O impacto do novo Código de Processo Civil nas carteiras de contencioso de escala

advogada alline rizzieO Código de Processo Civil que entrou em vigor no dia 18 de março do corrente ano e resulta em importante alteração na forma de gestão das ações judiciais, especialmente nas carteiras de contencioso de escala ou de massa.

Importante salientar que o novo diploma legal enfatizou a importância da mediação e da conciliação nas ações judicias, uma vez que a transação entre as partes deve ser incentivada pelos Magistrados durante qualquer fase processual, prevendo ainda o Novo Código de Processo Civil que inicialmente deve ser marcada audiência para tentativa de conciliação entre as partes, promovendo a ampla discussão da possibilidade de encerrar a demanda antes mesmo da apresentação de defesa pela parte ré, consoante parágrafos 2º e 3º do artigo 3º e artigo 334 do diploma legal citado.

Esta é uma tendência que veio à tona em obediência à recomendação do Conselho Nacional de Justiça (Resolução n. 125/2010), que determinou aos órgãos do Poder Judiciário que promovessem formas de solução de conflitos, e tem sido alvo de diversas ações realizadas pelos Tribunais.

A prática dos Tribunais tem trazido benefícios aos jurisdicionados que, por vezes, ajuízam as demandas antes mesmo de comunicar às Seguradoras quanto à ocorrência dos sinistros que dão origem a eventuais direitos indenizatórios, tornando o sítio do Poder Judiciário propício para a regulação judicial de sinistros. Daí a importância da mediação e da conciliação, que foram enfatizadas pelo Novo Código de Processo Civil.

O artigo 373 mantém o encargo processual da parte autora de provar o fato constitutivo de seu alegado direito e da parte ré o ônus de comprovar os fatos desconstitutivos, modificativos ou extintivos do direito, no entanto, o Novo Código de Processo Civil alterou o peso do esforço probatório das partes ao dispor que, havendo impossibilidade ou excessiva dificuldade de cumprir o encargo em face de maior facilidade de obtenção da prova fato contrário, poderá haver a redistribuição do ônus pelo Magistrado ou mesmo convencionado entre as partes.

Nesta seara, necessário haver uma melhor análise quanto à forma de apresentação das defesas e argumentações em juízo, sob pena de haver desnecessária ou tendenciosa redistribuição do ônus da prova, impondo à parte o ônus de produzir prova impossível ou diabólica.

Uma preocupação premente refere-se ao instituto da tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, prevista no parágrafo único do artigo 294, que pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental, sem oitiva da parte contrária quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, nos termos ainda do artigo 300 do mesmo diploma.

Da decisão que concede a tutela de urgência não cabe recurso da decisão, estabilizando-se a esta até que seja promovida ação autônoma que busque a revisão ou a invalidação dessa decisão.

Vislumbra-se que a tutela de urgência pode ser concedida sem qualquer prova do alegado direito, ao arrepio do direito ao contraditório e da ampla defesa em favor de uma parte e detrimento de outra, causado muitas vezes por prejuízo irreparável, se não for devidamente analisado pelos magistrados.

Não havendo previsão legal para recurso desta decisão, importante a análise da política recursal ou de impugnações utilizadas pelas partes, uma vez que deve ser evitado eminente prejuízo causado pela estabilização de decisões desfavoráveis e tendenciosas.

Noutro passo, o artigo 190 do Novo Código de Processo Civil possibilita às partes realizarem negócios jurídicos durante o trâmite processual, ajustando o calendário de atos processuais ou modificando a ordem dos atos processuais, inclusive alterando prazos, se assim facilitar a necessária discussão quanto à possibilidade de mediação ou conciliação entre as partes.

Sobre a prova pericial, o Novo Código de Processo Civil reformulou a forma de indicação de peritos e respectiva remuneração, prevendo que deverá haver um cadastro único por especialidade nos Tribunais, bem como uma tabela de honorários por tipo de perícia, devendo os experts comprovarem currículo e experiência na área para a qual se inscrever neste cadastro, havendo, portanto, mais rigor na indicação de peritos.

Quanto ao trabalho dos peritos, houve ainda alteração no sentido de que a prova pericial deverá conter requisitos mínimos como indicação de métodos e critérios científicos utilizados durante a produção da prova e elaboração do respectivo laudo.

Ainda sobre a prova pericial, poderá haver a determinação de ofício ou a requerimento da parte interessa para realização de prova pericial simplificada, quando se tratar ponto controvertido de menor complexidade, podendo, inclusive tal prova ser produzida na audiência de conciliação por simples esclarecimento de especialistas

Neste sentido, uma prática que tem sido realizada por alguns Tribunais é a alteração da ordem dos atos processuais para realização da prova pericial durante as audiências de conciliação, nos casos em que se discute indenização por invalidez, viabilizando no mesmo ato a fixação de valores de eventuais indenizações, o que facilita a finalização dos processos por meio de conciliação entre as partes quando a única pendência é a prova da invalidez e respectivo grau.

O incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) foi um instituto trazido pelo novo diploma processual civil que visa proporcionar a uniformização do entendimento jurisprudencial referente a determinada questão de direito que seja controvertida e que seja discutida em número considerável de processos, as chamadas demandas de massa ou contencioso de escala. Visa justamente decidir no âmbito dos Tribunais Estaduais ou Tribunais Superiores matérias que geram inúmeras demandas, sendo que a decisão proferida em incidente de resolução de demandas repetitivas deverá ser aplicada no âmbito da jurisdição Estatual ou Nacional, dependendo do Tribunal que a decidir.

