O princípio constitucional da motivação das decisões judiciais

O presente texto elabora uma breve análise sobre o princípio da motivação da decisão judicial, primeiramente conceituando-a e, em seguida, enumerando especificidades sobre o princípio da motivação da decisão judicial. A Constituição Federal de 1988 prevê a essencialidade da fundamentação da sentença proferida pelo juiz com o objetivo de proteger o cidadão brasileiro contra equívocos no julgamento. É imperativa a obrigação do juiz de qualquer instância de motivar as suas decisões, sendo que a ausência de tal procedimento resulta na nulidade do julgamento. O cumprimento do princípio da motivação na decisão judicial é uma proteção contra o arbítrio e parcialidade. Para o alcance do objetivo proposto foi realizado levantamento bibliográfico acerca do assunto.

Palavras-chave: Fundamentação, decisão judicial, juiz.

ABSTRACT

The present text elaborates one brief analysis on the beginning of the motivation of the sentence, first appraising, the judicial sentence and after that, enumerating specific on the beginning of the motivation of the sentence. The Federal Constitution of 1988 foresees the essential of the recital of the sentence pronounced for the judge with the objective to protect the Brazilian citizen against mistakes in the judgment. The obligation of the judge of any instance is imperative, to motivate its decisions, being that the absence of such procedure results in the nullity of the judgment. The fulfilment of the beginning of the motivation in the sentence is a protection against the will and partiality. For the reach of the considered objective bibliographical survey concerning the subject was carried through.

Key words: Recital, sentence, jude.

1 – INTRODUÇÃO

No contexto da sociedade brasileira contemporânea observa-se o princípio da fundamentação das decisões judiciais previsto na Constituição Federal de 1988, impelindo assim os órgãos estatais a fundamentarem seus atos decisórios, impedindo o arbítrio e subjetividade do juiz. Isto porque na aplicação das normas, o poder conferido ao juiz tem a finalidade do ajuste nos conflitos de interesses. Neste sentido, o Estado age se interpondo no direito do cidadão brasileiro de forma imperativa, mas também obedecendo a normas previstas no ordenamento jurídico vigente.
Ora, é sabido que a última Constituição Federal no Brasil foi marcada pela inclusão nela de princípios, garantias e regras processuais subordinadas às normas constitucionais, possibilitando assim que a proteção do Estado alcance o direito do cidadão brasileiro. Ainda, para o alcance do objetivo de preservação do direito do cidadão, a Carta Magna estabelece que no processo legal, o juiz não poderá proferir sentença que não possa ser explicada, fundamentada, demonstrando, assim, como se chegou a ela, pois é conhecendo a motivação da decisão judicial que se pode verificar a conformidade com a lei, a validade das provas que foram instrumentos na formação da convicção do juiz, encerrando assim o processo de forma justa e correta. Sintetiza o professor italiano de Direito Processual Civil, Piero Calamandrei:

A fundamentação da sentença é sem dúvida uma grande garantia de justiça, quando consegue reproduzir exatamente, como num levantamento topográfico, o itinerário lógico que o juiz percorreu para chegar à sua conclusão, pois, se esta é errada, pode facilmente encontrar-se, através dos fundamentos, em que altura do caminho o magistrado desorientou (Calamandrei, 1971, p. 143).

Complementa Souza (2008, p.237) neste sentido, que

 (…) a sentença carente de motivação é ato absolutamente ilegítimo que transcende em antijuridicidade, ou seja, é ato de puro e aberto arbítrio, de pura e aberta violência, o que significa dizer que não passa de ato caracterizado como juridicamente inexistente, ainda que emanado do agente estatal (juiz) competente dentro de um processo a pretexto de agir em nome do Estado, de maneira que nenhum cidadão está obrigado a cumpri-la.

