Contrários à reforma trabalhista, advogados goianos comentam temas debatidos durante Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho

Goianos participaram de congresso em São Paulo

Da Redação

Na semana passada, entre os dias 19 e 21 de junho, desembargadores, juízes, promotores de justiça, procuradores, advogados e demais profissionais que atuam no direito trabalhista de todo o País reuniram-se, em São Paulo, para o 57º Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho. Embora dotado de uma programação extensa e diversificada, o evento pautou-se quase que inteiramente no mais atual e polêmico tema da esfera trabalhista: a reforma. Esta foi a impressão que trouxeram de lá os advogados especialistas em Direito do Trabalho, Welton Marden, Willian Fraga, Neliana Fraga e  Thiago Fraga, da Marden e Fraga Advogados Associados. Declaradamente contrários à reforma trabalhistas, os três concederam entrevista exclusiva ao Rota Jurídica, na qual nos contaram os principais temas debatidos no evento e externaram suas opiniões a respeito. Confira abaixo:

Quais foram os principais temas de debate do congresso?

Welton Marden – A Reforma Trabalhista dominou o congresso. Mesmo em painéis cujos temas eram outros, as discussões, volta e meia, retornavam à questão da reforma. Percebemos que a maioria dos participantes são contrários à reforma trabalhista. Tive a sensação de que a organização do Congresso teve uma preocupação de colocar palestrantes que são favoráveis à reforma trabalhista, especialistas com perfil de advocacia patronal. Mas, para nossa grata surpresa, a grande maioria dos presentes se manifestou contrariamente à reforma. Havia muitos desembargadores do Trabalho, juízes do Trabalho, membros do Ministério Público do Trabalho e especialistas em Direito do Trabalho se manifestando contrariamente, com um vigor crítico muito forte em relação à reforma, porque ela está sendo concebida como algo que desmonta o Direito do Trabalho.

Neliana Fraga – Como não poderia ser diferente, considerando o momento atual – em que tramita um projeto de alteração da legislação trabalhista, denominado como “Reforma Trabalhista” – essa foi a tônica do Congresso. Os temas foram variados como, por exemplo, desconsideração da personalidade jurídica, vinculação a precedentes, rumos do sindicalismo, acidente do trabalho e doenças ocupacionais mas, em todos eles, sempre foram traçados paralelos com a reforma. Além disso, houve também um enfoque sobre a repercussão do CPC/2015 no processo do trabalho.

Uma das palestras programadas para o primeiro dia do congresso foi a do procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Curado Fleury, que discorreria sobre o posicionamento do MPT diante das reformas trabalhistas. Em que sentido ele se pronunciou?

Neliana Fraga – O MPT demonstrou posicionamento firme em sentido contrário às reformas trabalhistas. Entre outros aspectos, foi destacado haver uma evidente deficiência legislativa no que se refere à discussão (na verdade, à ausência de discussão). Destacou, também, que as mudanças representam claras violações aos direitos dos trabalhadores, contrariando inclusive normas internacionais. Nós compartilhamos integralmente esse entendimento.

Outro importante painel constante da programação consistiu no seguinte questionamento: “a reforma na legislação trabalhista implica na precarização dos direitos dos trabalhadores?”. Qual a posição da Marden e Fraga Advogados Associados a respeito?

Neliana Fraga – Somos contra a Reforma Trabalhista, da forma como ela vem sendo proposta. Está muito evidente que a maioria da população, e é essa maioria que será atingida, não tem ciência do que de fato essa reforma irá representar nas relações trabalhistas. Não houve o devido debate com a sociedade, estão fazendo tudo de forma açodada. Quando as pessoas tomarem consciência, a reforma já estará aprovada, e garanto que elas se surpreenderão negativamente com as modificações. O que muito nos preocupa é que essas alterações vão causar impacto não apenas nas relações diárias de trabalho, mas no acesso das pessoas à Justiça. O trabalhador se verá prejudicado, e quando ele pensar que poderá recorrer ao Poder Judiciário buscando sanar as lesões que sofreu, como ocorre atualmente, verá que não é mais possível. Verá que ele já deu quitação no decorrer do contrato e não há mais do que reclamar, verá que os benefícios da assistência judiciária gratuita não lhe serão concedidos em muitas hipóteses, e diante do risco de ao final do processo ter que na verdade pagar (custas, honorários para o advogado da parte contrária), ele se verá tolhido em seu direito de acesso à Justiça, isso apenas para citar alguns poucos exemplos.

Willian Fraga – E tem outra questão, pela reforma trabalhista, todo ano o trabalhador poderá se sentar e negociar com o patrão uma quitação do contrato de trabalho. Então, digamos que, por exemplo, o patrão poderá chegar no empregado em dezembro e falar “olha, assine esse documento dando quitação de todos os direitos que você tem pendentes aqui porque, senão, você não continua trabalhando”. E aí acabou. Isso vai valer!

