Franquias: análise mercadológica

*Victor Torres

Este artigo é o primeiro de uma série de cinco, oriundos de reflexões a partir da participação no Programa de Capacitação em Franchising (PCF) ministrado pela Associação Brasileira de Franchising (ABF). É um ponto de partida para quem tem interesse em abrir uma franquia, quem já é um franqueado ou mesmo para quem tem um negócio de sucesso e vê na franquia uma opção de expansão da sua marca.

Primeiramente, é importante salientar o básico: sempre procure um profissional especializado pelo PCF antes de negociar (comprar/vender/formatar) uma franquia. A consultoria jurídica, por exemplo, é fundamental para que seu advogado diga exatamente tudo a que você será submetido, bem como se aquela empresa que em um primeiro momento lhe interessou poderá entregar o ofertado ou mesmo assumir as consequências de situações adversas que possam surgir.

As consequências de um negócio mal formatado podem ser devastadoras, indo desde o descumprimento contratual, discussões judiciais, crescimento sem padronização, exposição negativa da marca até a falência do negócio em si. A responsabilidade é muito grande e os profissionais sérios sabem disso, ao se deparar, por exemplo, com famílias que decidem investir suas reservas em tais empreendimentos, muitas vezes economias juntadas ao longo de um bom tempo de suas vidas.

Para avaliar a franqueabilidade sobre os aspectos mercadológicos, é preciso separarmos a avaliação do mercado em: a) macroambiente e b) microambiente e a avaliação da marca em: a) aspectos intangíveis e b) aspectos tangíveis.

Essa análise se dará através de um planejamento estratégico que segundo Drucker “é um processo contínuo de, sistematicamente e com o maior conhecimento possível do futuro contido, tomar decisões atuais que envolvam riscos; organizar sistematicamente as atividades necessárias à execução destas decisões e, através de uma retroalimentação organizada e sistemática, medir o resultado dessas decisões em confronto com as expectativas alimentadas”.

Esse planejamento, que nada mais é do que a formulação de objetivos sobre os quais incidirão ações para a sua execução, considerará as condições internas e externas à empresa e sua evolução esperada, assim, aumentando a probabilidade de ao se deparar com condições favoráveis à empresa possa corresponder às expectativas dando o retorno e crescimento almejados.

Em regra são sugeridas três etapas que podemos definir como macro etapas: 1º – a análise do ambiente (interno e externo) e a definição de metas; 2º – a formulação de estratégias; e 3º – a implementação dos projetos e seu respectivo controle. Aqui, nosso foco é a primeira etapa, a análise do ambiente, ou seja, mercadológica, interna e externa.

Essa etapa é fundamental, pois, consequente a ela, são formuladas as metas e estratégias que serão seguidas. Nela serão externadas e definidas quais são as forças, fraquezas, ameaças e oportunidades da empresa (uma análise SWOT).

Em uma avaliação do mercado, do ponto de vista do macroambiente, poderemos determinar a viabilidade da aceitação de um produto e marca em uma determinada região a qual ela não está inserida e testada, bem como se haverá rentabilidade no lançamento, seja em função do preço, do número de habitantes, do nível educacional a que o produto se dirige ou, até mesmo, à faixa etária das pessoas que ali habitam ou trabalham.

Portanto, a análise do macroambiente é constituída pelas forças sociais mais amplas e que afetam o ambiente como um todo: forças demográficas, econômicas, naturais, tecnológicas, políticas e culturais.

São elementos que devem ser observados no macroambiente:

  1. a) a conjuntura socioeconômica: um dos aspectos mais importantes na análise estratégica de mercado, uma vez que o produto ofertado deve estar alinhado ao poder de compra do consumidor, o ticket médio consumido naquela região, a média salarial que indiretamente pode ser obtida pelo valor do aluguel pago na região, bem como disposição em usar parte do orçamento com o produto, sua colocação nas prioridades e a disponibilidade de crédito;
  2. b) influência governamental/legislação: em um país tradicionalmente populista, cujo liberalismo econômico está muito mais nas ideias, muitas vezes a ingerência governamental sobre determinadas questões torna a concorrência desleal e mesmo inviável, seja por subsídios ou leis abusivas que simplesmente deixam de favorecer o investimento em certos mercados;
  3. c) influência cultural: nesse ponto percebo muito mais um desafio do que propriamente uma simples análise, do tipo: como vender pequi em Nova York? Ou seja, onde estou colocando minha empresa será aceito meu produto? O mercado está aberto para isso? Pequenos testes de aceitabilidade nos parecem ser recomendados aqui, como participação em eventos com amostras, cortesias do produto, entre outros pequenos testes; e
  4. d) Aspectos demográficos: estudos estatísticos de sexo, raça, idade, ocupação, bem como das tendências de mudança e evolução dessa população. É preciso viabilizar se a exposição do produto naquele determinado lugar irá atingir público suficiente para proporcionar o retorno esperado do meu investimento.

