O que mudou nos Cartórios de Registro de Imóveis depois da Covid-19?

*Ana Cristina Dias

Em 20 de março desse ano, o Senado aprovou o pedido de reconhecimento de calamidade pública enviado pelo governo federal diante da pandemia do novo Coronavírus e, no mesmo dia, foi publicado o decreto de emergência no Diário Oficial da União.

Dois dias depois, foi publicado o Provimento 94 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que disciplinou novas regras para o âmbito dos cartórios de registro de imóveis.

Para quem não está familiarizado com o assunto e não enxerga a importância do Provimento vai aí uma dica que lhe fará lembrar quão importante é o serviço extrajudicial prestado pelos cartórios de Registro de Imóveis: “quem não registra não é dono”!

E com essa máxima, o CNJ, imbuído do espírito de reforço ao exercício do direito de propriedade do imóvel, consciente da realidade inexorável de que os cartórios não poderiam parar, trouxe mudanças significativas para o registro imobiliário. Mudanças estas que vieram ao encontro do anseio da população, principalmente da comunidade jurídica, dos operadores do direito, tabeliães e registradores, rompendo o horizonte burocrático e realçando a importância do acolhimento das práticas digitais que relativizam o valor os documentos físicos e do seu trâmite perante os  tabelionatos e registros de imóveis.

Imperioso que se esclareça que grande parte da tecnologia “embarcada” no Provimento já existia. Agora, o que o CNJ disciplinou no Provimento foi a obrigatoriedade do uso dessas tecnologias que estão em consonância com os tempos atuais. Tais medidas deverão perpetuar pós-pandemia, em razão da praticidade, eficiência, celeridade e desburocratização do registro imobiliário.

Veja agora o que de mais importante prevê o Provimento:

Atendimento – Deve ser feito em todos os dias úteis, preferencialmente por regime de plantão à distância, cabendo às Corregedorias dos Estados regulamentaram o seu funcionamento. Os plantões à distância devem ter duração de pelo menos quatro horas e os presenciais não podem ter duração inferior a duas horas.  Nesses plantões à distância os RGI´s devem atender por WhatsApp, Skype, Zoom ou  qualquer outra ferramenta digital que será informada pelo próprio cartório, mediante cartazes que devem ser afixados nas portas de entrada da serventia .

Recepção de Documentos por e-mail – Os RGI´s devem recepcionar os títulos nato-digitais e digitalizados com padrões técnicos, que forem encaminhados eletronicamente, por meio das centrais de serviços eletrônicos compartilhados, e processá-los para os fins do art. 182 e ss da Lei de Registros Públicos. Como bem resumiu o Dr. Bernardo Chezzi, o que o Provimento fez foi materializar o seguinte: atos praticados fisicamente que deverão ser aceitos com validade pela internet, e atos que seriam somente físicos já podem nascer com uma versão digital para ser enviada direto ao registrador para o registro” )https://www.conjur.com.br/2020-abr-05/chezzi-provimento-cnj-muda-registros-imoveis).

A eficiência da medida digital adotada pelo Provimento proporciona a que qualquer cidadão, onde estiver, envie remotamente o título que pretende registrar, sem despachante ou enfretamento de filas. Idêntica postura poderá adotar o tabelião no envio das escrituras por e-mail para o RGI.  A eficiência não para por aí: o provimento ainda permite que documentos particulares físicos, tenham efeitos digitais, desde que observadas as formalidades do Decreto 10.278/20, que estabelece a técnica e os requisitos para a digitalização de documentos públicos ou privados, a fim de que os documentos digitalizados produzam os mesmos efeitos legais dos documentos originais.

Citando mais uma vez o Mestre Bernardo Chezzi, “Aquele que o digitalizar, poderá enviar o documento ao registrador, também, por e-mail e e-protocolo, com seu certificado digital, assinando o documento digitalmente (e se responsabilizando pelo seu teor e verossimilhança). Entendeu? Sim, ficou muito mais simples de fato, sem necessidade de contato físico, o envio eletrônico de qualquer documento que possa ser assinado pelo apresentante com seu certificado digital”.

Definição de documentos nato-digitais e digitalizados – O próprio provimento define em seu artigo 4º., que os documentos nato-digitais são  aqueles que nascem na internet, gerados eletronicamente em PDF-A e que todas as partes (signatários e testemunhas) assinam com seu certificado digital; a certidão ou traslado notarial são gerados eletronicamente em PDF-A ou XML e assinados pelo tabelião ou preposto por ele indicado; são ainda documentos nato-digitais o resumo  do instrumento particular com força de escritura pública celebrado por agentes financeiros, as cédulas de créditos emitidas sob a forma de escritura e os documentos desmaterializados pelo notário ou registrados, gerados em PDF-A e assinados por eles com certificado digital. Já, os documentos digitalizados são aqueles assinados digitalmente e que devem ser gerados com padrões técnicos previstos no Anexo I do Decreto 10.278/20, além de conter os metadados especificados no Anexo II do mesmo decreto.

Envio de Documentos pelo E-protocolo – Os documentos poderão ser enviados pelo E-protocolo, que possibilitam a postagem e o tráfego de traslados e certidões notariais e de outros títulos, públicos ou particulares, elaborados sob a forma de documento eletrônico, para remessa às serventias registrais para prenotação. Para usar o E-protocolo basta que o interessado faça um cadastro e suba o arquivo para a plataforma, escolhendo o RGI de destino, tudo isso no âmbito do site www.registrodeimoveis.org.br .

Mais novidades – O provimento ainda autoriza o uso dos serviços dos Correios, mensageiros ou outros meios para recebimento e devolução de documentos físicos. Os Oficiais e as Centrais Eletrônicas também estão autorizados a oferecer serviços de localização de números de matrícula. 

O tempo pode mudar quem somos, mas nunca irá apagar quem fomos”, frase de autor desconhecido, mas que bem se aplica ao caso sob comento.  Os que não nasceram na era digital e eletrônica e que viveram a inflexibilidade da lei de registros públicos (no caso, esta que escreve este artigo), comemoram os novos tempos e torcem para que a vigência do provimento exceda o período pós-pandêmico. O que se ouve rotineiramente é que nunca mais seremos os mesmos depois do COVID-19 e o registro imobiliário acompanha o mesmo viés de inovação e disrupção, trazendo ao cidadão o acesso fácil a um serviço essencial e que alberga a ansiada segurança da propriedade imobiliária e os negócios a ela coligados.

*Ana Cristina Dias é advogada, especialista em Direito Imobiliário, Diretora Adjunta do IBRADIM em Goiás, Coordenadora da Subcomissão de Loteamentos da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB/GO.