Sebastião Barbosa Gomes Neto*
A prescrição é um instituto jurídico fundamental que estabelece o prazo máximo para que o direito de ação seja exercido. No contexto de acidentes de trabalho, esse tema ganha especial importância, pois define o período dentro do qual o trabalhador pode buscar judicialmente a reparação pelos danos sofridos.
A legislação brasileira prevê dois tipos principais de prescrição: a bienal e a quinquenal, previstas no artigo 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal. A primeira refere-se ao prazo de dois anos para o trabalhador ingressar com ação após a extinção do contrato de trabalho, enquanto a segunda dispõe sobre o período de cinco anos para a reclamação de créditos resultantes das relações de trabalho, a contar da data em que o direito foi violado.
Quando o assunto é acidente de trabalho, a contagem do prazo prescricional se torna mais complexa, especialmente em razão da necessidade de determinar o momento exato em que o trabalhador teve ciência inequívoca da incapacidade laboral, ou seja, a consolidação da lesão que resulta na redução ou perda da capacidade para o trabalho.
A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e a Súmula 278 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) oferecem diretrizes essenciais nesse sentido. A jurisprudência do TST tem reiteradamente afirmado que o prazo prescricional para ações de indenização decorrentes de acidente de trabalho começa a ser contado a partir da data em que o trabalhador tem ciência inequívoca da incapacidade laboral.
Esse entendimento, conforme observado em diversos julgados, é crucial para garantir que o trabalhador tenha o tempo necessário para avaliar a extensão do dano e buscar a reparação judicial. Um exemplo emblemático desse posicionamento pode ser encontrado na decisão do Tribunal Superior do Trabalho no Agravo de Instrumento em Recurso de Revista 93100-21.2014.5.13.0005 , onde o tribunal confirmou que a prescrição é contada a partir da concessão da aposentadoria por invalidez, momento em que o trabalhador toma ciência da extensão do dano que sofreu.
Em outro julgamento, o Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região, ao tratar da prescrição em casos de acidentes de trabalho, reafirmou que o termo inicial do prazo prescricional é a data da ciência inequívoca da incapacidade laboral, aplicável a todas as modalidades de indenização, sejam elas por danos morais, estéticos ou materiais.
Esse entendimento está presente na decisão proferida no processo 0010969-37.2016.5.18.0083:
“…o termo inicial do prazo prescricional é a data da alta previdenciária ou da aposentadoria por invalidez, momento em que se consolidam a extensão e a gravidade da lesão, permitindo ao trabalhador ter ciência inequívoca do dano sofrido.”
Ainda no mesmo sentido, a jurisprudência do TST reconhece que, no caso de pensão mensal vitalícia decorrente de acidente de trabalho, não há prescrição do fundo de direito, mas apenas das prestações anteriores ao período prescricional. Isso ocorre em razão da natureza continuativa do direito à pensão, o que foi ratificado no julgamento dos Embargos em Recurso de Revista 2687-85.2011.5.12.0007:
“…Trata se de indenização constitucional mente definida como um crédito de natureza alimentar, consoante o disposto no art. 100 § 1º, da Constituição da República. Inviável, na espécie, cogitar se de lesão única, ainda que o direito à indenização tenha em sua gênese lesão física com resultados instantâneos, como no caso da perda de um membro, pois o referido dispositivo diz com a hipótese de dano material e o que se visa a reparar, como ressaltado, não é o dano físico em si, mas o prejuízo patrimonial daí decorrente, o qual, decerto, protrai se no tempo. Assim, enquanto durar a incapacidade, exigível será sua reparação. 2 Cuida se, pois, de relação jurídica de natureza continuativa, que não se esgota em lesão única, podendo, inclusive, sobrevir alteração no estado de fato, a justificar, inclusive, redução ou aumento da prestação Desse modo, e ante a natureza alimentar constitucionalmente definida da pensão mensal devida em decorrência de acidente de trabalho ou doença ocupacional, da qual acarrete impossibilidade de a vítima exercer o seu ofício ou profissão ou diminuição da sua capacidade laborativa, não há falar em prescrição do fundo de direito, mas, tão somente, das prestações anteriores ao lapso prescricional que antecede o ajuizamento da ação.”
Uma questão prática relevante no contexto da prescrição envolvendo acidentes de trabalho é a possibilidade de ajuizamento de ações de produção antecipada de provas, conforme previsto no artigo 381 do Código de Processo Civil (CPC), que é aplicado subsidiariamente na Justiça do Trabalho.
Essa medida pode ser essencial tanto para o trabalhador quanto para o empregador. O artigo 381 do CPC permite a produção antecipada de provas nos casos em que: (I) haja fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação; (II) a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito; e (III) o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação.
Portanto, essa antecipação probatória pode ser decisiva para aferir o grau e a temporariedade da incapacidade, definindo assim o início correto do prazo prescricional.
A utilização da produção antecipada de provas permite uma maior segurança jurídica para ambas as partes. No caso do trabalhador, essa medida pode ser vital para garantir que seus direitos sejam adequadamente resguardados, uma vez que a definição do momento exato da incapacidade pode influenciar diretamente no reconhecimento de seus direitos indenizatórios.
Já para o empregador, a produção antecipada de provas pode evitar o ajuizamento de ações desnecessárias ou mesmo possibilitar a resolução do conflito de forma mais célere, por meio de um acordo, antes que se estabeleça uma contenda judicial prolongada.
Nessa esteira, é evidente que a prescrição em casos de acidentes de trabalho exige uma abordagem cuidadosa e estratégica. A correta delimitação do prazo prescricional depende, muitas vezes, da análise minuciosa do momento em que o trabalhador tomou ciência inequívoca de sua incapacidade. Assim, o ajuizamento de ação para produção antecipada de provas pode ser uma ferramenta essencial para clarificar essas questões temporais e garantir que os direitos sejam devidamente preservados, evitando o risco de prescrição.
Do ponto de vista estratégico, os empregadores devem estar atentos a essa possibilidade processual e, em caso de acidentes de trabalho, considerar a produção antecipada de provas como uma medida preventiva. Isso pode não apenas auxiliar na resolução de potenciais conflitos, mas também fornecer elementos que permitam uma defesa mais robusta e eficaz em eventual litígio. Ao adotar uma postura proativa, o empregador pode minimizar riscos, promover um ambiente de trabalho mais seguro e garantir que os direitos dos trabalhadores sejam respeitados, evitando, assim, complicações jurídicas futuras.
*Sebastião Barbosa Gomes Neto é graduado em Direito pela Universidade Federal de Goiás. Pós-graduado em Direito Tributário pelo IBET/GO. Pós-graduado em Direito do Trabalho e Previdenciário pela PUC/MG. sebastiaogomesneto.adv.br
Referências
Ag-AIRR-93100-21.2014.5.13.0005, 5ª Turma, Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 16/12/2022
TRT-GO-0010969-37.2016.5.18.0083, Relator Desembargador Aldon do Vale Alves Taglialegna, DEJT 03/07/2019
TST SBDI I E ED RR 2687 85 2011 5 12 0007 Relator Ministro Hugo Carlos Scheuermann, DEJT 13 10 2017