Ação que demanda quantia ilíquida na recuperação judicial

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    O Artigo 6º da LFRE, de número 11.101/05, determina que “A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário”. Todavia, apresenta exceções, sendo uma delas a  prevista no Parágrafo Primeiro do mesmo artigo, ou seja, não são suspensas aquelas ações em curso contra o devedor, que demandam quantias ainda não conhecidas, sendo, portanto, ilíquidas, as quais continuam a tramitar em seus juízos de origem e até o exato conhecimento do seu real valor. Trata-se, nesta hipótese, e como exemplo, de ações de indenização em andamento em face do devedor/recuperando, quando este, no pedido de recuperação judicial, recebe o deferimento. Importante destacar que reina certa confusão entre alguns aplicadores do direito sobre a real competência para tais ações, quando as mesmas tem no polo passivo uma sociedade empresária ou um empresário em recuperação judicial.

    Uma questão específica sobre ação em andamento em que se demanda quantia ilíquida foi julgada contra empresa em recuperação judicial  pelo Egrégio Tribunal de Justiça de Goiás, em Conflito Negativo de Competência, quando, seguindo a orientação do parágrafo sob estudos, o nobre Desembargador Relator, Dr. Fausto Moreira Diniz, da 2a Seção Cível, determinou que nessa hipótese não há a atração do juízo de vis atractiva, conforme ementa a seguir transcrita:

    “CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO ORDINÁRIA PROPOSTA CONTRA EMPRESA RÉ EM PROCESSO DE RECUPERAÇÃO. AÇÃO QUE DEMANDA QUANTIA ILÍQUIDA. JUÍZO COMPETENTE. NÃO ATRAÇÃO DO JUÍZO DE VIS ATRACTIVA. PROCEDÊNCIA RECONHECIDA. RESTITUIÇÃO DOS AUTOS AO JUÍZO SUSCITADO. Tratando-se, in casu, de ação declaratória de inexistência de débito e de nulidade de título executivo extrajudicial, cumulada com pedido de indenização, em que se postula quantia ilíquida, inaplicável o princípio da universalidade do juízo falimentar e de recuperação judicial. Inteligência do § 1º do artigo 6º da Lei nº 11.101/2005. JUÍZO DE CONFLITO NEGATIVO PROCEDENTE. (TJGO, CONFLITO DE COMPETENCIA 389560-97.2013.8.09.0000, Rel. DES. FAUSTO MOREIRA DINIZ, 2a SEÇÃO CÍVEL, julgado em 09/12/2013, DJe 1449 de 17/12/2013).” (grifamos)

    Outro exemplo também do Egrégio Tribunal de Justiça de Goiás, desta feita tendo como Relator o ilustre Desembargador Jeová Sardinha de Moraes, 6a Câmara Cível, é quanto à questão onde se discute se um crédito pertence a uma ou a outra classificação, e por isto, segundo o nobre Desembargador, não tinha a administradora judicial cumprido com o seu dever de incluí-lo no plano de recuperação judicial, o que, para ele, não libera o interessado de não incluir ou habilitar o respectivo crédito. Conforme a brilhante construção de seu pensamento, cuja Ementa, na íntegra, transcrevemos abaixo, assim decidiu o nobre Desembargador Jeová Sardinha de Moraes:

    AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CRÉDITO BANCÁRIO QUIROGRAFÁRIO. DISCUSSÃO JUDICIAL. HABILITAÇÃO. 1. O crédito do agravante, observada a inexistência de garantia fiduciária, está sujeito à recuperação judicial, motivo pelo qual deveria ter constado do plano de recuperação formulado pela Sra. Administradora. 2. A existência de debate jurídico acerca do contrato bancário entabulado não retira do agravante a possibilidade de inclusão do respectivo crédito no plano de recuperação, conforme estabelece o artigo 6º, § 1º, da Lei nº 11.101/2005. AGRAVO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJGO, AGRAVO DE INSTRUMENTO 55582-13.2010.8.09.0000, Rel. DES. JEOVA SARDINHA DE MORAES, 6a CÂMARA CÍVEL, julgado em 02/04/2013, DJe 1278 de 09/04/2013).

