O Brasil das vaidades

*Marcelo Bareato

Não é de hoje que sabemos que nosso território foi colonizado por degredados portugueses, misturados aos índios da época e que essa é a razão de um povo tão eclético, por assim dizer, e tão desacreditados no futuro de sua própria nação.

É exatamente por essa indicação de antepassados, que recebemos desde nossos primeiros dias nessa esfera de vibração, que é comum ouvir no seio familiar expressões como: aqui, é cada um pra si e DEUS para todos; trate de prestar um concurso e sem encostar nos cofres públicos para usufruir da mamata; brasileiro não tem jeito; precisamos de alguém, algum governante, que possa nos tirar dessa corrupção e bandidagem; trate de ganhar dinheiro para cair fora desse país; se tiver a chance, passe a perna em tantos quantos puder para sobreviver, etc.
Não raro você ouve: “…país de ladrões; isso aqui não tem jeito; como eu faço para ir embora daqui; não perca tempo no Brasil porque lá só tem bandidos e corruptos.”

Todavia, no mesmo tempo em que desmerecemos o lugar em que vivemos, quando nos damos ao “luxo” de viajar e conhecer novos países, nos comportamos da maneira mais polida e ética possível, por temor as leis e na intenção de passarmos boa impressão aqueles com quem mantemos contato, quase numa tentativa de dizer: embora no Brasil só tenham ladrões e bandidos, eu sou diferente!

Desacreditamos tanto de nós mesmos, que tudo que vem de fora é melhor do que fazemos ou temos por aqui; quando escrevemos um artigo, um livro ou um simples trabalho acadêmico, usamos várias referencias para dizer “olha, não sou eu quem está dizendo, fulano, beltrano e sicrano também pensam assim”, temos tanto medo de crescer e atingir a maturidade que, não é incomum, buscarmos reduzir o outro para poder sobressair.

É nesse cenário que se desenvolvem as maiores atrocidades políticas (de maneira geral o direito é política pura, vez que é produzido junto ao Congresso Nacional através de deputados e senadores) e políticas partidárias (aquela oriunda dos partidos políticos e seus representantes).

Num campo onde não valorizamos o estudo e nossas capacidades, delegamos àqueles que conseguem ter essa percepção, o poder de dominação sobre tudo que temos ou fazemos.

Dito isso e como todos bem sabem, trazendo para minha área de atuação, no direito absolutamente nada é diferente. Ao contrário, é nele que todas as mazelas começam.

Você, meu Caro Leitor, já teve a oportunidade de ler por aqui que juízes são aqueles que aplicam a lei, que promotores são aqueles que fiscalizam a lei e que advogados são aqueles que fiscalizam a cidadania. Logo, em grau de importância, nós, os advogados, deveríamos exercer a função de intermediários entre os seus direitos e o judiciário, entre a Constituição Federal e a sua vida com dignidade. Mas, na verdade, talvez imbuídos do histórico que relacionamos acima, falhamos e permitimos que os outros dois seguimentos (magistratura e ministério público), nem de longe, cumpram a sua obrigação e, pior, se dediquem, por vezes, a brigar entre si, na obsessiva perspectiva de demonstrar mais poder e afeição ao que o “povo” está a pedir nas ruas.

O problema é que o judiciário não pode ser movido pelas paixões extra Constituição Federal e para que tudo esteja a contento e sua vida flua com dignidade, basta que tenhamos como diretrizes a obediência as leis, a feitura de leis que respaldem as necessidades básicas e, o mais importante, que consigamos transmitir ao cidadão o conhecimento necessário para que possa fiscalizar nosso trabalho e cobrar, ainda que de forma mais severa (através de ações cíveis, criminais e administrativas por responsabilidade, por exemplo), seus direitos.

Assim, o que fazemos em todo o território nacional, é muito diferente do que está escrito no parágrafo anterior: 1 permitimos que promotores abram ações penais sem qualquer obediência ao texto legal; 2 permitimos que juízes julguem aplicando moral e bons costumes (quando devem respeito estrito as leis), criando válvulas de escape as quais conhecemos por jurisprudência, que nada mais fazem do que distanciar a lei do cidadão e, como consequência, retirar-lhe a dignidade.

Lembram daquela máxima: a galinha do vizinho é sempre melhor do que a de casa? Pois então, quantas e quantas vezes ouvimos falar que, para que tenhamos nosso direito respeitado, precisamos acessar a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica), para que eles, façam valer a nossa Constituição e recobrem a ordem natural das coisas por aqui?

Mas, agora você deve estar se perguntado: ué, porque os advogados não se movimentam e impedem todo esse cenário de horror?

A resposta está em nossas primeiras linhas, quando dissemos que, desde os primeiros passos aprendemos: aqui é cada um por si e DEUS para todos! A falta de união e comprometimento com o bem comum, impede que tracemos estratégias para conter essa vaidade judiciária e todos os abusos advindos dela se esparrama entre a advocacia e permite que o órgão maior – Supremo Tribunal Federal -, se dedique a criar jurisprudências ao invés de estabelecer os limites da Constituição Federal e seus princípios. E isso vale para a advocacia como forma geral, incluindo os defensores públicos e dativos.

Seria mais que o suficiente para os FISCAIS DA CIDADANIA, quando iniciado um procedimento ou processo descabido, inconstitucional, ilegal, dele não participar e representar por abuso de autoridade todos aqueles que se dispuseram a fazê-lo de forma errada, não participando, inclusive, das audiências, já que sem a presença obrigatória do defensor, não se forma o tripé necessário para a formação de um processo que obedeça ao princípio constitucional do devido processo legal.

Desta feita, evitaríamos casos como o da Boate Kiss, onde condenamos um trabalhador que nada tem a ver com as mortes no local, manipulamos a lei para buscar a satisfação pessoal de juízes e promotores, estabelecemos uma briga gigantesca entre o Tribunal de Santa Cataria que tenta cumprir a Constituição e o Ministro Fux, que interpretou erroneamente o texto constitucional, as leis penais e agora recebe ajuda de alguns juízes federais (coincidentemente midiáticos), para tentar evitar que o direito maior, aplicável a todos aqueles que não se encaixam nos requisitos da prisão preventiva (artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal), seja aplicado e possibilite apenas a prisão após o transito em julgado de sentença penal condenatória (princípio da presunção de inocência – artigo 5.º, inciso LVII da Constituição Federal). Será que teremos que recorrer a Corte Interamericana de Direitos Humanos para que ela diga a Fux e aos demais midiáticos que o Brasil tem Constituição e estão todos os julgadores obrigados a segui-la?

É por essas e outras que finalizamos nosso artigo de hoje com a esperança, talvez utópica, de que deixemos, ainda que parcialmente, nossa VAIDADE de lado e comecemos a fazer a nossa parte, mostrando de temos maturidade suficiente para, como cidadão fazer um esforço e buscar conhecer e entender nossas leis, como juízes apenas aplicar o que está previsto em nossa Constituição Federal, como promotores fiscalizar se a lei está sendo aplicada da forma prevista e, como advogados, fortalecer a cidadania, dando dignidade aqueles que confiam suas vidas as nossas mãos.

*Marcelo Bareato é advogado criminalista com ênfase no Direito Penal Econômico, doutorando em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá/RJ, ocupa a cadeira de n.º 21 na Academia Goiana de Direito, professor de Direito Penal, Processo Penal, Legislação Penal Especial e Execução Penal na PUC/GO, Conselheiro Nacional da ABRACRIM, Presidente do Conselho de Comunidade na Execução Penal de Goiânia/GO, entre outros (ver currículo lattes http://lattes.cnpq.br/1341521228954735).