A possível falência da recuperação judicial

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    A Lei número 11.101/05 – Lei de Falências e Recuperação de Empresas -, ao longo de seus 13 (treze) anos de vigência, proporcionou aos Tribunais de Justiça Regionais a possibilidade de interpretações as mais diversas possíveis sobre o seu inteiro teor. Entretanto, sendo o Egrégio Superior Tribunal de Justiça a última instância para conhecer e julgar questões onde está envolvida a citada Lei (questões infraconstitucionais), a ele coube dar a interpretação final em  questões  de alta relevância e divergentes até então nos Tribunais, e o fez com muita propriedade e maturidade. Especialmente as Terceira e Quarta Turmas e a 2ª Seção que é composta por estas Turmas, que por decorrências regimentais do próprio STJ tem a competência para conhecer e julgar as demandas que tem por fundo as questões que envolvem Falências e Recuperação de Empresas.

    Fôssemos citar somente as decisões mais importantes, isto, por si só, demandaria a ocupação deste espaço e outros tantos. Porém, uma somente, mas de suma importância, é que traremos hoje para os nossos estudos, a qual, após diversos julgamentos alcançou a unanimidade do STJ. Não só isto nos motiva a trazer à baila a presente questão, mas um motivo altamente nocivo a tal interpretação está em andamento, e se ele vingar, pode jogar por terra todo este grande trabalho efetuado pelo STJ. Estamos nos referindo às decisões do STJ extraídas de diversos Conflitos de Competência que lhe foram submetidos a julgamento, tendo como protagonistas, necessariamente, de um lado, o juízo que preside a recuperação judicial, e de outro, ou o juízo trabalhista ou o juízo de executivos fiscais. Por óbvio, todos os citados juízos reivindicavam para si a competência para presidir tais feitos, o que significa ter o poder de determinar que os bens sejam penhorados, arrestados, objetos de busca e apreensão e qualquer outro tipo de constrição.

    Decorrentemente dos mencionados Conflitos de  Competência, surgiram diversas decisões, cujo resultado final das citadas Turmas e Seção do STJ, será sempre favorável à competência do juízo da recuperação judicial,  cujas principais são estas: 1º: Enunciado número 11 das Jurisprudências em Tese do STJ – Edição número 35, Recuperação Judicial I, “11) A competência para promover os atos de execução do patrimônio da empresa recuperanda é do juízo em que se processa a recuperação judicial, evitando-se, assim, que medidas expropriatórias prejudiquem o cumprimento do plano de soerguimento”; da mesma Edição número 35, Recuperação Judicial I,  anotamos como 2º o enunciado de número 16:  “A Segunda Seção do STJ é competente para julgar conflitos de competência originados em recuperação judicial, envolvendo execuções fiscais movidas contra empresários e sociedades empresárias, a teor do art. 9º, § 2º, IX, do RISTJ”. Enumeramos como 3º o Enunciado de número 7, este integrante da outra Edição das Jurisprudências em Tese do STJ, a de número 37, Recuperação Judicial II: 7) O deferimento da recuperação judicial não suspende a execução fiscal, mas os atos que importem em constrição ou alienação do patrimônio da recuperanda devem se submeter ao juízo universal” (grifamos).

    Por fim, recentemente o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, frente a tantos Conflitos de Competência da mesma natureza, afetou os Recursos Especiais de n. 1.694.261/SP, 1.694.316/SP e 1.712.484/SP para fins de delimitaram a matéria de mérito a ser apreciada sob o rito repetitivo, qual seja, a “possibilidade da prática de atos constritivos, em face de empresa em recuperação judicial, em sede de execução fiscal”.

    O que nos deixa atônitos é que após tantos anos de construção e assentamento de jurisprudência sobre de quem é a competência para a prática de constrições sobre bens de empresa em recuperação judicial, vem o legislador, em obediência à apresentação do Projeto de Lei número 10.220/2018, de maio deste ano, de origem no Executivo Federal, apreciar proposição que, se aprovada, derrubará por inteiro tais construções jurisprudenciais, e dará às Fazendas Públicas poderes até então inimagináveis, cujo resultado final contribuirá para a falência do empresário ou da sociedade empresária. Do citado Projeto de Lei de número 10.220/2018, extraímos o Parágrafo Sétimo do Artigo 6º,  que tem, a nosso ver, esta infeliz redação: “§ 7º O ajuizamento da recuperação judicial, ressalvada a suspensão de exigibilidade nos termos da legislação de regência, não suspende o curso das execuções fiscais, inclusive do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço-FGTS, as quais prosseguirão normalmente, permitida a constrição e a alienação de bens e direitos no juízo que as processa, hipótese em que não competirá ao juízo da recuperação judicial avaliá-las.” (Grifamos).

    Ora, aqui nesta redação permite-se a constrição de qualquer bem de quem encontra-se em recuperação judicial, a sua respectiva alienação pelo juízo dos executivos fiscais, em seus três níveis, e retira expressamente a competência do juízo da recuperação judicial para qualquer ato sobre a questão. Isto é simplesmente um absurdo! Se hoje, frente à inexistência de tais previsões, a situação dos recuperandos já é por demais complicada, imagina-se conferindo tais poderes às três esferas das Fazendas Públicas. Será, literalmente, a falência da recuperação judicial.

    *Renaldo Limiro é advogado especialista em recuperação judicial no escritório Limiro Advogados Associados S/S. Autor das obras A Recuperação Judicial Comentada Artigo por Artigo, Ed. Delrey; Recuperação Judicial, a Nova Lei…, AB Editora; e, Manual do Supersimples, com Alexandre Limiro, Editora Juruá. É membro da ACAD – Academia Goiana de Direito e atual vice-presidente da Acieg. Mantém o site www.recuperacaojudiciallimiro.com.br