A intervenção do magistrado instrumentalizada pelas decisões judiciais se apresenta como a configuração da face persecutória e punitiva do Estado em relação ao sujeito passivo de julgamento e acusação. No sentido de garantir ao sujeito, que os princípios e direitos fundamentais constitucionais sejam resguardados e também de anular a arbitrariedade do juiz, a prática jurídica deve ser norteada pelo saber precedendo poder.
No Brasil, é da competência do Poder Judiciário processar e julgar questões de maneira coerente para com as normas que regem esta nação, prestando desta maneira serviço acessível a todo cidadão brasileiro. Discorre Ferrajoli (2006, p. 12), a respeito do poder do Estado:

(…) o mais terrível e odioso dos poderes: aquele que se exercita de maneira mais violenta e direta sobre as pessoas e no qual se manifesta de forma mais conflitante o relacionamento entre o Estado e o cidadão, entre autoridade e liberdade, entre segurança social e direitos individuais.

A sentença judicial deve ser norteada pelos requisitos indispensáveis e condições pré estabelecidas pela legislação brasileira que estão discriminadas no Art. 458 do Código de Processo Civil, assim como no Art. 93, inciso IX, da Constituição Federal de 1988, para que assim atinja o seu objetivo de promoção da justiça sem maiores problemas que possam ser originados de seus efeitos. A sentença é considerada o ato de maior relevância no exercício profissional do juiz, enquanto representante do Estado. Trata-se de uma atividade complexa, onde seu resultado deriva de uma integração racional e crítica que pode também conter elementos da vontade do sujeito e lógicos para atingir o objetivo de se promover a justiça. Com base na estruturação contemporânea do Direito Processual Brasileiro, os efeitos esperados da idoneidade da sentença só são vislumbrados quando o juiz, ao proferi-la, se submete ao ordenamento jurídico vigente e fundamenta sua decisão, marginalizando o arbítrio e parcialidade e conseqüentemente, a injustiça.
É indiscutível a importância do conhecimento da sociedade acerca da motivação e seus elementos para a decisão judicial proferida pelo juiz, representando o Estado na prática de sua função mantenedora de paz e ordem, relevando assim as especificidades relacionadas à motivação das decisões judiciais. Desta forma, o presente estudo levantará os pontos de vistas de diversos autores quanto à conceituação, aspectos constitucionais e processuais da sentença e ater-se-á a um dos elementos de essencial importância da sentença, sua motivação, sendo que a ausência dela ou ainda sua má elaboração pode resultar em nulidade total do ato jurisdicional, ressaltando o papel de instrumento da efetivação do Estado Democrático de Direito atribuído à motivação da sentença judicial.

2 – FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA JUDICIAL

De acordo com o Dicionário Houssais da Língua Portuguesa, o verbete fundamentar significa “apoiar (-se) em fundamentos; fundar (-se), documentar (-se), justificar (-se)”. No Direito Processual a definição para fundamentar pode ser entendida como o ato de demonstrar através, ou de provas aquilo que a parte alega em juízo com a finalidade de obtenção de uma resposta favorável. Para Uadi Lammego Bulos, fundamentar é:

(…) dar as razões, de fato e de direito, pelas quais se justifica a procedência ou improcedência do pedido. O ministro, desembargador ou juiz tem necessariamente de explicar o porquê do seu posicionamento. Não basta que a autoridade jurisdicional escreva: “denego a liminar” ou “ausentes os pressupostos legais, revogo a liminar” (Bulos, 2001, p. 834).

