O agravo de instrumento, o STJ e a taxatividade mitigada: segurança jurídica em risco

*Caio Oliveira Freitas

Esta semana o Superior Tribunal de Justiça iniciou o julgamento dos Recursos Especiais nº 1.696.396 e 1.704.520, ambos representativos de uma notória controvérsia jurídica desde a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil: cabe Agravo de Instrumento contra decisões não previstas no artigo 1.015 do código?

O julgamento, por ora interrompido por pedido de vistas, iniciou-se com o voto da ministra Nancy Andrighi, que sugeriu uma inusitada tese para resolver a controvérsia na interpretação do dispositivo:

“O rol do artigo 1.015 do CPC/2015 é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação”

Entretanto, o que aparenta é que a Corte da Cidadania ainda não mensurou adequadamente os riscos de se adotar esta postura frente ao novo regime de combate às interlocutórias no processo civil.

Digo isso porque, desde a apresentação do anteprojeto do novo Código de Processo Civil ao Senado Federal, nos idos de 2010, muito se discutiu sobre a necessidade de diminuir o tempo de tramitação processual no Brasil, pensando em soluções estratégicas que racionalizassem o tempo gasto com a duração de um processo, problema conhecido no nosso país.

Entre tantas alternativas postas à mesa, adotou-se a postura de limitar o cabimento do Agravo de Instrumento a situações previamente estabelecidas pela lei, de modo que outros casos nela não previstos seriam passíveis de combate apenas ao final da fase de conhecimento, quando interposta a Apelação Cível.

Bem ou mal, esta foi a solução encontrada pela comissão de juristas encarregada de elaborar o texto da nova codificação, pensando em, numa última análise, aprimorar a experiência processual no Brasil, evitando a avalanche de recursos de Agravo de Instrumento submetidos a julgamento pelos TJs e TRFs no Brasil, congestionando a pauta das Cortes.

Cabe destacar, apenas, que no início dos debates, chegou-se a sugerir a extinção dos recursos contra decisões interlocutórias no âmbito cível, a exemplo do que ocorre na Justiça do Trabalho. Contudo, em virtude da gama infinitamente maior de temas absorvidos pela jurisdição comum, abandonou-se essa ideia.

O problema que se põe é o seguinte: dos pronunciamentos do juiz dos quais cabe combate imediato, por estarem previstos no artigo 1.015, reserva-se ao interessado combatê-lo prontamente, pois, por critério de política legislativa, esta decisão tem força para causar dano à parte que não pode esperar o fim da fase de conhecimento para ser reparado.

Se não o fizer, a parte perde a oportunidade de recorrer, estando a matéria preclusa, não mais sendo possível rediscuti-la no processo. Veja-se, então, a importância de se definir, com clareza, quando cabe ou não cabe Agravo de Instrumento no processo civil, a partir de uma análise mais objetiva possível.

A tese sugerida pelo Superior Tribunal de Justiça, ao relativizar a disposição do Código de Processo Civil, admitindo Agravo de Instrumento contra decisões que não estão relacionadas em seu texto, parte de uma premissa subjetiva que tem potencial de implodir todo o sistema construído, colocando em risco sua coesão e o direito das partes envolvidas no conflito.

Ora, se caberá ao julgador analisar se a decisão recorrida admite combate imediato via Agravo de Instrumento, as partes (e seus advogados) ficam em uma situação limite, por não ser possível prever a postura do Tribunal em cada caso. Assim, por via das dúvidas, interporão o Agravo de Instrumento, por receio de, se não o fizerem, precluir a matéria discutida. Em tempo: melhor ter um recurso não conhecido do que ver a matéria preclusa! O prejuízo é, sem dúvidas, menor.

Neste cenário, volta-se ao regime do já superado Código de Processo Civil de 1973, no qual o Agravo de Instrumento era admitido contra toda e qualquer decisão interlocutória capaz de causar à parte dano grave e de difícil reparação, lotando os Tribunais com recursos muitas vezes infundados, prejudicando a adequada prestação jurisdicional.

Cai por terra todo o sistema preparado e estruturado para se evitar a recorribilidade ampla e imediata das decisões interlocutórias, fazendo do novo Código de Processo Civil letra morta, quando acaba de completar pouco mais de 02 (dois) anos de vigência.
Apenas um exemplo prático para que se dimensione o estrago: imagine uma situação em que 02 (duas) grandes empresas litigam pela necessidade de cumprimento de uma obrigação contratual, cujos reflexos econômicos são imensuráveis. Surge no processo uma discussão sobre onde a demanda deveria tramitar, ou seja, qual o juízo competente.

O juiz do caso se pronuncia, então, como competente, mantendo o processo sob sua jurisdição. A parte afetada pela decisão decide, portanto, aguardar a sentença, para, em sede de Apelação Cível, rediscutir essa questão, justamente porque não há no artigo 1.015 autorização para uso de Agravo de Instrumento contra decisões que deliberam sobre competência.

Entretanto, o Tribunal competente, ao analisar a questão, entende que o momento adequado para se atacar a decisão já se passou, pois, em mitigação à taxatividade do mencionado artigo 1.015, é manejável Agravo de Instrumento contra decisões que deliberem sobre competência.

Imagine o prejuízo sofrido pela parte, pois adotou postura compatível com o espírito do código, aguardando o momento correto para manifestar sua discordância com a decisão de 1º grau. Contudo, ao bater às portas do 2º grau, é surpreendida com a conclusão que o momento processual adequado já passou.

Já caminhando para o fim, consigno que não creio ter sido acertada a opção legislativa para limitar objetivamente o Agravo de Instrumento, justamente pelo surgimento de problemas como este ora discutido. Teria sido mais produtivo fixar, pontualmente, situações em que não cabe o referido recurso, ao invés de tentar prever todas as situações em que seu uso é adequado.

Entretanto, qualquer disposição nesse sentido deve provir da fonte correta: o Legislativo, poder constitucionalmente competente para legislar e inovar no ordenamento jurídico. Se a solução adotada não se adequa à realidade, altere-se a lei, nos moldes em que determina a Constituição Federal, possibilitando o franco debate sobre o assunto.

Não mais se pode admitir que o Judiciário legisle por vias transversas, comprometendo a higidez do ordenamento jurídico e violando, em última análise, a vontade popular, manifestada por meio de seus representantes eleitos para tanto.

Há que se impor limites à interpretação judicial, de modo que o Judiciário volte a exercer seu papel constitucional de aplicador da lei produzida no âmbito legislativo, sem o hábito de legislar na solidão dos gabinetes de seus membros.

Caso contrário, a segurança jurídica estará em risco!

*Caio Oliveira Freitas é advogado membro do GMPR Advogados Associados, pós-graduando em Direito Civil e Processo Civil, coordenador da Subcomissão do Advogado em Início de Carreira da Comissão da Advocacia Jovem da OAB/GO e atuante em Direito Civil, Empresarial, Administrativo e Constitucional.