Reflexões sobre o projeto do novo CPC no II Encontro de Jovens Processualistas em Salvador

Desde que surgiu o Projeto de Lei 8.046/2.010 (Novo Código de Processo Civil), proposto no Senado Federal, ele tem sido objeto de incessantes críticas. As reformas pontuais, que vinham sendo realizadas até então, no código, eram realizadas após sugestões e debates por parte da doutrina. Mas, naquele momento, a doutrina não debatia a criação de um novo código.

Criticou-se muito a forma açodada e antidemocrática de tramitação do projeto no Senado e, posteriormente, na Câmara dos Deputados. Isso, em parte, com razão, haja vista que a comissão de juristas instituída pelo Senado com a missão de elaboração do anteprojeto (em setembro de 2009), já havia concluído e entregue o projeto, em 8 de junho de 2010, o qual foi sumariamente aprovado e remetido à Câmara. Destaco que a elaboração tão célere não se deu pelo exaurimento do debate (o qual praticamente inexistiu naquela fase) e, sim, por vontade política, a qual, ignorando o tempo necessário de debate e amadurecimento de um projeto dessa jaez, quis que ele fosse feito a toque de caixa.
    
Na tramitação que ora ocorre na Câmara dos Deputados, igualmente se vê uma extrema celeridade em sua tramitação, inclusive com a votação e aprovação da Parte Geral, no dia 05 deste mês.

Inobstante o exposto acima, devo igualmente destacar o trabalho realizado pelo ex-deputado Sérgio Barradas (PT-BA), que foi durante alguns meses relator do projeto na Câmara, e durante esse período, percorreu vários estados da Federação, para acompanhar debates e ouvir sugestões. No que tange à comissão de juristas que ora está orientando os parlamentares na Câmara, deu e continua a dar grande abertura para sugestões e debates, inclusive acolhendo muitas propostas apresentadas pela crítica.

É inegável que o atual texto do projeto ainda é objeto de críticas indeclináveis, quanto ao seu conteúdo. Questão essa, a meu ver, insuperável. Impossível se alcançar a unanimidade na conclusão de debates sobre questões de grande polêmica e repercussão. Em nosso País, os juristas existem aos milhares, cada qual com sua opinião, e seu posicionamento ideológico.
     
Um grande exemplo da abertura ao debate dada pela comissão de juristas em comento foi o II Encontro de Jovens Processualistas, realizado pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP, nos dias 8 e 9 de novembro de 2013, na Faculdade de Direito de Salvador, sob a coordenação de Fredie Didier Jr. e Cássio Scarpnella Bueno. Tive a honra de poder participar do evento, que foi aberto a todos os operadores do Direito, sem limites de vaga e sem taxa de inscrição.
    
A finalidade do encontro era realizar um debate de forma democrática, gerando ao final enunciados interpretativos e propositivos sobre o projeto do novo CPC, os quais em breve serão divulgados através do que será chamado de “Carta de Salvador”. Para tanto, foram instituídos 15 grupos de trabalho, de subáreas do Direito Processual Civil. No dia 8,  foi realizado um debate interno em cada grupo, em salas separadas, nos quais todos tinham a palavra a qualquer momento para lançar a discussão a proposta de um enunciado, ou questionar o que estivesse em debate.

No dia 9, houve uma plenária, na qual, o representante de cada grupo, deveria expor os enunciados aprovados internamente em seus respectivos grupos. Todos que estavam no auditório – aproximadamente 200 participantes – poderiam a qualquer momento pedir a palavra, e fazer uma objeção. Uma vez objetado de forma fundamentada um enunciado, o mesmo era excluído, para que seja objeto de maiores reflexões até abril de 2014, quando ocorrerá o III Encontro de Jovens Processualistas no Rio de Janeiro, com a finalidade de dar continuidade aos debates.

Participaram inúmeros operadores de direito das mais diversas áreas, advogados, juízes, procuradores da fazenda pública, dentre outros dos mais diversos estados do Brasil. O encontro foi muito profícuo. Apresentou-se na plenária um total de 150 enunciados, dos quais 53 foram aprovados, e serviram como norte para os operadores do direito, quanto à interpretação do código vindouro, obviamente no que vingar, serão relevantes ainda para o Legislativo, o qual ainda poderá realizar importantes alterações no projeto, apontadas nos enunciados propositivos.
     
A maior dificuldade encontrada, foi o fato de que as questões de maior repercussão, com grande relevância, foram igualmente objeto de discussões acaloradas, o que impediu que importantes conclusões aprovadas por maioria durante os debates pudessem ser aprovadas como enunciados – o que exigia a unanimidade.
    
Alguns enunciados elaborados pelo grupo do qual participei – Execução e Cumprimento de Sentença, com temas de grande repercussão, não foram aprovados na plenária, diante de objeções realizadas pelos participantes, como por exemplo: o regime prisional do devedor de alimentos legítimos, que atualmente é fechado, no CPC projetado passará a ser semiaberto, e caso não seja possível a separação dos presos comuns (penais), a prisão será domiciliar, ou seja, essa última será a regra. Meu grupo propôs (de forma não unânime) que fosse mantida a regra atual. Todavia tal tema é sujeito a grandes questionamentos, quanto ao próprio cabimento da prisão, independentemente do regime, em decorrência da atual tendência de desencarceramento. Questões como essa, jamais serão decididas por unanimidade, ou seja, independentemente do que for aprovado do projeto, o que virá, será objeto de crítica, e sem dúvida, bem fundamentadas e pertinentes.
    
A existência de críticas e controvérsias, por si só, não podem ser óbice a aprovação do projeto do novo CPC, sob pena de incorrermos no risco de ficarmos 27 anos debatendo um
O projeto, como se deu com o Código Civil vigente (1.975-2.002). A unanimidade é inalcançável. Todavia, constamos de forma clara, que ainda existem erros grosseiros no projeto, ideias irrefletidas, e posições doutrinárias minoritárias, questões essas que, sim, ser objeto de maiores debates como os que se deram na Bahia.
     
Por fim, devemos relembrar que foram editados no Brasil apenas dois Códigos de Processo Civil (federais): o primeiro em 1939 e o segundo, o atual, em 1973, durante o governo militar de Emílio Garrastazu Médici, um período de exceção, indiferente à sociedade e manejado conforme o poder vigente. Neste período, foi instituída uma severa política de censura aos jornais, revistas, livros, peças de teatro, filmes, músicas e outras formas de expressão artística. Muitos professores, políticos, músicos, artistas e escritores foram investigados, presos, torturados ou exilados do país.     
 
 Inobstante tratemos de conjunturas políticas e sociais totalmente distintas, é inegável, que este CPC, é o primeiro, a ter uma ampla participação da sociedade, o que deve ser aclamado.

Quanto à almejada tutela jurisdicional, célere e eficiente, pode-se criar o Código de Processo Civil mais avançado do mundo, indene de críticas, que ausente uma adequada gestão judiciária, o acesso a justiça democrático, que reflete efetivamente na vida do cidadão, continuará a ser uma mera utopia. Como o tem sido, e continuará a ser nas próximas décadas.

*Leandro Marmo Carneiro Costa é advogado do escritório JD Advocacia Especializada