Cláusula de incentivo à continuidade e sua validade no Direito do Trabalho

A partir da Revolução Cultural da década de 1960 (novas exigências do mercado) e da crise do petróleo de 1970 (pressão pela flexibilização das leis trabalhistas), passou-se a discutir sobre a possibilidade de o “negociado” prevalecer sobre o “legislado”, sobretudo por ser a negociação coletiva instrumento propulsor do diálogo social.

Com efeito, o princípio da autonomia privada coletiva, inscrito no art. 7º, XXVI, da Lei Maior, reflete a capacidade de autorregramento das partes envolvidas na negociação coletiva, desde que respeitados os próprios limites impostos pelo ordenamento jurídico pátrio.

Nesse sentido, entende-se possível o reconhecimento das negociações coletivas de trabalho, especialmente nos casos previstos dos incisos VI, XIII e XIV do art. 7º da Constituição Federal, por constituir uma forma mais justa, democrática e eficiente de compor interesses opostos de empregadores e trabalhadores.

Diante disso, e no último dia 6.2.2015, o Tribunal Superior do Trabalho, em decisão proferida pela 7ª Turma, em voto de relatoria do Min. Vieira de Mello Filho, entendeu que é inválida cláusula de convenção coletiva denominada de “incentivo à continuidade”. No caso, determinou-se o pagamento do aviso prévio e da indenização sobre o FGTS no percentual de 40% a um vigilante da Patrimonial Segurança Integrada Ltda contratado para prestar serviços à Caixa Econômica Federal em agências de Brasília (DF).

Nas palavras do relator, “(…) a pretexto de conferir maior estabilidade aos trabalhadores contratados por empresas fornecedoras de mão de obra, os sindicatos representativos das categorias profissional e econômica arvoraram-se em disciplinar, em termos absolutamente distintos do que o faz a lei, o evento da rescisão contratual. Ao fazê-lo, suprimiram direitos fundamentais dos trabalhadores. (…)”.

Importante salientar que aludida cláusula normativa, muito comum em contratos de terceirização, prevê a supressão do aviso e/ou a redução da multa em troca da contratação do trabalhador terceirizado pela empresa que sucede a empregadora no contrato de prestação de serviços.
 
Entrementes, e na opinião de parte da doutrina, se o ordenamento jurídico autoriza negociar o salário (CLT, art. 503), que é o principal direito do trabalhador, os demais direitos – com muito mais razão, e aqui se inclui o aviso prévio e a multa de 40% do FGTS – também podem ser negociados.
Fala-se, aqui, em flexibilização a sangue-frio, defendida por Adalberto Moreira Cardoso (A Década Neoliberal e a Crise dos Sindicatos no Brasil), a qual é decorrente de um processo de deslegitimação do Direito do Trabalho, ocorrido no Brasil a partir da década de 1990.

Contudo, não se pode perder de vista que os direitos trabalhistas se dividem em direitos de indisponibilidade absoluta e relativa (normas heterônomas, proibitivas e permissivas), sendo que apenas estes últimos podem ser flexibilizados, forte no princípio da autonomia negocial coletiva. Logo, é possível transacionar, mediante concessões recíprocas, desde que haja a constituição de um padrão superior de direitos aos empregados.

Assim, e em atenção ao princípio da adequação setorial negociada, não se admitem cláusulas normativas que: (i) suprimam direitos trabalhistas; (ii) disponham sobre medicina e segurança do trabalho, sobre direitos afetos a terceiros, ou sobre normas processuais; e (iii) impliquem comprometimento da liberdade sindical.

Na hipótese decidida pela Corte Superior Trabalhista, entendeu-se que o aviso prévio e multa de 40% do FGTS são direitos sociais dos trabalhadores e têm potencialidade para fazer frente a diversas necessidades, que não só decorrentes do desemprego. Ainda, os institutos almejam evitar resilições contratuais, sendo que o princípio da primazia da realidade, de substancial aplicação no Direito do Trabalho, representa um fator limitativo à vontade das partes, mesmo que estejam de comum acordo.