Welton Marden – A precarização das relações a gente vê, por exemplo, na terceirização, na pejotização do trabalhador, no trabalho intermitente.  O instituto do “trabalho intermitente” é perverso com o trabalho porque, nele, o trabalhador assume um contrato com o empregador pelo qual ele fica à disposição do patrão durante todo o mês mas o patrão poderá utilizar seus serviços apenas na hora que quiser ou precisar, e pagará apenas pelo tempo trabalhado. Nessa situação, o trabalhador – que deverá estar de standby por força contrato – pode ser convocado apenas duas semanas, em um mês, e só receberá por essas duas semanas. Então é uma precarização terrível nas relações, empobrece e enfraquece ainda mais o trabalhador. A verdade é que a reforma tira toda a segurança que o trabalhador conseguiu alcançar ao longo dos anos pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).

Um dos temas do segundo dia previa a discussão sobre a possibilidade, ou não, de se estabelecer critérios objetivos para a fixação da indenização decorrente de acidente do trabalho. O que foi explanado nesse sentido?

Willian Fraga – É fato que a reforma faz uma incursão forte em medicina do Trabalho, com impacto nas doenças ocupacionais, nos acidentes de trabalho, retirando toda a segurança que o trabalhador conseguiu, via CLT, ao longo dos anos.

Neliana Fraga – Essa é outra alteração que repudiamos, a chamada “tarifação do sofrimento”. A reforma prevê a fixação de indenizações de acordo com o salário do empregado, o que afasta a análise individualizada do caso. Porque as demandas tem de ser analisadas “caso a caso” e, alterando isso, se acaba por criar a ideia de que uma vida vale mais do que a outra, com o que não podemos corroborar.

“A Justiça do Trabalho em tempos de crise ” foi também um dos painéis, composto por quatro palestras sobre diversos aspectos do tema. De um modo geral, como os especialistas analisaram a questão?

Willian Fraga – Dentro do tema “Reforma Trabalhista”, o argumento de quem a defende foi, como era de se esperar, no sentido de que o direito do trabalho é ultrapassado, antigo, não se adaptou às novas realidades e, portanto, precisa se modernizar. A justificativa é de que o emprego é caro para o patrão e que, considerando que o País está vivendo um momento de crise avassaladora, seria importante desonerar o empresário dos encargos trabalhistas. Noutras palavras: a crise deve ser suportada, paga, pelo trabalhador. Essa é a visão de quem defende a reforma. Já quem se manifestou contrariamente à reforma defendeu que ela vem em detrimento de direitos dos trabalhadores, e de forma radical, uma vez que tira, acaba, com direitos essenciais do trabalhadores, precariza as relações de trabalho e simplesmente extingue o próprio Direito do Trabalho. Isso porque quando a Reforma trabalhista inviabiliza o acesso do trabalhador à Justiça do Trabalho ela sepulta a próprio Direito do Trabalho.

Porque ela inviabiliza?

Welton Marden – Inviabiliza porque ameaça o trabalhador, dizendo a ele que se ele bater às portas da Justiça do Trabalho, e perder a causa, ele vai pagar – e caro – as custas. E de fato vai. Inclusive dentro de uma tônica que diverge de todo o Direito do País. Se o trabalhador for à Justiça e perder ele terá de pagar pesados honorários de sucumbência. Ele pode levar três pedidos, ganhar dois e perder um e ter de pagar por aquele que perdeu. Isso é diferente de qualquer outra realidade processual nesse país. No Direito Civil não é assim. No Direito Tributário não é assim. No Direito de Família não é assim. Se você sucumbir, você paga honorários, tudo certo. Porém, se sucumbir parcialmente, não necessariamente, como está sendo proposto na reforma trabalhista! Ora, isso afugenta o trabalhador da Justiça do Trabalho. Isso é um recado claro para o trabalhador: “não busque seus direitos na Justiça”.

Quem é contrário à reforma entende haver alguma outra iniciativa possível em favor dos empresários nesse momento?

Welton Marden – Quem é contrário à reforma trabalhista, como nós, entende que ela só serve para permitir mais acumulação de riqueza porque se fosse só uma preocupação de salvar o empresário em crise seguramente haveriam projetos para desonerá-los do ponto de vista tributário, porque a gente sabe que o que mais mata empresário no Brasil não é a carga trabalhista, definitivamente, não! É a carga tributária! E já que os defensores da reforma gostam muito de Direito Comparado, é importante lembrar que, mesmo com todos os encargos trabalhistas no Brasil, o valor do trabalhador, no Brasil, é um terço do trabalhador nos EUA e representa um quarto do trabalhador da Europa. Na verdade o que a gente vê é que a reforma é um projeto elaborado para viabilizar uma agenda. Mais de 80% dos 100 artigos da reforma que altera a CLT faz parte de uma cartilha da Confederação Nacional das Indústrias. Basicamente, eles pegaram um modelo de legislação – para a relação capital e trabalho da CNI – e fizeram passar goela abaixo para que a relação de trabalho seja submetida a isso.

E o que vocês teriam a dizer do painel que questiona: “A Justiça do Trabalho deve tratar as partes de forma equânime ou deve ser protetiva ao direito do trabalhador?”