Fundamentar corresponde ao ato do magistrado quando este dá razões, de fato e de direito, que formaram sua convicção e o levaram a decidir sobre determinada lide da forma que o fez. Vale dizer que a fundamentação além da implicação formal se apresenta com grande relevância para a sociedade amparada pelo direito democrático. O juiz deve analisar as questões postas a seu julgamento explicitando a base fundamental de sua decisão judicial (Junior, 2000).
A fundamentação que também é chamada de motivação por serem sinônimos corresponde ao momento em que o juiz deverá explicitar o que norteou sua decisão, qual foi o caminho que ele percorreu no processo para chegar à determinada decisão. É o momento no qual o juiz enumera as razões de fato e de direito, por intermédio das leis, fatos, provas e outros elementos processuais contidos nos autos que embasaram sua convicção e influenciaram sua decisão, a motivando.  Dito de outro modo, é nesse ato que o juiz vai motivar (por isso chamada de motivação), ou seja, vai elencar motivos para sua decisão, sua convicção, referindo-se a todos os fatos significativos, com o objetivo de esclarecer os motivos que o levaram a determinado julgamento. Tucci (1987), sintetizando, aponta a motivação da sentença como sendo a parte do julgado que obrigatoriamente deve conter a exposição dos fatos que embasaram a solução do litígio e a exposição das razões jurídicas do julgamento.
O princípio da fundamentação das sentenças judiciais é prévio à própria Constituição Federal de 1988, podendo ser encontrado no Código de Processo Civil Brasileiro de 1973, nos arts. 165 e 458, que narram acerca dos elementos da sentença judicial. Já na Carta Magna de 1988, no seu art. 93, IX, está previsto que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, devendo ser fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade (Ustarróz, 2003).

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobe o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.

Embora o juiz seja livre para eleger os fatos que embasam sua decisão, tendo em vista o princípio do livre convencimento, ele deverá ainda fundamentar seu julgamento, garantindo a segurança e efetividade das relações entre os cidadãos e Estado. O art. 131 do CPC expõe a liberdade do juiz para valoração ou não de determinadas provas e ou fatos e também indica a obrigatoriedade de que o magistrado explique a motivação de sua decisão. “O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento (art. 131, CPC).”
Diante do exposto, é possível observar que o juiz tem total liberdade para apreciar as provas e os fatos constantes nos autos, e desta forma embasar seu convencimento. Quando o juiz já tomou sua decisão, o mesmo deverá proferir a sentença e relatar a fundamentação dela, ou seja, o magistrado é incumbido de narrar como valorou as provas existentes nos autos, relevando a motivação de seu julgamento. É importante dizer que os fatos objetos da análise do juiz devem estar nos autos, não deixando assim margens para conhecimento particular do julgador, que poderia ferir o princípio do contraditório.
As decisões judiciais devem ser fundamentadas pelo imperativo constitucional que abarca a responsabilidade e vinculação do juiz aos processos e decisões proferidas diante da importância e potenciais conseqüências da sentença. Sobre a necessária fundamentação das sentenças, fala José Frederico Marques que:
A motivação revela como o juiz interpretou a lei e os fatos, pelo que deve vir exposta com clareza, lógica e precisão, a fim de que as partes tenham perfeito conhecimento da solução dada ao litígio e às controvérsias surgidas na discussão deste (Marques, 1997, p. 49).

Vale dizer, atentando para não se afastar do aspecto constitucional da motivação das decisões, que o juiz, por certo, sendo ser humano, obviamente é passível da influência de sentimentos, valores, posturas e principalmente, trata–se de um sujeito contextualizado. E tais fatores devem ser levados em conta com o objetivo de se manter a racionalidade e concretude da sentença. Neste sentido explica Portanova:

São muitas as motivações sentenciais. É verdadeiramente impossível ao juiz indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento. São tantas as influências que inspiram o juiz que dificilmente a explicação de como se convenceu, será plenamente satisfatória. No julgamento há premissas ocultas imperceptíveis. Podem-se distinguir três planos de motivações: probatórias, pessoais e ideológicas. São motivações que se ligam entre si e se influenciam dialeticamente. A motivação probatória diz respeito à maneira como o juiz interpreta fatos e provas no processo. É o resultado da experiência probatória que responde à questão de que se o fato está provado ou não e quais os motivos que levaram o julgador a tal solução. Em suma, é a relação do juiz com os meios de prova vindos aos autos. Esta temática tem seu ponto alto de indagação quando da avaliação da prova testemunhal. O problema começa com o depoimento. Como se sabe, não é correto o magistrado consignar em ata sua impressão pessoal valorativa sobre o relato testemunhal. Assim, temendo pela credibilidade do relato, a desconfiança do juiz deve tornar-se objetivada nos autos sob a forma de contradições, exageros ou omissões que denotam a falta de isenção da testemunha. Veja- se: apesar de já estar convencido o juiz ainda não está sentenciando, por isso precisa agir com arte para caracterizar seu convencimento no termo de audiência (mas repitamos, sem consignar impressão pessoal), pois ao sentenciar ele precisará de elementos concretos que embasem e comprovem sua impressão de descrédito no relato (Portanova, 1994, p.15).

