Não configura estupro tentativa de prática sexual sem violência e quando recusa é entendida como jogo de sedução, diz juíza

Juíza Placidina Pires, da 10ª Vara Criminal de Goiânia.

Não configura crime de estupro a tentativa do agente de obter o consentimento para prática do ato sexual, sobretudo quando é iludido pelas circunstâncias do caso concreto, que o faz entender que a recusa inicial faz parte do jogo da sedução. Com esse entendimento, a juíza Placidina Pires, da 10ª Vara Criminal de Goiânia, absolveu um rapaz acusado de tentar estuprar uma moça com a qual já tinha mantido relacionamento amoroso. Não foi comprovado que o réu tenha empregado violência ou grave ameaça contra a ofendida, indispensáveis para a configuração do ilícito penal.

Consta dos autos que a ofendida recebeu em seu quarto, na Casa do Estudante, em Goiânia, depois da meia-noite, um rapaz com o qual já tinha mantido relacionamento amoroso e quando ele tentou manter relação sexual com ela, não houve consentimento. O acusado foi embora, mas ela registrou ocorrência por tentativa de estupro.

O acusado negou que tenha tentado forçar a vítima à prática de conjunção carnal, empregado violência ou grave ameaça contra a ofendida. Disse que não tirou a roupa dela ou sequer apalpou suas partes íntimas. Ressaltou que acredita que a acusação foi feita por mágoa, por ele nunca ter assumido o namoro oficialmente. Acrescentou que foi ao alojamento da vítima a convite dela, feito por meio de SMS. Depois de conversarem, foram para o quarto e se beijaram. Ele diz que queria algo mais, mas a vítima não quis.

Já a vítima declarou que, na oportunidade, o acusado disse que era seu aniversário e que, por isso, deu-lhe os parabéns e pediu que se retirasse, oportunidade em que ele a segurou com força, derrubando-a no chão e deitou sobre seu corpo. Em juízo, porém, relatou que ele pediu para ver como seu quarto havia ficado após uma reforma e tentou beijá-la, oportunidade em que ela colocou a mão na boca e disse que não rolava mais. Disse que ele passou a língua em seu rosto e tentou pegar em seus seios, ocasião em que começou a chorar, mas ele dizia que “sabia que ela queria”. Relatou, ainda, que ameaçou gritar, ele se levantou e foi embora.

Provas
Ao analisar o caso, a magistrada disse que a prova produzida demonstra tão somente que o réu pretendia manter relação sexual com a ofendida, mas com o consentimento desta. Tanto que, diante de sua negativa, se evadiu do local por vontade própria, sem ameaçar ou praticar nenhum tipo de violência física ou psicológica em seu desfavor. “Assim que a vítima foi mais incisiva, ele se afastou e não mais insistiu em seu intento”, disse a magistrada.

Placidina Pires explica que o estupro acontece quando há o dissenso da vítima, que não deseja o ato sexual. No entanto, diz a magistrada, para que o dissenso seja efetivamente considerado, é preciso discernir quando a recusa da vítima se traduz em manifestação autêntica de sua vontade, de quando, momentaneamente, faz parte do “jogo de sedução”, pois, muitas vezes, o “não” deve ser entendido como “sim”.

Conforme ressalta Placidina, é preciso deixar claro que o fato de a vítima ter, em algum momento, correspondido à expectativa sexual do agente, não significa que não tem o direito de, a qualquer momento, mudar de ideia e dizer “não”.  A vítima, “mesmo dando mostras anteriores que desejava o ato sexual, pode modificar sua vontade a qualquer tempo, antes da penetração, por exemplo.

Margem para dúvida
A sua negativa deve ser compreendida e respeitada pelo agente, contudo, há situações em que esse dissenso pode dar margem para dúvidas. A juíza lembra que somente o consentimento que precede imediatamente o ato sexual é que deve ser considerado. Como entendeu o Tribunal Norte-Americano no caso Mike Tyson e Desiree Washington, ocorrido em 1991, nos Estados Unidos.

No caso em análise, a magistrada entendeu que o dissenso da ofendida com o ato sexual, como manifestação autêntica da vontade, pode ter sido compreendido pelo réu como um jogo de sedução ou demonstração de mágoa. Porém, não foi possível concluir com exatidão se essa foi a situação do presente feito. “Na hipótese, a única conclusão que se extrai dos autos é de que não foi comprovado que o réu pretendia manter relação sexual à força, ou seja, mediante violência ou grave ameaça, com ofendida”, completa.