As novas conformações familiares no Brasil da pós-modernidade

guilherme-augustoO tema que se alude este artigo é de relevante importância jus-científica, como se diz na sociedade “é a pauta da hora”. É um dos temas mais comezinhos, corriqueiros do momento às famílias brasileiras.

Em tempos, em que se vêm as novas conformações familiares, ou mesmo “modelos” ou “modalidades” conforme prefere nomeá-las alguns preclaros doutrinadores da ciência jurídica pátria, retratadas nas novelas, na mídia informativa, no convívio artístico ou até mesmo nos embates ideológicos entabulados por membros do congresso nacional, digladiando-se de um lado os defensores das teses sacras e conservadoras e de outra margem os defensores do progressismo.

Fato retratado pelos embates históricos e emblemáticos, como a homérica conquista social da legalização da união estável homo afetiva, declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal em sede do julgamento da ADI nº 4277 e ADPF 132. Em face, deste movimento que tende a dar eficácia jurídica e dignidade humana as diversas conformações familiares existentes de fato no Brasil, forças sociais conservadoras se opõem veementemente a este movimento, deflagrando-se fatos como o Projeto de Decreto Legislativo nº 234 de 2011, de autoria do Deputado João Campos do (PSDB-GO), que suspendeu dois trechos da resolução instituída em 1999 pelo CFP (Conselho Federal de Psicologia) o primeiro trecho sustado afirma que “os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades”. E o segundo sustou o artigo que dispõe que “os psicólogos não se pronunciarão, e nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer ordem psíquica”. Insta ressaltar que o autor deste Projeto de Decreto Legislativo já requereu a retirada de sua tramitação em 2013, razão pela qual foi arquivado

Outro conflito hodierno que se impõe de forma histórica, de duas visões de mundo dissonantes e ideologicamente antagônicas é a que se estabelece na propositura de projetos de Lei em tramitação no Congresso Nacional do Brasil: de uma margem propõem-se o “Estatuto da Família”, de outra margem o “Estatuto das Famílias”.

O primeiro alberga o conceito sacro e conservador de Família, pugnado pelas bancadas religiosas defende que a família no Brasil seja consagrada como sendo núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio do casamento ou união estável. Também considera família a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, como uma viúva ou viúvo com seus filhos e um divorciado ou mãe solteira com seus dependentes.

Já o segundo projeto é encampado pelo Instituto brasileiro de Direito de Família – IBDFAM foi apresentado no Senado pela Senadora Lídice da Mata (PSB-BA) através do Projeto de Lei (PLS 470/2013) que institui o Estatuto das Famílias. Este de cunho progressista e pluralista colima que o Estado recepcione todas as conformações familiares existentes de fato, consagrando o respeito aos direitos fundamentais dos membros da família e sua dignidade humana. Este projeto arrola regras de direito material, e também processual, para propiciar às famílias brasileiras maior celeridade nas demandas jurídicas, uma necessidade tão premente quando se tange a direitos personalíssimos como são os direitos relativos à entidade familiar. O projeto alberga a tutela de todas as conformações familiares presentes na sociedade pós-moderna.

É pública e notória a relevância do tema proposto, então se faz mister, delimitar os problemas a serem resolvidos pertinente a esta temática, que são os seguintes: Qual o modelo familiar deve ser consagrado pelo Estado brasileiro? O da visão de mundo Sacra ou Laica? Deve-se respeitar a moral religiosa ou os princípios da legalidade ampla? Deve-se consagrar o modelo conservador de família ou a pluralidade de conformações familiares?

A relevância desta dialética dá-se por ser um dos temas mais em voga neste momento em que a Câmara dos Deputados fez uma enquete de apoio popular ao projeto de lei 6583/2013 de autoria do deputado federal Anderson Ferreira PR/PE em trâmite naquela egrégia casa do povo, aguardando Deliberação do Recurso na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, texto este que pretende declarar como único modelo familiar permitido em solo pátrio: “o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.

É uma positivação de caráter de retrocesso social, pois suprimi direitos fundamentais dos membros das entidades familiares não convencionais. Destarte, causa uma cizânia social no Brasil, divide o país entre os progressistas (contra) e os conservadores (a favor). É imperioso ressaltar que o resultado da enquete foi retirado do site da Câmara dos Deputados por motivos injustificados, todavia é relevante asseverar-se que o resultado até o momento em que a pesquisa ao site fora feito,  perfazia 8.979.390 (oito milhões, novecentos e setenta e nove mil e trezentos e noventa) votos,  sendo 49,90% (quarenta e nove por cento e noventa décimos) contra o projeto, 49,80% (quarenta e nove por cento e oitenta décimos) a favor e 0,30% (trinta décimos por cento) sem opinião formada.˂www2.camara.leg.br˃ capturado em: 14 jul. 2015.