Assim, o incidente trazido pelo Novo Código de Processo Civil (IRDR) pode uniformizar o entendimento aplicável a partir da análise de um caso concreto, no qual poderá figurar como amicus curae, assistente ou interessado qualquer órgão ligado ao setor relativo à discussão, a fim de esclarecer questões, resultando num julgamento melhor fundamentado, o que irá repercutir de forma positiva no mercado.

E as alterações no regime processual civil brasileiro não param por aí, inúmeras outras alterações podem simplificar e agilizar o andamento dos processos por atos do Poder Judiciário, mudanças estas que irão influenciar sobremaneira nas políticas de condução das demandas de contencioso de escala, algumas destas passamos a citar a título exemplificativo, conforme segue:
Simplificação da defesa do réu – matérias que antes deveriam ser impugnadas através de incidentes próprios e apartados aos autos principais agora devem ser arguidos como preliminar de defesa. Exemplo: Impugnação ao Valor da Causa, Impedimento ou Suspeição do Juiz, Impugnação ao Pedido de Assistência Judiciária.

Alteração na forma de contagem dos prazos – os prazos agora devem ser contados em dias úteis, considerando-se feriados os sábados, os domingos e todos os dias em que não houver expediente forense.

Obrigatoriedade do contraditório em todas as decisões – os artigos 9 e 10 do NCPC determina que as partes devem ser intimadas a se manifestarem, caso assim entendam, antes de qualquer decisão, ainda que a matéria possa ser apreciada e decidida de ofício, visando evitar “decisões surpresas”.

Redução do número de recursos – o NCPC aboliu a possibilidade de Embargos Infringentes e de Agravo Retido, além de restringir as hipóteses de cabimento do Agravo de Instrumento.
Unificação dos prazos recursais –todos os prazos recursais, a exceção dos Embargos de Declaração (5 dias), são fixados em 15 dias.

Alteração das regras de fixação dos honorários de sucumbência – passa a vigorar a fixação de honorários na fase recursal, portanto, os honorários passam a ser majorados a cada recurso interposto e julgado. Além disto, determina a estipulação de honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, na execução, e nos recursos interpostos, de modo cumulativo àqueles arbitrados em sentença (art. 85, § 1º, do NCPC).

Julgamento parcial do mérito – se estiver convencido das provas produzidas nos autos, pode o Magistrado julgar de forma parcial o mérito, acolhendo ou não determinado pedido e prosseguir a ação somente em relação aos demais, o que otimiza a solução dos conflitos. Poderá inclusive haver a execução parcial do julgado.

Inclusão das questões prejudiciais na coisa julgada/fim da declaratória incidental – não há necessidade de ajuizamento de ação de ação declaratória ou pedido específico para que as questões prejudiciais passem a fazer parte da coisa julgada se preencher os seguintes requisitos: (a) dessa questão dependa o julgamento do mérito, (b) a respeito dela tiver havido contraditório e (c) o juiz tiver competência em razão da matéria e da pessoa para conhece-la e julgá-la (art. 503, §1º).

Possibilidade das partes corrigirem vícios nos atos processuais – pelo artigo 76 prevê a possibilidade do juiz suspender o processo e designar prazo razoável para a parte sanar vício de incapacidade processual ou irregularidade de representação, inclusive na fase recursal (§2º). Já o artigo 932, parágrafo único, dispõe que o relator poderá conceder prazo de 5(cinco) dias para o recorrente sanar vício ou complementar documentação do recurso (o STJ entende que seria aplicável somente a vício formal no recurso). Ainda, há a previsão para complementação ou recolhimento de preparo recursal em 5(cinco) dias (art. 1007, § 2º e 4º). No caso de RESP e RE poderá o Tribunal desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que não o repute grave (artigo 1029, § 3º).

Apreciação de matéria não arguida ou não ventilada antes do recurso – se verificado fato superveniente à decisão ou existência de questão apreciável de ofício, o relator poderá intimar as partes para se manifestarem em 5(cinco) dias antes do julgamento do recurso. Ainda que verificado durante a sessão de julgamento, sendo esta suspensa para as partes se manifestarem (art. 933).

Possibilidade de homologação judicial e produção de provas pelo relator – se entabulado acordo entre as partes na fase recursal, o relator poderá homologar, não sendo mais necessária a remessa ao juízo de origem (artigo 932, §1º) e se verificada a necessidade de produção de prova na fase recursal, poderá o relator determinar que se produzida no Tribunal ou em primeiro grau de jurisdição, sendo o recurso julgamento somente após finalização da instrução (artigo 938, §3º).

Diante de tantas alterações, vislumbramos a necessidade de haver aprofundado estudo sobre o Novo Código de Processo Civil para melhor gestão de processos que tramitam pela legislação processual civil, especialmente para adequação das políticas internas de empresas que possuem carteira de contencioso de escala, uma vez que a repercussão é ainda maior e pode, acaso não adotada a melhor estratégia, repercutir negativamente no passivo judicial e, por consequência, causar prejuízos às empresas.

*Allinne Rizzie Coelho Oliveira Garcia é pós-graduanda em Gestão de Seguros e Resseguros pela FUNENSEG. Cursando MBA em Gestão Jurídica de Direito do Seguro e do Resseguro pela FUNENSEG. Bacharel em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira. Membro da Associação Internacional do Direito do Seguro (AIDA Brasil). Advogada. Conselheira Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil Secção Goiás e Secretária Geral da Comissão de Direito Previdenciário e Securitário da OAB GO.