Negado vínculo empregatício a mulher que morava com o companheiro em uma carvoaria

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A Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Goiás manteve sentença do Posto Avançado de Iporá que não reconheceu vínculo empregatício de uma mulher com o proprietário de uma fazenda localizada no município de Piranhas (GO), onde funcionava uma carvoaria. Para os desembargadores, faltaram alguns dos requisitos necessários para que seja configurado o vínculo empregatício, como a onerosidade, subordinação e o animus contrahendi, que é o interesse em estabelecer uma relação contratual com a mulher. Nesse caso, ficou demonstrado nos autos que ela decidiu residir na fazenda em razão de seu relacionamento afetivo com o companheiro que trabalhava na fazenda.

Inquérito civil

A situação dos trabalhadores que atuavam na carvoaria foi motivo de inquérito civil instaurado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) para investigar as irregularidades denunciadas. Consta dos autos que o proprietário da fazenda firmou Termo de Ajuste de Conduta com o Ministério Público do Trabalho (MPT) se comprometendo a registrar todos os empregados da carvoaria, fornecer os equipamentos de proteção individual (EPIs) e alojamentos adequados, dentre outras medidas.

Quanto à mulher que morava com um dos empregados na fazenda, ela e o MPT pediram a reforma da sentença de primeiro grau que não reconheceu o vínculo empregatício. A alegação do MPT é que a relação trabalhista rural ocorreu em condições degradantes de modo análogo à escravidão, e que pela dificuldade de se produzir prova documental deve-se buscar a verdade real dos fatos, pelos testemunhos e pelas notícias que saíram nos jornais locais. A mulher alegou que sua subordinação aos reclamados se deu de forma tácita e que, apesar de não ter sido convidada para morar na carvoaria pelos reclamados, mas pelo seu companheiro, ela recebeu ordem quando ali chegou para cozinhar para os demais trabalhadores e auxiliar seu companheiro na produção do carvão.

Análise dos depoimentos

O caso foi analisado pelo desembargador Welington Luis Peixoto, relator. Ele inicialmente esclareceu que o depoimento do companheiro da autora, trazido como prova emprestada, não possui valor probatório, primeiro por força do impedimento legal (diante da proximidade do laço familiar) e, segundo, porque o depoimento dele, por ser parte interessada daquele processo, não estava juramentado.

Na análise dos depoimentos testemunhais, o desembargador considerou que eles são frágeis. Segundo ele, o depoimento de um sargento no inquérito civil, por exemplo, diz “segundo foi informado” ou “conforme as informações deles” e não informa qualquer prestação de serviço, afirmando apenas que “a família era composta por uma mulher, marido e um adolescente de 12 anos”. Além disso, o fato de ter dito que ela “estava suja de carvão” no momento em que foram à fazenda não faz presumir a prestação do serviço, já que o fato de morar num barraco ao lado dos fornos por si só já justificaria a sujeira. Já outra testemunha informou de modo confuso que não sabia se a mulher trabalhava na carvoaria e depois disse que ela cozinhava para os trabalhadores e estava sempre perto do companheiro ajudando-o.

Relação empregatícia

O desembargador Welington Peixoto explicou que além dos requisitos objetivos para a configuração da relação empregatícia (pessoalidade na prestação dos serviços, onerosidade, habitualidade e subordinação), outros requisitos, igualmente importantes, devem ser observados, como é o caso do aspecto subjetivo da contratação, denominado de animus contrahendi. Para o magistrado, restou cabalmente demonstrado nos autos que a reclamante foi residir na fazenda dos reclamados por sua livre vontade, em razão do relacionamento afetivo com seu atual companheiro que trabalhava e morava lá. “Isso demonstra que os reclamados em nenhum momento tiveram a intenção de contratar a autora (animus contrahendi)”, concluiu.

O desembargador ainda observou a ausência do requisito da onerosidade. Ele ressaltou que a própria autora relatou que nunca foi acertado um valor específico a título de salário e nunca recebeu nenhum valor a título de salário, mas “apenas uma alimentação escassa pelos seus serviços”. Nesse ponto, Welington Peixoto destacou que não ficou comprovado nos autos se a alimentação fornecida era em razão do contrato com seu cônjuge ou com ela.

Por último, o desembargador ainda observou que a única testemunha que confirmou a prestação eventual dos serviços pela mulher informou que ela realizava trabalhos domésticos rurais estranhos à atividade empresarial dos reclamados, como cozinhar, capinar e às vezes ajudar o marido na carvoaria. “Deste depoimento constata-se também a ausência do requisito da habitualidade e da subordinação, uma vez que a “ajuda” que a reclamante oferecia ao marido ocorria de modo esporádico e em razão do vínculo familiar”, afirmou o magistrado, lembrando ainda que a própria mulher admitiu que não cozinhava para os reclamados.

Processo TRT – RO-0010822-37.2018.5.18.0181