Nos últimos anos, a compra e o manejo de criptoativos, ativos digitais transacionados de maneira eletrônica, utilizados para investir, especular, transferir valores e adquirir serviços, tornou-se uma prática cada vez mais usual no mercado. Muitas pessoas optam por utilizá-los como forma de armazenamento de seu patrimônio.
Nesse sentido, muitos advogados começaram a se deparar com os empecilhos criados pelos criptoativos, sobretudo quando esses se relacionam às questões familiares e sucessórias. A partilha de bens, efeito da dissolução de casamento ou união estável e da morte, é uma questão delicada, pois muitos operadores do Direito enxergaram, neste momento, as criptomoedas como verdadeira expressão do patrimônio de uma pessoa.
De acordo com a Receita Federal, as criptomoedas não são consideradas moedas de curso legal. Isso significa que não substituem o Real ou unidades de indexação e, assim, não podem ser utilizadas para o pagamento de dívidas privadas ou públicas. No entanto, sua conversão em pecúnia (dinheiro) é fato, e muitas pessoas optam por adquiri-las, segundo especialistas, para ocultar seu dinheiro líquido.
Débora Ghelman, especialista em Direitos de Família e Sucessões e sócia do escritório Lemos & Ghelman, explica que “o maior empecilho para a contabilização de criptoativos durante o processo de partilha certamente reside no fato de que são negociados de forma descentralizada e desregulada, sendo geralmente armazenados em contas digitais cujo acesso é personalíssimo e não está sujeito a controle central”.
“Sua rastreabilidade é bastante complicada, o que os torna bens de fácil ocultação. Por vezes a fraude à partilha é provável, porém, a etapa mais difícil é a prova da existência de ativos que armazenem valores economicamente aferíveis (e sua quantidade), a serem obrigatoriamente partilhados”, completa a advogada.
A advogada e sócia da Lemos & Ghelman Bianca Lemos conta que “na sucessão de ativos e sua partilha entre os herdeiros, a não ser que o falecido deixe testamento informando suas senhas pessoais para o acesso de suas contas e carteiras, é quase impossível alcançar os criptoativos e descobrir o valor total do monte.
“Já existe proposta legislativa tramitando no Congresso Nacional (PL no 4.099/2012), cujo intuito é ampliar a redação do artigo 1.788 do Código Civil, de modo a abarcar na sucessão de bens todos os conteúdos de conteúdos de contas e arquivos digitais do falecido”, explica Lemos.
É certo que, com o processo de regulação dos ativos digitais, torna-se cada vez mais fácil para órgãos reguladores realizarem o rastreamento dos criptoativos, cujas transações registradas por blockchain são públicas e rastreáveis. Portanto, embora trate-se de âmbito ainda incerto no Direito de Família e Sucessões, a partilha desse tipo de ativo é questão mais do que atual, devendo ser continuamente regulada para evitar, desse modo, fraudes à partilha em casos de divórcio, dissolução de união estável e de sucessão por morte.