Até onde a empresa tem poder sobre o empregado?

*Ana Claudia Martins Pantaleão

Como amplamente divulgado pela imprensa e nas redes sociais, o empresário Luciano Hang, dono das lojas Havan, divulgou um vídeo no qual diz claramente que já fez pesquisa de votos, tanto que diz que pelo menos 30% dos seus 15 mil colaboradores irão votar branco ou nulo e termina questionando se os empregados estão preparados para serem dispensados, caso a esquerda assuma o poder.

Esclarece-se primeiramente que a liberdade de expressão é um direito fundamental, previsto na Constituição, e por esse direito decorrem diversos outros relacionados à liberdade, sendo a partir deste que o sujeito tem liberdade de expressar seus pensamentos, seus sentimentos, suas ideias e até suas emoções.

Destaca-se ainda que a liberdade de expressão, prevista na Constituição do Brasil, tem como base o “billofrights”, que é a declaração de direitos como a liberdade do Reino Unido, que prevê, inclusive, eleições livres e liberdade de expressão, bem como a Declaração americana de 1776 e a francesa de 1789, que preveem o mesmo.

Ademais, não é demais falar que em toda a legislação há proibição e previsão de sanções a quem comete abuso de poder, e assim, sob o ponto de vista da imposição ao voto, é incontestável que o poder econômico e o uso dos meios de comunicação influenciam sobremaneira em quem a pessoa irá ou não votar, tal como ocorre em qualquer decisão que alguém tenha que tomar, ambas podem ser influenciadas por um terceiro.

Destaca-se, também, que o direito a livre manifestação do pensamento não é um direito absoluto, sendo possível sua limitação, como nos casos em que o empregado comprometeu-se a preservar a imagem da empresa que trabalha em não divulgar assuntos confidenciais, pode ser punido quando descumpre essa obrigação, podendo ensejar além da dispensa por justa causa, uma indenização a depender da gravidade do ato praticado.

Assim, o Estado Democrático de Direito prestigia a liberdade de manifestação do pensamento e consciência, vedando atos de discriminação quanto a qualquer crença, mas estes encontram limites quando confrontados quando a direitos de imagem de terceiros.

No caso da Havan, o Ministério Publico ajuizou uma ação para que a empresa seja compelida a cumprir estritamente ao previsto na Constituição, ou seja, a liberdade de expressão, de pensamento e de crença.

As possíveis sanções quanto a coagir empregados a votar em um determinado político, além, é claro, do assédio moral, é a imposição pelo Ministério Público do Trabalho do Termo de Ajuste de conduta, no qual são impostas medidas à empresa para regularizar situações que tiverem como objetivo ferir direito de qualquer sujeito e de seus empregados, como no caso da Havan, que o MPT requereu diversas abstenções, sendo uma delas a de realizar pesquisas de intenção de voto com os empregados.

Quanto a possíveis penalidades, supondo que haja a dispensa do empregado que deixou de votar no candidato escolhido pelos dirigentes da empresa, e este empregado entre com um processo, a empresa também poderá ser obrigada a reintegrar o funcionário, além de pagar indenização por danos morais, haja vista a previsão nos precedentes dos Tribunais de “dispensa discriminatória”.

De igual modo, a legislação eleitoral prevê como crime a quebra do sigilo do voto, prevendo como pena a detenção de até dois anos. E assim, a partir do momento que a empresa realiza pesquisa de votos, comete o crime mencionado.

Há ainda o crime de difamação previsto no código eleitoral, que pode ocorrer quando, com finalidade de propaganda eleitoral, há imposição de maneira ofensiva a quem o empregado ou qualquer pessoa deve votar. Nestes casos, a lei prevê como pena a detenção de 3 meses a um ano e multa.

De igual modo, a prática de impor a quem as pessoas devem votar pode se caracterizar o delito de constrangimento ilegal por meio de ameaça, que é previsto no Código Penal como constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a fazer que a pessoa não queira, prevendo como pena a detenção de 3 meses a um ano, ou multa.

Assim, tanto as empresas como qualquer pessoa devem tomar todas as cautelas quando expressam suas opiniões, sempre com o zelo de não ferir o direito de outrem de ter suas crenças e sua liberdade de pensamento, haja vista a ampla previsão de sanções que a legislação traz para cada tipo de situação.

*Ana Claudia Martins Pantaleão, especialista em relações de trabalho do Massicano Advogados