Welton Marden – Essa foi uma pergunta capciosa. Ora, a legislação trabalhista é protetiva, sim, e deve ser assim, porque o trabalhador é, obviamente, a parte mais fraca na relação de trabalho. Então seus direitos precisam ser, sim, tutelados pelo Estado, para que, aí sim, haja um mínimo de equilíbrio. Através de lei, de normas, e normas fortes! É por essas razões que nós questionamos tantos pontos da reforma como, por exemplo, a possibilidade de prevalência do negociado sobre o legislado, isto é, a possibilidade de o que for definido em um acordo entre patrão e empregado se sobrepor à lei. Impensável. Inadmissível. Somos favoráveis aos acordos, mas eles tem de ter um limite e esse limite é a própria lei. Os acordos não podem ter o condão de se sobrepor a ela. O trabalhador é mais fraco e precisa do manto protetivo do Estado, por isso a Justiça do Trabalho não tem de ser equânime, não. Ela tem de proteger o trabalhador, sim, a fim de conferir um mínimo de segurança a ele.

Nesse contexto, como vocês veem a atuação dos sindicatos?

Welton Marden – Vivemos um momento de fraqueza dos sindicatos que, hoje, não tem força pra sentar de igual para igual com o patrão. Além disso, estamos num País de extensões continentais, onde o sindicalismo praticado no ABC paulista é um, enquanto aquele praticado nos rincões interior adentro é outro. Menos de 20% do trabalhador brasileiro é sindicalizado. Menos de 50% dos sindicatos assinaram acordo ou convenção coletiva nesse País. E é exatamente a esse sindicato enfraquecido dos dias de hoje que a reforma trabalhista pretende dar o poder de negociação. Ora, queríamos, sim, um sindicato com essa força. Dentro de um país ideal seria essa a reivindicação de qualquer sindicato. Mas não estamos no país ideal. A realidade é que falta correlação de força no sindicalismo hoje. Isso sem se falar que existe, infelizmente, o sindicalismo pelego, que vende trabalhador. É uma realidade, que não pode ser usada como argumento, mas que é realidade. Defendemos a autonomia das partes, dos sindicatos, de fazerem acordos e convenções, desde que sejam respeitados os direitos essenciais conquistados pelo trabalhadores, na CLT, em leis esparsas e na própria Constituição Federal. A gente até entende que em alguns aspectos bem pontuais dá para se avançar nos acordos sobre a lei. Mas isso em casos em que o acordo vai obedecer uma cultura local, uma necessidade local, um segmento local. E não da forma indistinta, como se pretende pela reforma. Infelizmente, consideramos extremamente temerário permitir que os sindicatos, com a pouca força que tem hoje, possam se sentar numa mesa, com o empregador, para negociar direitos do trabalhador que já foram consolidados e que são essenciais para a sua sobrevivência.

Willian Fraga – Não estamos dizendo, com isso, que os sindicatos não tenham que ter autonomia. Ora, as partes tem de ter autonomia para negociar. E defendemos isso. Defendemos as negociações coletivas, os acordos e convenções coletivos. Mas desde que sejam garantidos, preservados, os direitos já estabelecidos em leis. Tememos muito que – num momento como esse pelo qual o País está passando e no qual os sindicatos tem pouca correlação de força – os acordos poderem ser feitos para, por exemplo, aumentar jornada de trabalho, reduzir salários, rediscutir valor das horas-extras e rediscutir uma série de outras questões. Vemos isso com extrema preocupação.

O congresso também tratou da questão da ultratividade das convenções e acordos coletivos. O que vocês pensam a respeito?
 
Welton Marden – Nós defendemos a ultratividade. Atualmente, você faz um acordo coletivo, que tem validade de um ano. Até que você negocie um novo acordo coletivo, as normas daquele acordo anterior ficam valendo até que haja outro. A reforma trabalhista acaba com isso. Por ela, quando expirar a validade do acordo coletivo, ele já não terá nenhuma validade a partir de então. Isso é ruim por uma razão simples: na realidade da negociação coletiva, o trabalhador se sentava com o patrão até se exaurirem as negociações. O patrão só era motivado a se sentar com o trabalhador porque enquanto ele não negociasse estaria valendo o acordo antigo. Agora, se a reforma passar, se antes ele não era motivado, será muito menos: vai se sentar com o trabalhador e, se não der acordo, o patrão sairá da mesa. Ponto. E o trabalhador não pode ir à Justiça porque pra ele ir à Justiça com dissídio coletivo o patrão tem que concordar – e se o patrão não concordar não adianta ele entrar porque o processo será arquivado. Então, o que o trabalhador é obrigado a fazer? É obrigado a fazer greve. Porque com a greve instaura-se o dissídio de greve e aí ele tem um dissídio coletivo. Então a greve fica como um pressuposto processual. Essa é a norma, nesse aspecto. E a ultratividade, nesse aspecto, tem um papel muito importante, que é de ajudar, forçar essa negociação. Mas a reforma trabalhista vai acabar com isso.