Prosseguindo na análise do tema, o jurista português José Joaquim Gomes Canotilho (1997), ainda observa que a motivação possui basicamente três finalidades, a saber: a) controle da administração da justiça; b) demonstrar o uso da racionalidade pelo juiz diante da situação em que tomou a decisão, assim evitando a subjetividade do juiz na sentença judicial; c) permitir às partes envolvidas no processo que o objeto de impugnação esteja delimitado. Além disso, é interessante observar também que é a motivação das decisões judiciais que possibilita meios para que os princípios do contraditório, da ampla defesa e da igualdade possam ser vislumbrados, não aceitando assim arbitrariedades.
A relevância da motivação das decisões judiciais acompanha o desenvolvimento da própria sociedade quanto ao respaldo do Estado na proteção dos direitos do cidadão. A motivação das decisões judiciais assume caráter de garantia da própria jurisdição, servindo não somente às partes e aos juízes como também a toda comunidade que terá a possibilidade de verificação da imparcialidade e técnica dos magistrados. Conforme bem dito por Fernandes (2000, p. 119):
Evoluiu a forma de se analisar a garantia da motivação das decisões. Antes, entendia-se que se tratava de garantia técnica do processo, com objetivos endoprocessuais: proporcionar às partes conhecimento da fundamentação para poder impugnar a decisão; permitir que os órgãos judiciários de segundo grau pudessem examinar a legalidade e a justiça da decisão. Agora, fala-se em garantia de ordem política, em garantia da própria jurisdição. Os destinatários da motivação não são mais somente as partes e os juízes de segundo grau, mas também a comunidade que, com a motivação, tem condições de verificar se o juiz, e por conseqüência a própria Justiça, decide com imparcialidade e com conhecimento de causa. É através da motivação que se avalia o exercício da atividade jurisdicional. Ainda, às partes interessa verificar na motivação se as suas razões foram objeto de exame pelo juiz. A este também importa a motivação, pois, através dela, evidencia a sua atuação imparcial e justa.

Foi com base no novo paradigma político instaurado a partir da nova Carta Magna de 1988, a saber, o Estado Democrático de Direito, que na Constituição surge em seu texto a obrigatoriedade da motivação das decisões judiciais que se põe a serviço não somente do Estado de Direito. Percebe-se aqui um salto qualitativo do cumprimento de mera formalidade constitucional para um novo comportamento democrático, no qual o alvo consiste em toda a sociedade e não somente os tribunais. Entende–se também que o processo não se trata de peça que compõe o litígio e sim deve ser repensado a partir de seu poder de transformação social, como instrumento de mudança e aplicação da justiça. O processo, na atualidade promove a interação entre social, político e jurídico e assim é o intermediador da efetivação do direito (Dinamarco, 1998).
A fundamentação das decisões judiciais consiste em obrigatoriedade, isto porque está prevista na Constituição e é tida como garantia fundamental inerente ao Estado de Direito. Assim, todos os órgãos jurisdicionais emanados do Estado têm o dever jurídico da fundamentação de seus posicionamentos, resguardando toda e qualquer decisão judicial do arbítrio e influência subjetiva, como ideologias, por exemplo, e possibilitando que seja feito o controle da atividade jurisdicional pelas partes e também por toda a sociedade em geral.

A Carta Magna entrega ao processo a garantia do respeito aos princípios e direitos nela contidos e estabelecidos para o bem do homem. A sanção para o descumprimento dos princípios constitucionais trata-se de ofensa ao Estado de Direito Democrático e desta forma busca-se que o processo judicial tenha funcionamento eficaz para a resolução apropriada, o que só é possível mediante a submissão do juiz à lei,  não lhe sendo permitido a criação ou modificação de regras de procedimento, tendo em vista que ele não pratica a função em seu próprio nome, mas sim em nome do Estado e desta forma quando profere uma sentença deve motivá-la, explicar, de maneira racional, os seus motivos para chegar até ela.

Quando na mesma pessoa, ou no mesmo corpo de magistrados, o poder legislativo se junta ao executivo, desaparece a liberdade; pode-se temer que o monarca ou o senado promulguem leis tirânicas, para aplicá-las tiranicamente. Não há liberdade se o poder judiciário não está separado do legislativo e do executivo. Se houve tal união com o legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, já que o juiz seria ao mesmo tempo legislador. Se o judiciário se unisse com o executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor. E tudo estaria perdido se a mesma pessoa, ou o mesmo corpo de nobres, de notáveis, ou de populares, exercesse os três poderes: o de fazer as leis, o de ordenar a execução das resoluções públicas e o de julgar os crimes e os conflitos dos cidadãos (Bobbio, 1994, p. 137).

A importância da fundamentação da sentença judicial decorre da necessidade de se preservar a liberdade do homem, já que o julgador ao explicar os motivos de sua decisão, explicitará o caminho que o conduziu até a decisão tomada, evidenciando a lógica do raciocínio. Desta forma, fica minimizada a especulação de que no caminho até a decisão tenha ocorrido algum engano e ou arbitrariedade. Ainda o Estado promove o bem estar social de forma que a fundamentação influencia a conformação das partes com relação à sentença judicial. Pode-se inferir que, com base na motivação, não existe lugar para o autoritarismo que está na contramão de uma sociedade civilizada.
Além disso, a fundamentação sendo requisito essencial da sentença, demonstrando os motivos que levaram o juiz a ter determinado julgamento, possibilita o respeito a princípios inerentes ao Direito e conseqüentemente o bom exercício do ordenamento jurídico. Mesmo que indiretamente, a fundamentação da sentença resguarda importantes garantias previstas na Carta Magna, como o princípio do contraditório, da imparcialidade, da ampla defesa, da legalidade, dentre outros (Pero, 2001). Também se vislumbra a importância da fundamentação da sentença quando do ponto de vista da parte vencida na lide, pois é tal motivação que proporciona o entendimento de seu infortúnio, e quando diante da necessidade de interposição de recurso, oferta informações para que seja feito de forma adequada, evidenciando possíveis enganos da sentença. A relação dinâmica que a fundamentação da sentença proporciona entre o Estado e cidadãos, contribui para o acesso à justiça real, além de permitir o controle da ação do juiz.
Desta maneira, pode-se perceber a motivação das sentenças judiciais exigida pela Constituição, delimitando os poderes praticados pelo magistrado, lhe impondo apropriada aplicação do princípio da legalidade, ou seja, lhe é imposto que aja de acordo com a lei, além de evidenciar que não desrespeitou nenhum direito fundamental. Assim o jurisdicionado se encontra na posição de protegido pelo Estado, tendo resguardada a garantida de compreender as razões que formaram a convicção do juiz enquanto julgador de seu caso. A motivação da sentença judicial reflete o caminho do raciocínio elaborado pelo juiz para alcançar a resolução do caso conflituoso e, na hipótese de erro, será facilmente verificado pelo conteúdo da motivação, podendo ser impugnada.
A conseqüência natural deste processo é que as decisões proferidas precisam ser conhecidas, divulgadas, no sentido de permitir a todas as partes envolvidas no conflito de interesse, que tenham o conhecimento e possam analisar a decisão, podendo inclusive discordar dela. Vale ressaltar que o art. 93, inciso IX, da Constituição Federal também prevê que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário se tornarão públicos. Ora, em sendo assim, resta certo que não teria sentido a motivação da decisão se ela não se tornasse pública, já que é tal ato que lhe permite o controle da atividade jurídica.
Tornando pública a sentença e sua fundamentação, o juiz permite que a população verifique os motivos que levaram à decisão proferida, tornando assim imprescindível a necessidade desse requisito na sentença, a motivação, na construção de atos que efetivem o cumprimento da Constituição Cidadã, incitando a participação popular no sentido de fiscalizar os atos da decisão judicial. A resolução do litígio não pode ser restrita somente às partes envolvidas na lide, antes deve ser exposta e tornada pública para que ocorra o controle da atividade judiciária (Freitas, 2004). Assim sendo, pode- se concluir que a motivação da sentença judicial corresponde à resposta ao anseio da sociedade pela efetivação do Estado Democrático de Direito.
3 – NULIDADE DA SENTENÇA JUDICIAL
Sendo necessária a fundamentação da decisão judicial, prevista pelo art. 93, IX da Constituição Federal, e ocorrendo ausência dessa motivação na sentença, a mesma poderá ser desconstituída baseada na violação deste dispositivo previsto na Lei Maior, de acordo com o artigo supracitado.
A princípio, uma questão deve ser esclarecida: a verificação da ausência de motivação resulta então na nulidade da decisão de acordo com a Constituição Federal e sendo assim enumeram-se abaixo as conseqüências racionais e jurídicas da exigência da fundamentação que devem ser também observadas:
•    A ausência de motivação não corresponde necessariamente à vitória do ponto de vista daquela parte que se torna beneficiada pela nulidade;
•     Não se pode modificar a decisão judicial, embora a nulidade possa ser declarada, exceto pelo Tribunal competente a pedido do interessado;
•    A motivação tida como suficiente não precisa ser necessariamente extensa, podendo ocorrer fundamentação bem elaborada, porém curta;
•    A fundamentação é tida como suficiente de acordo com a natureza da modalidade jurisdicional.

