Juízo Arbitral x Juízo Universal da recuperação judicial: competência

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    Em nossos estudos sobre a Lei número 11.101/05 – Lei de Falências e Recuperação de Empresas -, mais específicos sobre a Recuperação Judicial de Empresas, temos utilizado este espaço, muitas vezes, para tratarmos de Conflitos de Competência, em sua grande maioria entre o juízo universal da Recuperação Judicial e o juízo da Justiça Trabalhista ou o juízo das Fazendas Públicas (Federal, Estadual e Municipal). Na sua totalidade,  estudamos sempre Conflitos Positivos de Competência, cuja competência para seu conhecimento e julgamento é do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, STJ, o qual, invariavelmente, tem decidido que, na hipótese de constrição ou qualquer repercussão sobre bens da recuperanda, competente é sempre o juízo universal da RJ.

    Hoje, todavia, apesar de tratarmos também sobre  competência, temos, de um lado o mesmo juízo universal da RJ e de outro,  o juízo arbitral, cuja decisão do Superior Tribunal de Justiça consta do  AgInt no CC 153.498/RJ, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 23/05/2018, DJe 14/06/2018. Surgem, naturalmente, alguns questionamentos, como por exemplo, se o juízo arbitral tem jurisdição? Da mesma forma, poder-se-á também indagar, na hipótese de o juízo arbitral ser competente para conhecer e julgar a questão que lhe foi submetida, se ele será também o competente para determinar atos de constrição ou de qualquer repercussão sobre os bens da recuperanda? A questão é profunda e altamente interessante, e vamos deixar que o eminente Ministro Moura Ribeiro, Relator na questão, nos dê as respostas buscadas, transcrevendo na íntegra a sua ementa a seguir:

    “AGRAVO INTERNO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. ARBITRAGEM. NATUREZA JURISDICIONAL. JURISDIÇÃO ESTATAL (JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL) E JURISDIÇÃO ARBITRAL.

    DETERMINAÇÃO ARBITRAL DE CARÁTER PROVISÓRIO PARA EMISSÃO DE GARANTIA BANCÁRIA. REPERCUSSÃO NO PATRIMÔNIO DA RECUPERANDA. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO UNIVERSAL. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Aplicabilidade do NCPC neste julgamento conforme o Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.

    1. A questão jurídica a ser dirimida está em definir a competência para determinar a emissão de carta de fiança bancária por empresa em recuperação judicial para garantia de dívida em discussão no juízo arbitral. 3. A jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que é possível, diante da conclusão de que a atividade arbitral tem natureza jurisdicional, que exista conflito de competência entre Juízo arbitral e órgão do Poder Judiciário, cabendo ao Superior Tribunal de Justiça seu julgamento. 4. O conflito positivo de competência ocorre não apenas quando dois ou mais Juízos se declaram competentes para o julgamento da mesma causa, mas também quando proferem decisões excludentes entre si acerca do mesmo objeto. Na hipótese dos autos, os Juízos suscitados proferiram decisões incompatíveis entre si, pois, enquanto o Juízo arbitral determinou a apresentação de garantia bancária pela empresa recuperanda, o Juízo da recuperação se manifestou no sentido de que qualquer ato constritivo ao patrimônio da recuperanda deverá ser a ele submetido. 5. Segundo a regra da Kompetenz-Kompetenz, o próprio árbitro é quem decide, com prioridade ao juiz togado, a respeito de sua competência para avaliar a existência, validade ou eficácia do contrato que contém a cláusula compromissória (art. 485 do NCPC, art. 8º, parágrafo único, e art. 20 da Lei nº 9.307/9). 6. No caso sob análise não há discussão sobre a interpretação do contrato e da convenção de arbitragem que embasaram o procedimento, limitando-se a quaestio juris a definir qual é o juízo competente para deliberar sobre prestação de garantia passível de atingir o patrimônio da empresa recuperanda. 7. Segundo precedentes desta Corte Superior, as ações ilíquidas tramitarão regularmente nos demais juízos, inclusive nos Tribunais Arbitrais. Contudo, não será possível nenhum ato de constrição ao patrimônio da empresa em recuperação.
    2. Agravo interno não provido”. (grifamos) 

    Observamos na ementa que o STJ entendeu que a atividade arbitral tem natureza jurisdicional, e daí, ser ele competente para conhecer e julgar este conflito, e que  a questão jurídica a ser dirimida está em definir a competência para determinar a emissão de carta de fiança bancária por empresa em recuperação judicial para garantia de dívida em discussão no juízo arbitral, onde, anteriormente, se havia firmado convenção com cláusula compromissória. Ora, passadas todas as discussões, mais uma vez decidido ficou que, nada obstante os trâmites da questão (ação ilíquida)  deveriam se desenrolar junto ao juízo arbitral, a este não seria possível nenhum ato de constrição ao patrimônio da empresa recuperanda, já que tal competência é exclusiva do juízo da Recuperação Judicial, especialmente, como bem frisou o ilustre  Ministro, com base no princípio da conservação da empresa. 

    *Renaldo Limiro é advogado especialista em recuperação judicial no escritório Limiro Advogados Associados S/S. Autor das obras A Recuperação Judicial Comentada Artigo por Artigo, Ed. Delrey; Recuperação Judicial, a Nova Lei…, AB Editora; e, Manual do Supersimples, com Alexandre Limiro, Editora Juruá. É membro da ACAD – Academia Goiana de Direito e atual vice-presidente da Acieg. Mantém o site www.recuperacaojudiciallimiro.com.br