Cobrança reiteradas de dívida em nome de terceiro e o dano moral configurado

*Leonardo Sobral Moreira

discussão versa sobre relação de consumo (artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor) com responsabilidade objetiva do fornecedor de serviço em reparar o dano sofrido pelo consumidor (artigo 14 do CDC), o qual representa o destinatário final dos referidos produtos e serviços, sendo causas excludentes de responsabilidade: a inexistência de defeito pelo serviço prestado, culpa exclusiva do usuário do serviço ou de terceiros.

Dito isto, cabe ao banco provar a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros, ou a inexistência de defeito no serviço prestado, bem como, também demonstrar a legalidade da cobrança dos serviços questionados pelo consumidor, ônus que compete àquele, sobretudo quando este negar qualquer tipo de relação negocial com a instituição bancária.

Por sua vez, havendo verossimilhança nas mensagens de texto, conversas de WhatsApp, caixa de e-mail e ligações telefônicas entre o consumidor e o banco, em que aquele informa não ser o responsável pela dívida, revela-se necessário a declaração de inexigibilidade do débito. 

Assim, quando o banco não demonstra a regularidade das diversas cobranças de dívidas, impende determinar o cancelamento definitivo, caso ainda ativo, das cobranças efetuadas no número de telefone e e-mail do consumidor.

Sobre a indenização em danos morais, em casos tais, há de se levar em consideração os preceitos do CDC, que prevê a responsabilização do agente causador do dano moral a operar-se por força do simples fato da violação. Verificado o evento danoso, surge a necessidade de reparação, mostrando-se prescindível a prova do prejuízo se presentes o nexo causal e a culpa, pressupostos legais à responsabilidade civil.

Sobre o dano moral, afirma RUDOLF VON IHERING[1]: “o ofendido ou vítima deve receber não pelas perdas materiais, senão, também, pelas restrições ocasionadas em seu bem-estar ou em suas conveniências, pelas incomodidades, pelas agitações, pelos vexames”.

Já para o doutrinador HUMBERTO THEODORO JÚNIOR[2]:

“(…) Mais uma vez a Carta Magna assegura o princípio da reparabilidade do dano moral, seja na esfera dos direitos da personalidade, seja na preservação dos direitos morais do autor da obra intelectual (art. 5º, V e X). Com isso, a indenização do dano moral, que ainda gerava alguma polêmica na jurisprudência, ganha foros de constitucionalidade. Elimina-se o materialismo exagerado de só se considerar objeto do direito das obrigações o dano patrimonial. Assegura-se uma sanção para melhor tutelar setores importantes do direito privado, onde a natureza patrimonial não se manifesta, como os direitos da personalidade, os direitos do autor, etc. (…)”

A responsabilidade do banco decorre da cobrança reiterada e abusiva por dívida inexistente. Constatada a falha na prestação do serviço e não configurada qualquer das excludentes – caso fortuito ou força maior, inexistência de defeito ou a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro -, impõe a responsabilização objetiva do banco e, por conseguinte, sua obrigação em indenizar o consumidor.

Não havendo dúvida quanto à cobrança do serviço não contratado e dificuldade do consumidor em ver regularizada sua situação perante os cadastros internos do banco, que reiteradamente o contata por dívidas de terceiros, caracterizado está o dano moral. Nesse sentido, julgado recente do Tribunal de Justiça de Goiás:

APELAÇÃO. DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO FAZER E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SUSPENSÃO DAS COBRANÇAS REITERADAS. DÍVIDA EM NOME DE TERCEIRO. LIGAÇÕES E MENSAGENS EXCESSIVAS. CONTINUIDADE APÓS RECLAMAÇÕES E DECISÃO LIMINAR. CONTRATAÇÃO NÃO DEMONSTRADA. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM FIXADO NA ORIGEM. MANUTENÇÃO. DESPROVIMENTO. HONORÁRIOS RECURSAIS MAJORADOS. (…) 2 ? Os transtornos e constrangimentos provenientes de cobrança irregular, reiterada e abusiva, prática eivada de ilicitude, exigem o arbitramento em montante que venha atender ao fim pedagógico e desestimulador de condutas que afrontem o lado mais vulnerável das relações consumeristas. Mantém-se o valor da verba indenizatória pelo dano moral, que apenas será modificado se não atendidos pela sentença os princípios da proporcionalidade e razoabilidade na fixação do valor da condenação, a teor da Súmula nº 32 do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. 3 ? Apelo conhecido e desprovido.   4 ? Honorários advocatícios recursais majorados em atenção ao art. 85, § 11, Código de Processo Civil.

(TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5156587-93.2020.8.09.0112, Rel. Des(a). DESEMBARGADORA BEATRIZ FIGUEIREDO FRANCO, 4ª Câmara Cível, julgado em 08/08/2022, DJe  de 08/08/2022) 

Sobre a quantificação do dano moral, foram criados critérios gerais e específicos. Quanto aos critérios gerais, surge: o prudente arbítrio, o bom senso, a equidade, a proporcionalidade e a razoabilidade para valorar o dano. Quanto aos específicos: o grau de culpa do ofensor, seu potencial econômico, a repercussão social do ato lesivo, as condições pessoais da vítima e a natureza do direito violado, de modo que o quantum arbitrado deve reparar o prejuízo sem proporcionar o locupletamento do consumidor.

Portanto, tendo em vista a condição social do consumidor, o potencial econômico da instituição financeira e o ato ilícito cometido, bem assim, o caráter pedagógico da reparação indenizatória, a quantia deve estar apta a reparar o dano moral sofrido pelo consumidor e desestimular a repetição da conduta lesiva pela instituição financeira, evitando-se, assim, o indesejado enriquecimento ilícito daquele, sem, contudo, ignorar o caráter preventivo e repressivo inerente ao instituto da responsabilidade civil.

*Leonardo Sobral Moreira é advogado, atuante na área de Direito do Consumidor, Civil e Processual Civil no escritório Denerson Rosa Sociedade de Advogados. Associado ao Instituto de Estudos Avançados em Direito e membro do Núcleo de Direito Processual Civil. Pós-graduado em Direito Agrário e Agronegócio na Faculdade Araguaia – GO. Membro da Comissão de Direito Agrário da OAB/GO. E-mail para contato: leo_sobral_@msn.com. Leonardo está no Instagram como @_leonardosobral.

[1] Dano Moral e sua Reparação, de Augusto Zenun, 2ª ed., RJ: Forense, p. 132.

[2] Seminário de Estudos Jurídicos de Uberlândia (MG), Revista da Amagis, vol. XX/442.