    Estas decisões dos nobres Desembargadores do Egrégio Tribunal de Justiça de Goiás estão também em conformidade com o pensamento e a jurisprudência hoje uniformizada do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que nos seus diversos julgamentos sobre as questões das demandas ilíquidas tem decidido no mesmo sentido, conforme ementa abaixo transcrita, no REsp 1447918/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 07/04/2016, DJe 16/05/2016.

    “RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. DISCUSSÃO SOBRE INCLUSÃO DE CRÉDITO EM PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. “DEMANDA ILÍQUIDA”. APLICAÇÃO DO § 1º DO ART. 6º DA LEI N. 11.101/2005. CRÉDITO REFERENTE À AÇÃO INDENIZATÓRIA. OBRIGAÇÃO EXISTENTE ANTES DO PEDIDO DE SOERGUIMENTO. INCLUSÃO NO PLANO DE RECUPERAÇÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 59 DA LEI N. 11.101/2005. RECURSO PROVIDO. 1. Não há falar em violação ao art. 535 do Código de Processo Civil, pois o eg. Tribunal a quo dirimiu as questões pertinentes ao litígio, afigurando-se dispensável que venha a examinar uma a uma as alegações e os argumentos expendidos pelas partes. Ademais, não se configura omissão quando o julgador adota fundamento diverso daquele invocado nas razões recursais. 2. No caso, verifica-se que a controvérsia principal está em definir se o crédito decorrente de sentença condenatória, proferida em autos de ação indenizatória ajuizada antes do pedido de soerguimento, submete-se, ou não, aos efeitos da recuperação judicial em curso. 3. A ação na qual se busca indenização por danos morais – caso dos autos – é tida por “demanda ilíquida”, pois cabe ao magistrado avaliar a existência do evento danoso, bem como determinar a extensão e o valor da reparação para o caso concreto. 4. Tratando-se, portanto, de demanda cujos pedidos são ilíquidos, a ação de conhecimento deverá prosseguir perante o juízo na qual foi proposta, após o qual, sendo determinado o valor do crédito, deverá ser habilitado no quadro geral de credores da sociedade em recuperação judicial. Interpretação do § 1º do art. 6º da Lei n. 11.101/2005. 5. Segundo o caput do art. 49 da Lei n. 11.101/2005, estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. 6. A situação dos autos demonstra que o evento danoso, que deu origem ao crédito discutido, bem como a sentença que reconheceu a existência de dano moral indenizável e dimensionou o montante da reparação, ocorreram antes do pedido de recuperação judicial. 7. Na hipótese de crédito decorrente de responsabilidade civil, oriundo de fato preexistente ao momento da recuperação judicial, é necessária a sua habilitação e inclusão no plano de recuperação da sociedade devedora. 8. Recurso especial provido” (grifamos).

    Nada obstante a existência de alguma diversidade de pensamentos dos operadores do direito sobre qual é o juiz competente para se discutir o mérito de ações que demandam quantia ilíquida contra uma sociedade empresária ou um  empresário que se encontra em recuperação judicial, observamos que o Egrégio Tribunal de Justiça de Goiás, assim como o Superior Tribunal de Justiça, não deixam, em suas decisões, a mínima dúvida de que o juízo competente para tais ações é o comum, onde corre o feito ilíquido, e não o da recuperação judicial, cuja universalidade tem também as suas limitações.

    *Renaldo Limiro é advogado especialista em recuperação judicial no escritório Limiro Advogados Associados S/S. Autor das obras A Recuperação Judicial Comentada Artigo por Artigo, Ed. Delrey; Recuperação Judicial, a Nova Lei…, AB Editora; e, Manual do Supersimples, com Alexandre Limiro, Editora Juruá. É membro da ACAD – Academia Goiana de Direito e atual vice-presidente da Acieg. Mantém o site www.recuperacaojudiciallimiro.com.br