A motivação quando resumida não pode gerar nulidade, contudo, a falta de motivação ou motivação insuficiente produz nulidade absoluta. A diferença entre os dois tipos encontra-se no fato de que na fundamentação concisa, o juiz expõe de forma sintetizada os pontos relevantes do processo, enquanto que na fundamentação insuficiente não ocorre análise de todos os caracteres de fato e de direito elencados no processo e assim resulta em prolação de sentença gerando nulidade absoluta.

Em se tratando de ausência de motivação, que consiste na apresentação da sentença judicial sem que haja qualquer elemento que a fundamente, é o que menos acontece no âmbito jurídico. Por outro lado, a motivação denominada insuficiente, se configura quando não fornece a capacidade de justificativa do porque se chegou a uma determinada decisão. É passível de comprovação da falta intencional ou não, dos motivos da formação da convicção do juiz.
A nulidade absoluta acontece quando existem vícios impregnados na ação jurídica de modo que seja impossível removê-los. Marcello Cinelli de Paula Freitas esclarece este conceito:

Dentre os vícios que se referem aos requisitos necessários para a realização da função técnica do ato, alguns se evidenciam insanáveis, porque dizem respeito à violação de norma cogente, onde estão tutelados preferencialmente interesses públicos. Estes vícios levam à nulidade absoluta. (Freitas, 2004, p.32).

Desta forma, a sentença com ausência de motivação é incoerente para com a garantia prevista pelo art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, que encontra grande apoio público, ficando assim sujeita à nulidade absoluta. De acordo com Junior (1997), quando a sanção de promoção de nulidade está incluída no próprio texto da Carta Magna, revelado está o status desta garantia. A ausência de motivação é um destes casos, onde está prevista sua sanção na Constituição Federal.
Interessante observar que a Constituição Federal não contém norma sancionadora, sendo simplesmente descritiva e principiológica, afirmando direitos e impondo deveres. Mas a falta de motivação é vício de tamanha gravidade que o legislador constituinte abandonando a técnica de elaboração da Constituição, cominou no próprio texto constitucional a pena de nulidade (Junior, 1997, p. 177).