Desta feita, como há efetiva renúncia a direitos indisponíveis (CF/88, art. 7º, I, da Lei Maior; ADCT, art. 10; Lei 8.036/90, art. 18, § 2º; e CLT, art. 487 e seguintes), afigura-se ilegal a mera supressão dos respectivos benefícios, ainda que com o intuito de promover a recontratação do empregado com a garantia de estabilidade por determinado período, já que a negociação efetivada macularia o comando do art. 9º da CLT.

De se registrar, igualmente, que a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, inclusive já se manifestou sobre o tema, conforme se infere da leitura da ementa do julgado constante do informativo de nº 87 de sua jurisprudência:

FGTS. Cláusula normativa que reduz a multa de 40% para 20% e estabelece de antemão a existência de culpa recíproca. Invalidade.
É inválida cláusula de convenção coletiva de trabalho que estabelece, de antemão, a existência de culpa recíproca na rescisão do contrato de trabalho e a consequente redução da multa de 40% do FGTS para 20%, mediante o compromisso das empresas que sucederam outras na prestação do mesmo serviço, em razão de nova licitação, de contratarem os empregados da empresa sucedida. Trata-se de direito indisponível do empregado, garantido em norma de ordem pública e, portanto, infenso à negociação coletiva. Com esse entendimento, a SBDI-I, em sua composição plena, conheceu, por unanimidade, dos embargos interpostos pela reclamada, por divergência jurisprudencial e, no mérito, por maioria, negou-lhes provimento, mantendo a decisão turmária que determinara o pagamento da multa de 40% do FGTS. Vencidos os Ministros Ives Gandra Martins Filho, relator, Maria Cristina Peduzzi, Renato de Lacerda Paiva, Aloysio Corrêa da Veiga e Márcio Eurico Vitral Amaro, que davam provimento ao recurso por entenderem que, na hipótese, a negociação coletiva não atenta contra direito indisponível, uma vez que não se trata de discussão acerca do direito ao levantamento dos depósitos do FGTS propriamente dito, mas sim de multa que tem como base de cálculo os depósitos do FGTS, além de prestigiar a permanência do trabalhador no emprego. TST-E-ED-RR-45700-74.2007.5.16.0004, SBDI-I, rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, red. p/ acórdão Min. Lelio Bentes Corrêa, 21.8.2014

No entanto, e nada obstante o respeitável entendimento defendido pela Corte Superior Trabalhista, propõe-se aqui uma maior reflexão sobre a tese da adaptação setorial e conjuntural da empresa.

Trata-se de uma alternativa viável para se promover a adaptação das normas em face da flutuação periódica das condições econômicas de um determinado setor, ou, ainda, das alterações estruturais desse segmento, de modo a preservar os empregos, sem que haja a precarização das relações laborais.

Nesse sentido, sobreleva notar que, na situação decidida pela mais alta Corte Trabalhista, haveria a manutenção da continuidade do liame empregatício (Súmula nº 212 do C. TST) e sua conservação por certo período. Isso, pois, acabaria por fixar fonte de renda ao empregado, bem como sua inserção no meio social e no sistema de consumo, em respeito aos princípios da cidadania e da dignidade da pessoa humana (CF/88, art. 1º, III).

Logo, e sob esse viés, a negociação coletiva não atentaria contra direito indisponível. Ao contrário, representaria importante ferramenta de prestígio à própria permanência do trabalhador no emprego.
 
*Ricardo Souza Calcini é Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde obteve o título de Especialista em Direito Social. É também Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Escola Paulista da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo. Assessor de Desembargador no Tribunal Regional de São Paulo da 2ª Região, tem atuação direta na área do Direito do Trabalho, com ênfase em Direito Material, Processual, Ambiental e Desportivo do Trabalho. É membro do Instituto Brasiliense de Direito Aplicado (IDA) e do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD).