Benefício Realengo com taxímetro

Acorda-se de manhã e, depois do banho, caminha-se até o ponto de ônibus, tomando-o para chegar ao trabalho onde, logo na entrada, bate-se o dedo no interruptor de luz e, voilà, o ambiente está iluminado.

Por mais que o costume não permita que o olhar desatento perceba, nas mais rotineiras atividades diárias há a presença da administração pública.

Seja captando, armazenando e distribuindo água, seja gerando, transmitindo e distribuindo energia, seja gerindo o transporte público.

A relevância de uma atividade – água, energia, transporte público – é um dos elementos fundamentais para definir se uma atividade será tida ou não como serviço público e, portanto, passará a ser titularizada pelo Estado-Administração, que a garantirá a toda gente seja por meio de prestações diretamente estatais, seja delegando-as, por prazos determinados, à particulares.

Outras atividades, ainda que não possuam a relevância capaz de fazer com que a administração pública delas se assenhore, em virtude do interesse coletivo, sofrem forte regulação estatal. O exemplo mais corriqueiro é a atividade de taxi, que não chega a ser serviço público, mas é uma atividade de interesse público que, para ser exercida, necessita de permissão estatal.

Nas atividades permitidas pela administração, dois elementos são fundamentais: a temporalidade e a pessoalidade.

Isso quer dizer que quando o município – no caso da atividade de taxista – permite que uma pessoa desempenhe aquela atividade, ele o fez em virtude de seus predicados pessoais – pessoalidade –, não podendo o permissionário ceder, transmitir ou alienar essa permissão a outro que não os escolhidos pelo próprio município.

Tocante à temporalidade, ela é tão marcante na permissão que sequer fixa-se um prazo inicial de validade do título, já que a qualquer tempo poderá o município revoga-lo se o interesse público assim demandar. É, pois, pela natureza, um título precário.
 
Inacreditavelmente essa semana a Câmara Municipal de Goiânia recebeu o projeto de lei que regula a atividade de taxista em nossa Capital.

O projeto prevê que a permissão para exercer essa atividade será transmitida hereditariamente e, inclusive, poderá ser comercializada.

Se aprovada, a lei poderá servir para mais um capítulo do clássico “Os donos do poder”, de Faoro. Será um benefício tipicamente realengo em pleno século XXI.

O presidente da Associação dos Permissionários de Taxi de Goiânia disse na imprensa que, com a nova lei, finalmente a atividade de taxista passará a ser uma profissão; completo: e que profissão!!! Ao contrário do médico, do advogado, do engenheiro, o pai taxista transmitirá infinitamente seu título profissional aos herdeiros..

*Carlos Vinícius Alves Ribeiro, mestre e doutorando em Direito de Estado pela USP, Professor de Direito Administrativo e Urbanístico, Promotor de Justiça