Além desses aspectos, podemos citar a análise das condições naturais, das tendências setoriais, da influência da pesquisa tecnológica e a infraestrutura logística. Esse último ponto é fundamental para evitarmos franquias isoladas de seus franqueadores e que terão alto custo no recebimento do mix de produtos.

Na análise do microambiente, por sua vez, devem ser analisadas as forças próximas à empresa que afetam sua capacidade de servir a seus clientes, quais sejam: a própria empresa, os fornecedores, as empresas do canal de marketing, os clientes, os concorrentes e os públicos.

Primeiramente, identifica-se o público-alvo da empresa. Para conquistar um cliente, é preciso saber seu estilo de vida, comportamento, necessidades, características de compra, entre outros fatores. Feito isso, deve-se avaliar a tendência de mercado – é muito comum determinado produto entrar na moda, mas ter uma baixa estabilidade a longo prazo já que condicionados a comportamentos passageiros. Isso ajudará e entender os riscos de investir em um negócio que está recebendo uma expansão de entrantes.

Na análise micro é fundamental se ater ao potencial do mercado, ou seja, o limite máximo que um produto/serviço pode atingir em vendas, dentro das condições que ele se encontra. Um mercado com 100 mil clientes e 1 (uma) loja de chocolate tem um potencial X, porém um mercado com 100 mil clientes e 100 (cem) lojas de chocolate têm um potencial X/100.

Nesses casos, ocorre uma total quebra de expectativa por parte do franqueado que se deslumbrou na compra e percebe a realidade apenas após o primeiro mês da inauguração, quando as vendas não correspondem a expectativa. Portanto, é fundamental saber se existe ou ainda existe – coisas muito distintas – demanda do produto/serviço.

Podemos acrescentar, também, a análise sobre a participação de quantos compradores teriam interesse e renda suficiente para comprar o produto/serviço, identificar a concorrência, a relação de fornecedores (é suficiente até que ponto para atender minha expansão), o mercado imobiliário e ainda a capacidade de expansão.

Por sua vez, ao analisarmos a estrutura de uma franqueadora, percebemos que o conceito do negócio deve estar muito acima da simples relação contratual. Não se trata de vender franquias, mas, sim, de construir marcas. Atualmente, o INPI tem sido muito mais rápido na análise dos pedidos de registro da marca, facilitando ao empresário que deseja agilizar seu processo. É importante que a marca esteja protegida em todo seu espectro, seja na questão do serviço ofertado, do produto que poderá levar o nome da mesma ou outras variações.

Dito isso, para estruturar bem uma franqueadora, a formação da equipe é primordial para que os atos e decisões tenham o que os advogados tributaristas chamam de substrato, ou seja, consistência. Para se ter uma ideia, o Brasil tem cerca de 3 (três) mil franqueadoras, no entanto, pouco mais de mil estão na ABF. Uma curiosidade: parte dessas quase 3 mil franqueadoras, apenas 5 (cinco) são de capital aberto: Localiza (maior cliente da Fiat no mundo inteiro), Hering, Porto Belo Cerâmica, Arezzo e Burguer King.

Na formatação de uma equipe multidisciplinar e que será necessária para que haja amparo em todos os setores, podemos destacar cinco pontos: 1- base econômica do negócio; 2- a questão da contabilidade bem como da análise da tributação (a GrandVision by Fototica, por exemplo, iniciou seu processo de venda de franquias por aquelas que possuíam EBITDA negativo, ao perceber que para o franqueado que a comprasse estivesse no Super Simples, haveria margem de 12% de lucro); 3- jurídico; 4- relacionamentos humanos e 5- mercadológico (aqui especificamente do ponto de vista da venda).

A importância de uma equipe preparada está diretamente ligada ao sucesso da franquia e, ainda assim, não é garantida a empreitada. Todos precisam estar a par do planejamento estratégico em suas minúcias. A crescente tendência de multifranqueados (aqueles que já possuem outras franquias ou mais de uma da mesma marca) significa que a expansão se dará cada vez mais internamente, reaproveitando aquele empresário que já teve uma boa experiência e se sente seguro para ampliar seu investimento, multiplicando a sua própria ideia inicial de expansão, o que significa ser fundamental a todos conhecerem as análises do ponto de vista macro e micro da empresa.

Quanto à marca, é preciso saber o potencial para crescer e como crescer. Tão importante quanto o negócio em si, é levá-lo ao consumidor final. Essa logística é feita por aquilo que chamamos de canais de distribuição. Uma franquia é um exemplo de canal de distribuição, assim como o são lojas próprias, revendedores independentes, atacados e distribuidores, representantes comerciais, e-commerce, callcenter, entre outros.

Os canais de distribuição, muitas vezes devido à falta de condições estruturais e financeiras das empresas, assumem a responsabilidade de realizar a comercialização direta dos produtos. Essa distribuição pode ser exclusiva, seletiva ou intensiva. A definição e o gerenciamento desses canais são etapas importantíssimas do marketing de uma fábrica, e sua escolha deve ser estratégica, pois serão eles mantenedores da competitividade. A opção deve respeitar fatores como o tipo de revenda ideal para o seu produto, o potencial de consumo no mercado em que você pode se inserir e a estrutura de logística e vendas dos intermediários. Dessa maneira a empresa certamente atingirá melhores resultados.

