O perigo da Justiça

Nos últimos dias houve uma unanimidade na imprensa e nas rodas de conversas: as pataquadas do juiz Flávio Roberto de Souza, flagrado conduzindo um veículo do petroleiro – sem petróleo – Eike Batista.

Dizer do absurdo da conduta do juiz é repetir o óbvio. Mas o que leva um operador do direito a agir de maneira tão atabalhoada?

Recentes entrevistas concedidas pelo magistrado deixam transparecer seu afastamento da posição neutra esperada e exigida de magistrados. Em uma dessas ocasiões Flávio disse, sem não antes declarar-se isento e imparcial, que em breve, no interrogatório, entrará na personalidade de Eike, irá a fundo em sua essência; esmiuçará sua alma pedaço por pedaço. Como se a função de magistrado exigisse isso (se ele apenas julgasse adequadamente os fatos já estaria muito bom…).

Na sequência vem a tona o uso pelo magistrado de veículo que ele próprio determinou a apreensão, além de nomear como depositários de bens de Eike seus amigos e vizinhos.

No mínimo o que se observa com tais condutas é algo comum, ainda que muitas instituições não tratem do assunto: o afastamento daquele que exerce função pública dos limites estreitos de suas funções para a assunção de uma posição de justiceiro, vingador ou algo que o valha.

Numa leitura ‘poliana’ desses fatos – e ficarei apenas com ela – o magistrado, indignado com a falta de efetividade do bloqueio de 2 bilhões do patrimônio de Eike, assume uma posição de justiceiro. Afasta-se das regras do direito. Deixa de observar os limites impostos ao exercício de sua função e, a pretexto de fazer justiça caminha, ele próprio, para a ilegalidade.
Quem opera na justiça não pode jamais perder de vista que justiça é aplicação do direito. E direito são normas que devem ser seguidas inclusive e principalmente por quem as aplica.

Prefiro o Delegado, o Magistrado e o Promotor cumpridor de regras; formalista como dizem os críticos. Nestes poderemos ver justiça sem efetividade – e a culpa a eles não poderá ser tributada -, mas não se verá torturas, ritos processuais subtraídos, formalidades não observadas nem operadores do direito namorando com a marginalidade.

No final, tenho medo do juiz justo. Gosto mesmo do cumpridor de regras preestabelecidas por quem possui competência para fazê-lo.

*Carlos Vinícius Alves Ribeiro, Promotor de Justiça, Membro do Conselho Nacional do Ministério Público, Mestre e Doutorando em Direito do Estado pela USP, Professor de Direito Administrativo e Urbanístico.