Limites dos poderes da Assembleia Geral de Credores na recuperação judicial

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    Dentre os diversos órgãos da recuperação judicial, todos muito importantes, queremos destacar nestes estudos de hoje a Assembleia Geral de Credores, cuja importância fundamental para decidir os rumos de uma recuperanda, às vezes, tem sido motivo de polêmica, discórdia, e até mesmo de decisões completamente diferentes entre os julgadores. Este órgão da recuperação judicial está previsto a partir do artigo 35 da Lei 11.101/05 e tem, dentre as suas atribuições, a difícil e árdua missão de deliberar sobre a aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor (alínea a).

    No exercício de suas atribuições, em decorrência mesmo de suas deliberações, estas tem sido alvos de diversas interpretações, e os Tribunais de Justiça de nosso país tem sido acionados para se dar a tais decisões aquilo que o julgador realmente visou ao confeccionar a legislação, isto é,  criar este órgão e definir  as suas atribuições. Aliás, em diversos julgados encontra-se certa intromissão do Judiciário tentando dizer o que a assembleia geral de credores deve ou não fazer, nada obstante a clareza da Lei ao dizer que suas atribuições na recuperação judicial, dentre outras, consistem em aprovar, rejeitar ou modificar o plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor.

    Assim é que, em nossos estudos de hoje, trazemos à consideração uma ementa de um Recurso Especial, o de número  1631762/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/06/2018, DJe 25/06/2018, onde o STJ chama para si a responsabilidade, contraria o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, e diz, como último grau para se conhecer e julgar questões atinentes, a real missão da AGC, dita pelo legislador na Lei 11.101/05. Observemos o inteiro teor da citada ementa:

    “RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES. APROVAÇÃO DO PLANO. CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS.

    CONCESSÃO DE PRAZOS E DESCONTOS. POSSIBILIDADE. 1. Recuperação judicial requerida em 4/4/2011. Recurso especial interposto em 31/7/2015. 2. O propósito recursal é verificar se o plano de recuperação judicial apresentado pelas recorrentes – aprovado pela assembleia geral de credores e homologado pelo juízo de primeiro grau – apresenta ilegalidade passível de ensejar a decretação de sua nulidade e, consequentemente, autorizar a convolação do processo de soerguimento em falência. 3. O plano de recuperação judicial, aprovado em assembleia pela vontade dos credores nos termos exigidos pela legislação de regência, possui índole marcadamente contratual. Como corolário, ao juízo competente não é dado imiscuir-se nas especificidades do conteúdo econômico do acordo estipulado entre devedor e credores.

    1. Para a validade das deliberações tomadas em assembleia acerca do plano de soerguimento apresentado, o que se exige é que todas as classes de credores aprovem a proposta enviada, observados os quóruns fixados nos incisos do art. 45 da LFRE. 5. A concessão de prazos e descontos para pagamento dos créditos novados insere-se dentre as tratativas negociais passíveis de deliberação pelo devedor e pelos credores quando da discussão assemblear sobre o plano de recuperação apresentado, respeitado o disposto no art. 54 da LFRE quanto aos créditos trabalhistas. 6. Cuidando-se de hipótese em que houve a aprovação do plano pela assembleia de credores e não tendo sido apontadas, no acórdão recorrido, quaisquer ilegalidades decorrentes da inobservância de disposições específicas da LFRE (sobretudo quanto às regras dos arts. 45 e 54), deve ser acolhida a pretensão recursal das empresas recuperandas. 7. Recurso especial provido”. (grifamos).

    Tornando suas assertivas mais claras, a digna Ministra Relatora observa em seu voto que: “Depreende-se da leitura do acórdão recorrido, integrado pelo aresto que apreciou os subsequentes embargos declaratórios, que o TJ/SP adotou como fundamentos para decretar a nulidade da deliberação assemblear que aprovou o plano de recuperação das recorrentes, tão somente, a previsão de deságios e prazos de pagamento para determinados créditos (70% de deságio e 20 anos para pagamento), que foram considerados excessivos pelos julgadores. Todavia, as bases econômico-financeiras sobre as quais se assenta o acordo alcançado pela negociação levada a efeito entre as sociedades recuperandas e seus credores não estão compreendidas entre as matérias sobre as quais, em regra, é permitido controle judicial. Isso porque, consoante entendimento assente nesta Corte Superior, quando se trata da aprovação do plano recuperacional, a assembleia de credores é soberana em suas decisões, sendo certo que, uma vez cumpridas as exigências legais acerca da matéria, a concessão do benefício pleiteado é medida impositiva, decorrente do disposto no art. 58, caput, da LFRE. Nesse sentido: REsp 1.359.311/SP, 4ª Turma, Dje 30/09/2014; e Resp 1.314.209/SP, 3ª Turma, DJe 01/06/2012. Sobreleva destacar que, segundo a norma precitada, o deferimento da recuperação judicial depende apenas de o plano de soerguimento ser aprovado em assembleia geral com a observância dos quóruns estipulados pelo art. 45 da LFRE, inexistindo determinação legal, exceto quanto aos credores trabalhistas (art. 54), que imponha a observância de limites quanto aos prazos de pagamentos ou aos descontos concedidos.” (…) (grifamos).

    Ora, se credores e devedor decidiram em AGC que o deságio é de 70% e que o prazo para o cumprimento da RJ é de 20 (vinte) anos, não tem o Judiciário que se intrometer e “achar” que houve exagero tanto em um como em outro, pois, recordando o que disse o legislador, a atribuição da AGC, dentre outras, na RJ,  é deliberar sobre aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor. Ademais, como ressaltou a eminente Ministra Relatora, o plano de recuperação aprovado em assembleia pela vontade dos credores nos termos da legislação de regência, possui índole marcadamente contratual.

    Os limites dos poderes da AGC numa RJ são, portanto, os previstos na lei de regência, sendo ela, assim,  absolutamente autônoma e independente.

    *Renaldo Limiro é advogado especialista em recuperação judicial no escritório Limiro Advogados Associados S/S. Autor das obras A Recuperação Judicial Comentada Artigo por Artigo, Ed. Delrey; Recuperação Judicial, a Nova Lei…, AB Editora; e, Manual do Supersimples, com Alexandre Limiro, Editora Juruá. É membro da ACAD – Academia Goiana de Direito e atual vice-presidente da Acieg. Mantém o site www.recuperacaojudiciallimiro.com.br