Segundo Kotler, a decisão de qual canal escolher irá afetar as demais. O Boticário, por exemplo, adota a estratégia multi-canais, que a torna presente de variadas formas ao cliente. De acordo com a região, podem se enquadrar níveis diferentes. No nível zero, o fornecedor atende diretamente ao cliente; no nível 1,  haverá um intermediário; no nível 2 serão dois, e assim sucessivamente.

Um dos grandes problemas, sem dúvida, é a chamada franquia de monoproduto. A franquia só vende cupcake, ou só vende paleta mexicana, ou mesmo, só vende açaí. A tendência observada é que o monoproduto acaba ocasionando a quebra, por inviabilizar a rentabilidade do modelo de franquia. Da mesma forma, a chamada baixa barreira de entrada é tão ruim quanto o monopruduto, porque não existe exclusividade da marca. Esses erros podem ser superados com as análises bem feitas do ambiente macro e micro da empresa.

Por vezes, um ponto que é levantado é quantas lojas próprias mínimas eu preciso ter para franquear meu negócio. A resposta é que não existe legalmente essa exigência de ter uma quantidade mínima de lojas próprias para vender franquias do seu negócio. Isso é um mito, a ideia que preciso ter 3 ou 5 lojas para poder franquear não se sustenta do ponto de vista jurídico.

Em tese, qualquer negócio pode ser franquia, mas é importante que o negócio seja saudável para ser replicado. É preciso estar preparado para garantir gestão profissional. A franquia nem sempre é o modelo ideal de canal para determinados modelos de negócio. O que deu certo para uma, não necessariamente dará certo para outra empresa, assim como já dissemos que variam os gostos regionais.

Em uma franquia você “compra” a história de sucesso daquele empreendedor, portanto, a liderança é por competência; respeita-se a história do fundador. Obviamente que as franquias em alta podem ter variações superiores às mais consolidadas, por exemplo, a taxa de franquia do Paris 6, que chega a variar entre 1 milhão e 1,5 milhão de reais, enquanto a taxa de franquia do Mc Donald’s está em 25 mil dólares. Obviamente que esse não é o custo da operação, estamos falando apenas da taxa inicial de franquia.

Tanto o franqueador quanto o franqueado precisam ter consciência de que enfrentarão desafios do sistema na totalidade: é preciso ter regra pré-estabelecida para amenizar esses desafios, pois criar condições novas no meio da relação contratual certamente ocasionará problemas entre ambas as partes. Existem riscos associados à performance dos dois lados. É preciso atingir uma escala mínima operacional para que seja rentável ter o negócio funcionando e tudo isso começará a ser determinado desde a análise mercadológica, na base da operação.

Vejamos o seguinte exemplo: se opto por uma marca super consolidada no mercado, provavelmente não tenho ponto comercial para instalar um novo negócio dela. A Casa Bauducco, por exemplo, conta atualmente com uma fila de 2 (duas) mil pessoas interessadas em comprar uma franquia, que por sua vez encontram no ponto comercial uma restrição à sua expansão.

Voltando às premissas, embora não haja restrição legal, a orientação doutrinária é que jamais se deve comprar uma franquia sem marca registrada. No que se refere aos contratos, a lei obriga que o contrato seja por escrito, que o franqueador abra determinadas informações, que obviamente devem ser verídicas, e que é preciso um período mínimo de “geladeira” para análise da documentação antes de qualquer pagamento ou assinatura. Caso a legislação não seja seguida, todo o contrato é considerado nulo e deve ser devolvido tudo que o franqueado pagou, mas tudo isso iremos aprofundar em nosso artigo voltado para a análise jurídica das franquias.

Por fim, é preciso se perguntar: – Tenho vocação para ser franqueado? Saber lidar com pessoas e ter uma comunicação clara e transparente é fundamental. É preciso entender que se abre mão do controle e que existem outras formas de trabalhar aquilo que não só a sua; é preciso saber ouvir o outro e aceitar sugestões. Por fim, é necessário ter vocação para servir – o líder é aquele que consegue abrir mão em favor dos outros. Ter consciência de que “eu” não consigo dar uma ordem para o franqueado porque no final do dia ele é dono do próprio negócio.

O segmento de franquias tem crescido mais de 7% ao ano, a despeito da economia se encontrar estagnada, o que demonstra uma gama de oportunidades a serem exploradas desde que com responsabilidade. A missão dos envolvidos deve ser transformar a visão do empresário em um negócio de sucesso, seja do ponto de vista do investimento ou da gestão.

*Victor Torres é advogado pela UFRJ, especialista em Direito Constitucional pelo IDP e L.LM em Direito Empresarial pela FGV. Atualmente, é advogado associado no João Domingos Advogados.