Corte Especial do TJGO recebe denúncia contra promotor de Justiça de Anápolis

Promotor de Anápolis Marcelo Henrique dos Santos

A Corte Especial do Tribunal de Justiça de Goiás decidiu receber denúncia e determinar a instauração de ação penal contra promotor da comarca de Anápolis, Marcelo Henrique dos Santos, e outras oito pessoas investigadas durante a Operação Quarto Setor, instaurada em fevereiro do ano passado, pelo próprio Ministério Público para apurar indícios da prática dos crimes de corrupção ativa e passiva, lavagem de capitais, organização criminosa, dispensa ilegal de licitação e peculato, relativos ao desvio do valor de R$ 10 milhões dos cofres da Universidade Estadual de Goiás (UEG), fato ocorrido no final de 2010. A decisão do TJGO foi unânime. A relatora do caso foi a desembargadora Elizabeth Maria da Silva.

Em seu favor, o promotor afirmou, inicialmente, que é inepta a denúncia, uma vez que não há individualização da conduta, pois “em nenhum momento é descrito o dolo do acusado para as condutas imputadas a ele.” Além disso, ponderou que “não há descrição das condutas típicas como também não há descrição e comprovação do conluio entre os denunciados de forma estável e permanente, de animus associativo com a finalidade de obter vantagem de qualquer natureza, pois o concurso de agentes com a característica de estabilidade e permanência (e, não somente um simples ajustes de vontades) é elementar típica deste crime e sua inexistência desconfigura o tipo em tela” (f. 3.450).

Denúncia

Durante as investigações conduzidas pelo MP-GO, apurou-se que no dia 30 de dezembro de 2010, por volta das 20 horas (último dia útil do mandato do chefe do Poder Executivo estadual e último dia antes do recesso bancário daquele ano), teriam sido ilegalmente transferidos R$ 10 milhões da UEG para a Fundação Universitária do Cerrado (FUNCER), atualmente FUNSER. Esse recurso serviria para o desenvolvimento de um “programa estadual de formação e capacitação em software livre”. No entanto, conforme o órgão ministerial, a referida fundação não dispunha de nenhum know-how para executar tal tarefa, que de fato não foi executada.

Além disso, o objeto do convênio, que embasou a transferência de recursos, e os procedimentos relativos à formação do vínculo entre o Poder Público e a FUNCER não teriam atendido os requisitos legais. Por fim, a transferência dos recursos teria ocorrido sem a observância das regras aplicáveis às finanças públicas, acarretando grave prejuízo ao erário. Esses fatos levaram a 11ª Promotoria de Justiça da Comarca de Anápolis a ajuizar ação civil pública por ato de improbidade administrativa (autos sob o protocolo nº 201503462360, em tramitação na Vara da Fazenda Pública da comarca de Anápolis) em face de diversas pessoas.

Na esfera criminal, a Procuradoria-Geral de Justiça instaurou procedimento de investigação criminal para apurar o possível envolvimento nas práticas criminosas do membro do Ministério Público de Goiás, responsável pela fiscalização de fundações na comarca de Anápolis, além de empresários, advogados e servidores públicos. Conforme revelam as investigações, por ocasião da transferência ilegal de recursos, a FUNCER estaria sob intervenção determinada pelo membro do MP-GO investigado, que teria atuado com empresários, servidores públicos e advogados para a liberação do dinheiro pela UEG, com o intuito de desvio do montante.

Segundo o MP-GO, os elementos colhidos indicaram que Marcelo Henrique, diretamente e por outras pessoas, teria exercido atos de gestão de instituições que caberia a ele fiscalizar, indicando, por exemplo, auxiliares diretos para o exercício de funções em entidades privadas. A apuração dos fatos indicaria ainda que o promotor de Justiça investigado teria recebido vantagens indevidas consistentes no pagamento de valores e de viagem para a Europa (voos em classe executiva, hospedagem e demais despesas) para atuar em prol dos interesses da organização criminosa.

A investigação revelou ainda que parte do pagamento das vantagens indevidas teria sido dissimulado por meio da aquisição de automóveis, inclusive de luxo. “O dinheiro público desviado foi pulverizado em diversas contas bancárias, ligadas ao grupo investigado, a fim de dificultar o respectivo rastreamento e, por consequência, a devolução aos cofres públicos”, apontou a investigação do MP-GO.

Assim que detectado o desvio, órgãos de controle interno da Administração Pública do Estado de Goiás passaram a cobrar a restituição dos valores, razão pela qual o grupo criminoso teria adotado estratagemas para que o dinheiro não fosse restituído ao erário. Nesse sentido, as investigações demonstram que o grupo tencionou a mudança do objeto do convênio firmado entre a UEG e a FUNCER, bem como formalizou termos de ajustamento de conduta, com violação direta aos preceitos legais e ao interesse público.

Em fevereiro passado, a Corte Especial do Tribunal de Justiça de Goiás, a requerimento da Procuradoria-Geral de Justiça, decretou, dentre outras medidas cautelares, buscas e apreensões; suspensão do exercício das funções públicas do promotor de Justiça investigado; sua proibição de frequentar as dependências das Promotorias de Justiça da Comarca de Anápolis e de manter contato com testemunhas; bem como a colocação de tornozeleira eletrônica em empresário e sua proibição de deixar o país, com a entrega de seu passaporte. Além disso, foram determinados o sequestro e o bloqueio de bens e de valores dos investigados e de pessoas jurídicas ligadas ao grupo criminoso. Estima-se que, atualizado, o valor desviado corresponde a R$ 25,9 milhões. Agora, a própria Corte Especial decidiu, por unanimidade, receber a denúncia contra o membro do Ministério Público de Anápolis.

DENÚNCIA Nº 58161-84.2017.8.09.0000 (201790581613)