, diante do contexto socioeconômico, ele considerou ser mais danoso reconhecer que essa irregularidade justifique a rescisão indireta, mesmo que ausente qualquer prejuízo direto ao empregado e ainda mais despesas para o empregador, “que tenta contornar os impactos da crise econômica para manter os empregos”.

Gentil Pio citou ainda as medidas provisórias editadas durante a pandemia que flexibilizaram alguns direitos trabalhistas com o intuito de preservar empregos. Para ele, as medidas apresentam desvantagens tanto para o empregador quanto para o empregado, no entanto são tentativas de se evitarem situações ainda mais gravosas para toda a sociedade. “Portanto, deve ser reprimida qualquer manobra por parte de quem intente se esquivar da sua cota parte no ônus imposto pelas limitações decorrentes da pandemia”, destacou.

“Logo, essa situação de distinguishing jurisprudencial é medida que se impõe, dadas as consequências econômicas e sociais para as empresas, e que exige um esforço de toda a sociedade, num momento gravíssimo de crise sanitária que enfrentamos”, concluiu o desembargador, ao reformar a sentença de primeiro grau. Gentil Pio ainda explicou que não há que se falar em abandono de emprego, já que o trabalhador apenas exerceu o seu direito de não permanecer trabalhando até a decisão final do processo. Dessa forma, foi afastada a rescisão indireta do contrato de trabalho e reconhecida a modalidade de demissão a pedido. Fonte: TRT-GO

PROCESSO 0010904-10.2020.5.18.0016