A interpretação da lei na recuperação judicial

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    A LFRE, de número 11.101/05, em seu artigo 6º, determina que o deferimento do processamento da recuperação judicial suspenda, além da prescrição, todas as ações e execuções contra o devedor/recuperando, visando mesmo a dar estabilidade ao Impetrante, mantendo na sua posse todos os bens que podem ser alvo de constrições, para os fins de que o mesmo, dentro do prazo legal, possa, com a relativa tranquilidade que lhe assegura a Lei, confeccionar o seu Plano de Recuperação Judicial, apresentá-lo à Assembleia Geral dos Credores e ter a sua aprovação. Este citado artigo 6º não determina, entretanto, o prazo desta suspensão, deixando esta responsabilidade para as disposições do seu “§ 4o que, Na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput deste artigo em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial”. (grifamos).

    Tampouco, o termo inicial destas suspensões das ações e execuções fica claro no artigo 6º, tendo mesmo muitos impetrantes efetuado requerimentos quando da impetração que tal se desse a partir da data do ajuizamento do pedido de recuperação judicial. Por quê este requerimento do impetrante solicitando que tal suspensões se desse na data do respectivo ajuizamento? Ora, por óbvio, quer ele segurança para que os seus bens permaneçam com ele e sem constrições, o que lhe dá mais tranquilidade no decorrer do processo para os fins de se confeccionar e aprovar o plano de recuperação judicial e para o seu total cumprimento.  De seu lado, chamado a pronunciar-se sobre tal questão, na sua grande responsabilidade de interpretar as normas infraconstitucionais, o Superior Tribunal de Justiça se manifestou sobre a questão, eliminando qualquer dúvida sobre o termo inicial da suspensão das ações e execuções contra o recuperando. Em Ementa de lavra do eminente Ministro Raul Araújo, nos EDcl nos EDcl nos EDcl no AgRg no CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 105.345 – DF (2009⁄00990449), em uma interpretação que classificou como sistemática e afirmando serem ex nunc os feitos de despacho deferitório da RJ, assim se posicionou, entre outros utilíssimos pensamentos:

    “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. OBSCURIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 49 DA LFR (LEI11.101⁄2005). SUSPENSÃO DAS AÇÕES E EXECUÇÕES CONTRA O DEVEDOR. TERMO INICIAL. DEFERIMENTO DO

    PROCESSAMENTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DECISÃO COM EFEITOS “EX NUNC”. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS”.

    Surge, entretanto, uma indagação quanto ao tempo das suspensões das ações e execuções, ou seja: se passados os 180 (cento e oitenta) dias previstos no parágrafo 4º do Artigo 6º e o plano de recuperação judicial não tiver sido ainda aprovado (e isto é muito comum), devem, efetivamente, ter prosseguimento qualquer ação ou execução contra o Impetrante, até então suspensas? Aliás, este mencionado parágrafo 4º assim o diz:  “restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial”. (grifamos). Ora, antes da resposta, salta-nos aos olhos que se for para se obedecer estas últimas disposições acima transcritas, o impetrante jamais se recuperará, vez que as constrições feitas ou a serem feitas, e com suas consequências, com certeza, vai macular o curso do cumprimento do que se tiver previsto no plano de recuperação judicial.

    Mais uma vez, o Egrégio STJ é chamado a dar um direcionamento lógico à questão, em conformidade com a sua interpretação. E desta vez o STJ, como sempre, deu os rumos que deve seguir uma recuperação judicial na hipótese posta sob estudos, tendo emitido seu pensamento no Enunciado de número 6 (seis) de sua Jurisprudência Em Tese, Edição n. 35, Recuperação Judicial I. Este entendimento, conforme se demonstra abaixo, foi tomado com base em diversas decisões das Terceira e Quarta Turmas do STJ, além de decisões monocráticas e da Segunda Secção: “6) O simples decurso do prazo legal de 180 dias de que trata o art. 6º , § 4º, da :ei 11.101/05, não enseja a retomada automática das execuções individuais” (grifamos. Acórdãos:AgRg no CC 127629/MT, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA SEÇÃO,Julgado em 23/04/2014,DJE 25/04/2014;  RCD no CC 131894/SP,Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, Julgado em 26/02/2014, DJE 31/03/2014;  AgRg no CC 125893/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, Julgado em 13/03/2013, DJE 15/03/2013;  AgRg nos EDcl no Ag 1216456/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, Julgado em 12/03/2013,DJE 21/03/2013;  AgRg no CC 119624/GO, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, Julgado em 13/06/2012, DJE 18/06/2012; AgRg no CC 104500/SP, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), SEGUNDA SEÇÃO, Julgado em 27/04/2011, DJE 02/06/2011;  CC 112390/PA, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, SEGUNDA SEÇÃO, Julgado em 23/03/2011,DJE 04/04/2011. Decisões Monocráticas:  CC 137051/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, Julgado em 27/04/2015, Publicado em 08/05/2015;
    AREsp 638727/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, Julgado em 12/03/2015, Publicado em 16/03/2015; CC 132807/SC, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, SEGUNDA SEÇÃO,Julgado em 16/04/2015,Publicado em 05/05/2015.

    O Superior Tribunal de Justiça, portanto, com suas interpretações em suas diversas formas, nos mostra que, nada obstante a Lei tenha, em princípio, um direcionamento para determinada questão, o mesmo, nem sempre se concretiza ao final, vez que o pensamento do legislador pode, como vimos, não ser idêntico ao dos intérpretes que, no final, sim, são os que dizem a Lei.

    *Renaldo Limiro é advogado especialista em recuperação judicial no escritório Limiro Advogados Associados S/S. Autor das obras A Recuperação Judicial Comentada Artigo por Artigo, Ed. Delrey; Recuperação Judicial, a Nova Lei…, AB Editora; e, Manual do Supersimples, com Alexandre Limiro, Editora Juruá. É membro da ACAD – Academia Goiana de Direito e atual vice-presidente da Acieg. Mantém o site www.recuperacaojudiciallimiro.com.br