Da mesma forma é preciso atentar para o fato de que a fundamentação insuficiente promove vício na decisão judicial, além de não cumprir o exigido no art. 458, II do Código de Processo Civil do Brasil. Como resultado da dificuldade de entendimento do raciocínio do juiz que atestou os motivos de sua decisão, tem-se a motivação insuficiente que poderá ser resolvida por intermédio de embargos de declaração, instrumentos previstos no art. 535, do CPC, que tem por escopo o esclarecimento de contradições contidas na sentença judicial, ainda podendo acrescentar possíveis dados que foram omitidos por parte do juiz.
Delgado (1990) cita em seu artigo intitulado “A sentença judicial e a Constituição Federal de 1988”, como resultado de análises e estudos, algumas decisões de diferentes Tribunais brasileiros quanto à sentença judicial motivada ou não e conseqüente nulidade da mesma. Nota- se com base no enumerado a seguir que o princípio da motivação da sentença vem sendo observado com o máximo cuidado. São elas:

a) É nula a sentença que se omite em relação à procedência ou improcedência da Reconvenção, por não se admitir julgamento implícito por ter sido acolhido o pedido do autor (RT, 487/192);
b) Se o pedido está desdobrado em dois fundamentos e apenas um deles foi apreciado na sentença, é nula essa decisão (RT 600/163);
c) É nula a sentença que não examina matéria preliminar (RT, 595/127);
d) A rejeição de preliminar sem fundamentação determina a nulidade da sentença (RT, 580/255);
e) Não pode o Juiz, sob pena de nulidade da sentença, rejeitar em bloco e sem qualquer fundamentação as preliminares argüidas por um dos demandantes, ao suporte de que todas elas foram bem rechaçadas pela parte contrária (RT 50/255);
f) Sentença citra petita. Nulidade. Nula é a sentença que decide a espécie sem examinar se configurou um dos ilícitos penais imputados a um dos réus na denúncia, deixando, assim, sem solução, um dos problemas suscitados no processo (Julgados do TARGS/76);
g) É elementar que a prestação jurisdicional, para constituir provisão válida, há que esgotar todas as questões propostas na peça acusatória, examinando, à luz da prova, todas as imputações constantes daquela peça (RJTJRS 17/52);
h) É nula a sentença condenatória que não indica o dispositivo legal aplicável (HC, n. 43.528 – STF, In: Jurisprudência. Criminal de Heleno Fragoso);
i) Nula é a sentença que não indica os dispositivos legais que considera viciados pelo réu, descumprindo destarte o art. 381, IV, do Código de Processo Penal. Não supre a omissão o fato de se referir ao delito de apropriação indébita, porque essa figura criminosa pode se apresentar com várias modalidades (RT 255/76);
j) Nula é a sentença, se nela reportar-se o julgador a outra anteriormente anulada e, por conseguinte, juridicamente inexistente (Revista. Jurídica. 46/308);
k) É nula a sentença por falta de nexo lógico entre os fatos que descreve e as conclusões (RTJ 44/34);
l) Decisão confusa e ambígua na definição jurídica dos fatos julgados, além de omissa e imprecisa nas operações do cálculo das penas. Nulidade da sentença por falta de fundamentação (RJTRGS 38/120).
m) É nula a sentença que apresenta fundamentação e conclusão contraditória (STF, HC n. 44/7, In: Jurisprudência. Criminal, de Heleno Fragoso). (Delgado, 1990, p. 38).

