SENAR – é legítima sua cobrança sobre a receita bruta? STF nos dirá!

*Leonardo Scopel Macchione de Paula

Está marcado para o próximo dia 12/05 o julgamento sobre a legalidade, ou não, da cobrança de 0,2%, à título de SENAR, sobre a receita bruta obtida pelo produtor rural pessoa física, quando da comercialização de seu produto.

Trata-se do tema n° 801 , onde o STF reconheceu a existência de repercussão geral e, portanto, seu resultado deverá ser aplicado a todos os casos semelhantes.

Na origem do processo, o produtor rural pleiteia para que seja declarado a inconstitucionalidade de referida cobrança, bem como, em consequência, a restituição dos valores pagos indevidamente nos últimos anos, acrescido de juros de 1% e correção monetária pela taxa “Selic”.

Assim, iremos demonstrar neste artigo, de forma bem objetiva, quais os argumentos favoráveis ao produtor rural pessoa física e, ademais, se declarado a inconstitucionalidade de referida contribuição, quais serão as consequências na prática.

DOS FUNDAMENTOS FAVORÁVEIS AO PRODUTOR RURAL PESSOA FÍSICA

Dentre os argumentos favoráveis ao produtor rural, destacamos 02, a saber: (i) violação ao texto constitucional e (ii) violação ao princípio da isonomia.

Vamos ao primeiro.

O art. 62 do ADCT prescreve, claramente, que: “a lei criará o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) nos moldes da legislação relativa ao Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e ao Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio (SENAC), sem prejuízo das atribuições dos órgãos públicos que atuam na área”.

Portanto, fica claro que o SENAR tem previsão Constitucional e, não bastasse, o constituinte fez mais: a lei infraconstitucional deverá, ao criá-lo, observar a legislação relativa ao SENAC e SENAI, dos quais fazem parte do Sistema “S”.

E, como se sabe, o fundamento constitucional do Sistema “S” é o art. 240, do qual dispõe: “ficam ressalvadas do disposto no art. 195 as atuais contribuições compulsórias dos empregadores sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical”.

Referido artigo, que trata do Sistema “S” e, consequentemente, do SENAR, é muito claro: referidas contribuições devem incidir sobre a FOLHA DE SALÁRIO, ponto.
Se é sobre a folha de salário, é sobre ela, folha de salário, que a contribuição ao SENAR deve incidir, e não sobre a receita bruta da comercialização! É evidente que sobre a folha o valor a ser recolhido, na maioria das vezes, é MUITO menor.

E mais, mesmo que não houvesse previsão neste sentido, fundamento algum existiria para cobrá-la sobre a comercialização. Isso porque a base de cálculo de qualquer contribuição deve ser vinculada a sua finalidade, tendo em vista que o valor cobrado deve ser inteiramente utilizado na finalidade perseguida.

E qual é a finalidade do SENAR? De um modo amplo, qualificar o trabalhador rural.

Dito isso, pergunta-se: qual é a correlação entre o valor obtido pelo produtor rural com a venda de suas commodities com a qualificação do empregado rural, senão, nenhuma?! Diferente é em relação ao pagamento sobre a folha de salário, da qual tem um vínculo direto com a finalidade da contribuição ao SENAR.

Basta imaginarmos a seguinte situação: o fato de eu auferir ‘x’ ou ‘y’ quando da comercialização de meus produtos, aumenta os custos do SENAR? Se não aumenta, não pode ser cobrado de referida base de cálculo. Diferente é se o produtor tiver mais empregados rurais, pois, aí sim, o SENAR terá um maior custo, eis que maiores serão os trabalhadores submetidos a qualificação.

Portanto, independentemente da ótica pela qual se observe, fato é que o SENAR cobrado do empregador rural pessoa física sobre a comercialização é inconstitucional.

E os argumentos de sua inconstitucionalidade não param por aí.

Fica mais do que claro que a cobrança do SENAR viola frontalmente o princípio da isonomia tributária, tão caro em nossa Constituição, que, em um conceito amplo, significa: “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades” .

Em outras linhas significa que o contribuinte somente poderá ser tratado de forma diferente, se houver razões para tratá-lo diferente!

E qual ou quais as razões para tratar o empregador rural pessoa física de forma diferente do empregador urbano pessoa física? Porque a contribuição ao SENAI e ao SENAC, por exemplo, incidem sobre a folha de salário e a contribuição do SENAR incide sobre a comercialização? Todos não fazem parte do Sistema “S”?

O custo para com o empregado rural é maior que o custo para com o empregado urbano? Há mais empregados rurais do que empregados urbanos? Ao que tudo indica, não! E se não, não há motivos para que o empregador rural seja compelido a pagar mais que o empregador urbano, e, ao assim fazer, está havendo um tratamento aos iguais, de forma desigual, violando, portanto, o princípio da isonomia.

CONSEQUÊNCIAS EM EVENTUAL DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO SENAR

Agora, adentremos a questões prática.

Se o julgamento for favorável ao produtor rural pessoa física (o que esperamos que aconteça), o que muda?

Primeiro, o produtor não mais será compelido a recolher referida contribuição sobre a comercialização no percentual de 0,2%, sobre vendas futuras.

Segundo, poderá, a depender do resultado, cobrar os valores pagos nos últimos cinco anos, com direito a juros e correção. Mas registra-se: mesmo que seja declarado a inconstitucionalidade do SENAR, impedindo a cobrança futura, o STF poderá modular os efeitos da decisão, impedindo, por exemplo, a cobrança retroativa.

Lembrando também que caso seja possível a cobrança retroativa, tal qual deverá ser pleiteada mediante ação judicial.

Terceiro, poderá o produtor, ao invés de recolher sobre a comercialização, ser obrigado a recolher sobre a folha? Sim, desde que venha uma nova lei e institua referida cobrança.

Portanto, fiquemos atentos e na torcida para que referido julgamento seja, de fato, justo!

*Leonardo Scopel Macchione de Paula é advogado tributarista e professor de Direito Contratual