Danilo Vasconcelos*
Hoje um ex-aluno, que está advogando há dois anos, me ligou para contar que no almoço familiar de domingo, após a difusão da notícia de que ele comprou um carro novo – aos 26 anos de idade – o assunto passou a ser sua carreira na área criminal.
Começaram a contestar se valia a pena ganhar dinheiro defendo “criminosos”.
Disse ainda que falaram que “Deus não abençoa essa situação”, que estudar para receber “dinheiro sujo” não é certo, e por aí vai.
Isso me fez refletir e resolvi escrever esse texto – que não tem a pretensão acadêmica ou tecno-normativa.
Está mais para um desabafo em tom de esclarecimento, quiçá para os jovens criminalistas e estudantes enviarem nos grupos familiares.
“Prezado tio”, a profissão do advogado criminalista é, sem dúvida, incompreendida. Já no início da faculdade escutei – até dentro na minha casa: não vá advogar para bandido, não vá ser advogado criminalista.
Costumam confundir a defesa processual do advogado com o crime que o cliente é acusado. Muitas vezes nos colocam no mesmo patamar, já que “quem defende bandido se assemelha ao bandido”.
A atuação de um advogado de defesa em um processo penal é, para muitos, tida como um – desnecessário – entrave para a justiça. Quando o advogado é combativo então, os outros atores processuais ficam contrariados.
Essa é a dura realidade de quem labuta diariamente nessa seara tão importante.
Recentemente, em Goiás, conceituados advogados passaram a ser investigados pelo fato de orientarem seus clientes a usarem o direito ao silêncio. Parece brincadeira, mas está acontecendo.
Há poucos meses, um renomado advogado foi preso por cobrar caro (depois que viram o erro, sequer o denunciaram).
Cada vez mais o direito de defesa é contestado. Muitos acham um abuso que suspeitos tenham uma defesa aguerrida, que contesta e coloca em xeque a legalidade do ato da autoridade (até precisarem de nós).
Quando se trata de processo que envolve valores acima da média, quando o cliente é endinheirado, aí o ataque passa a ser o recebimento de honorários.
Agora vai para você, jovem advogado.
Advoguei/advogo para pessoas suspeitas de tráfico de drogas, de armas, de golpes no INSS, TJGO, bancos públicos e privados, em processos de figuras religiosas, políticos envolvidos em corrupção, desvios de dinheiro da saúde pública, extorsão, homicídios motivados por inúmeras situações (disputa de terras, dinheiro, vingança, no trânsito, traição, etc), dentre outras variadas acusações.
Em todos os casos, o cliente, sendo inocente ou culpado, cobrei – e continuarei cobrando – para trabalhar. Pode parecer óbvio, mas o advogado criminalista está trabalhando e cobra pelos serviços.
“Até” o advogado criminalista tem o direito de receber pelos serviços prestados.
Nada diferente do médico, engenheiro, cabelereiro, jardineiro, corretor de imóveis, jogador de futebol ou arquiteto. Nada do que o dono de um restaurante não faz ao vender o seu produto.
E é bom esclarecer que cada um tem o seu preço e a contratação não é obrigatória.
Um projeto arquitetônico pode custar mil ou dez milhões de reais. Um corte de cabelo pode custar dez ou dois mil reais. Cada um tem a liberdade de cobrar o quanto quiser.
É importante ressaltar que, assim como o médico, o advogado não é obrigado a investigar de onde vem o dinheiro que recebe. Isso é o que diz a lei.
Existe ainda uma lei que destina até 20% dos bens e valores apreendidos ou bloqueados para o pagamento do advogado.
Desde que o dinheiro seja, de fato, a título de honorários, não há nada de errado em receber para trabalhar.
Mas muitos podem perguntar: e a questão moral?
Até hoje muitos cidadãos acham imoral que duas pessoas do mesmo sexo se amem.
Diante dessa e outras, não vou me atrever a discutir moralidade.
A moral é relativa. O advogado trabalha com a lei.
Estimado colega de profissão, logo vão falar que seu carro, sua casa e suas viagens são bancadas com o dinheiro do crime. Quanto mais você prosperar, mais ataques sofrerá, muitas vezes virá da pessoa que almoça contigo aos domingos, ou do colega que não está tendo o mesmo sucesso, ou do servidor público que fica indignado de um “simples advogado” ganhar mais que ele, esteja preparado. Uma hora ou outra, fake news revestidas de inveja e desconhecimento, vão te atingir. Esteja preparado.
Ser criminalista não é fácil por nenhuma perspectiva.
Às vezes embrulharemos o estômago por pedir a absolvição em uma situação que você não concorda, às vezes o sistema passa por cima da lei e você se sente impotente, às vezes vemos ilegalidades vindas de quem mais deveria agir corretamente e às vezes seremos contestados por apenas cobrar e receber pelos nossos serviços.
Esteja preparado.
*Danilo Vasconcelos é advogado criminalista, professor universitário, mestre e doutorando em Ciências Criminais e presidente da Comissão Especial de Defesa do Tribunal do Júri da OAB-GO.