Simples assim, a decisão judicial que não apresenta fundamentação é inversa ao estabelecido pela Constituição Federal e assim é nula, pois a Carta Magna vigente prevê o princípio da legalidade que a ninguém obriga a fazer ou deixar de fazer algo que não seja por meio da lei. Neste sentido, observa-se a lei como instrução geral oriunda do poder do Estado como representante da soberana vontade popular. Toda normatização divergente é passível de oposição judicial e por outro lado, toda normatização específica, somente tem validade se amparada por constitucionalidade e em conformidade com a lei.
Diante do exposto, é possível inferir que a decisão judicial sem fundamentação perde sua força legal, resultando em nulidade, pois se assim ela é proferida, não passa da vontade própria do julgador e como já foi dito, se uma sentença não faz referencia à lei, não se adequa ao modelo legal, não produz efeito coercitivo, não obriga. Finalizando, a sentença judicial desprovida de fundamentos é inconstitucional ao violar o princípio da legalidade, alem de alcançar sem direito, competência legislativa, ao passo que se separa dos poderes de normatização do Estado.
CONCLUSÃO
Diante do exposto neste texto, pode-se concluir que a fundamentação da decisão judicial, elemento da própria sentença, com a clara exposição dos motivos que levaram o juiz ao julgamento, não se apresenta como mera formalidade, pelo contrário, tem extrema importância relacionada à preservação dos direitos fundamentais do homem previstos na Constituição Federal de 1988, que embasam o Estado Democrático de Direito. A fundamentação da decisão judicial vem demonstrar o raciocínio lógico que o juiz praticou para proferir a sentença.
O princípio da motivação além de sua natureza instrumental na validação da sentença judicial apresenta justificativa para sua exigência na efetivação do Estado Democrático de Direito, garantindo o controle dos atos decisórios oriundos do poder judiciário, por parte de qualquer que seja o cidadão jurisdicionado, possibilitando assim a atuação do Estado representado pelo juiz de forma responsável, imparcial e coerente para com os princípios constitucionais, sem qualquer arbitrariedade.
Somente por meio de motivação pode ser aferida a correção lógica do pensamento do magistrado ou evidenciada a contradição de suas colocações, de forma a possibilitar o reconhecimento da nulidade da providência jurisdicional. É evidente que a motivação da decisão judicial se constitui como um tema de alto significado e relevante utilidade na prática jurídica brasileira e assim sendo, é necessário que mais estudos sobre o assunto sejam realizados, de forma cada vez mais profunda no sentido de contribuir para melhor elucidação das questões referentes à sentença judicial e sua fundamentação.
Conclui-se que o princípio constitucional da motivação das decisões judiciais deve ser analisado sob o prisma dos princípios democráticos constitucionais de direito e seu conseqüente exercício da cidadania. Isto porque o processo civil moderno vive uma nova realidade paradigmática e assim todos seus institutos devem ser expostos à estudos de acordo com os atuais paradigmas. Não se pode separar a evolução e consolidação do poder judiciário da realização e efetivação dos objetivos democráticos enumerados na Constituição brasileira. Desta forma, o princípio da motivação das decisões judiciais deve ser analisado em face de sua grande relevância social, tendo em vista que além de servir às partes envolvidas no processo, trata-se da voz que alcança toda a sociedade e se submete ao juízo do povo. Ao tornar pública uma sentença, os papéis sociais se invertem e o povo é quem julga a decisão. Tal transparência jurídica é a mais eficaz ferramenta para a prática da democracia e cidadania. A sociedade, desta forma, exerce o controle de seu próprio direito.
Além disso, conclui-se ao final também que o magistrado, seja de qualquer instância ou alçada, que em seu exercício profissional aja com negligência ao fundamentar sua decisão judicial, está na verdade sendo negligente para com as partes que têm o direito de entender todo o processo que culminou na decisão do julgador e com a sociedade como um todo, no sentido de que o cidadão é também responsável por fiscalizar a atividade jurídica de seu país. Deste modo, é procedente a sugestão de que os juízes, assim como todos os pertencentes ao âmbito jurídico, atentem para o requisito formal da sentença judicial que se trata da fundamentação, pois é com base nela que o poder judiciário evita ações permeadas por arbitrariedade e trabalha mais próximo do que seja a justiça real, aquela que satisfaz o interesse do popular.
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