Estes números são bastante eloquentes per si, reflete a propagação difusa desta problemática, como afeta o dia a dia do brasileiro e como há uma flagrante divisão ao meio da opinião pública havendo um empate técnico na amostragem, havendo uma tendência desfavorável ao projeto em números absolutos apenas nas casas decimais.

Deflagrando a premente necessidade de estudar o tema, perquiri-lo, elucubrá-lo, construírem-se teses sedimentadas e sólidas que amparem com clareza, razoabilidade e temperança o posicionamento de cada cidadão brasileiro, pois seu posicionamento, uma vez expressado pelos mecanismos de democracia direta ou mesmo representativa, pode conceder a ampliação de direitos e dignidade e qualidade de vida a concidadãos ou negá-los, suprimindo lhes direitos, solapando-os à indignidade e relegando-os a condição de cidadão de segunda categoria, alegoricamente, transformando-os em “filhos bastardos da pátria-mãe”.

O modelo familiar é dinâmico e moldável em conformidade com a estrutura e anseios da sociedade em que esta está alocado, quase sempre reproduzindo a moral e a ética do cidadão médio e dos fatores de coercibilidade da sociedade e de seus valores de modo a impingir aos indivíduos que se estruturem familiarmente de modo a satisfazer os anseios dos administradores do Estado e de seus pares, portanto devendo costumeiramente o indivíduo implementar a satisfação externa a sua, a da sociedade. Destarte, não se regozijando do lócus familiar que melhor lhe aprouver, sendo um reprodutor ao moto contínuo das convenções sociais e não logrando a realização e plenitude de seu ser nos seus interesses e satisfações mais íntimas.

No cenário político-social do Código Civil brasileiro de 1916 a família era vista como uma estrutura estanque, indissolúvel e intangível pela vontade do homem, uma vez que o matrimônio era sacramentado pela vontade divina. Estrutura está engendrada com o fito de atender aos anseios da sociedade Industrial, era a estrutura basilar, também chamada de célula mater do corpo social contemporâneo a Revolução Industrial, pelo modelo econômico em vigor à época a família era hierarquizada, patrimonializada e patriarcal.

Nada obstante, este perfil arcaico de família foi completamente ultrapassado com a promulgação da Carta Magna de 1988, novel carta política que sedimentou os direitos fundamentais em solo pátrio, constitucionalizando as relações privadas, não se furtando de também fazê-lo no que atine as relações jurídicas familiares.

O fenômeno da Constitucionalização do Direito Civil o alijou da percepção patrimonialista eivada de forma irretorquível nos institutos civilistas ao tempo do Código Civil de 1916 e passa a escudar com afinco os direitos humanos fundamentais em predileto apreço a dignidade da pessoa humana, ofertando desde então, maior caráter personalista ao Direito civilista em face do caráter patrimonialista de outrora.

Com o advento da lex legum de 1988, houve uma robusta alteração do quadro jurídico que regulava as Famílias brasileiras. Inaugurando uma nova era de mais respeito às liberdades individuais. Em um primeiro momento despiu-se a retórica vazia da ideologia burguesa que se fazia imperiosa no Estado Liberal brasileiro e fez-se a devida distinção entre Autonomia da Vontade e Autonomia Privada, garantindo-se a aplicação desta última também as relações extrapatrimoniais e não tão somente às relações patrimoniais como ocorrera outrora. Em segundo plano, redesenhou-se os contornos da Família em solo pátrio passando-se a concebê-la como o lócus de felicidade e realização pessoal do indivíduo, aplicando-se em seu bojo o exercício da autonomia privada, o que permitiu a família tornar-se deverás uma instituição democrática.

Neste sentir a família tornou-se com fulcro no artigo 226, caput da constituição Federal, a base da sociedade e não mais a base do Estado, logo não necessitando de seu monopólio de regulamentação, mas sim de sua proteção especial. É com base neste novo pensar que o estado passou a dar guarida a novas conformações familiares, formadas sem vínculos jurídicos formais, sem uma solenidade oficial, portanto famílias de fato a exemplo da união estável (artigo 226, parágrafo 3º, da Carta Política). Destarte, o Estado passou a reconhecer como viga-mestra da família e liame basilar como requisito para o reconhecimento do núcleo familiar o afeto (affectio familiae).

É imperioso que se aplique o princípio da intervenção mínima no Direito de família, haja vista que a família dos tempos hodiernos é eudemonista, pois tem como escopo precípuo a satisfação pessoal de cada indivíduo que a compõe. Para isso faz-se mister que esta família seja democrática, aberta e plural e para conquistar-se tal desiderato é premente que haja a menor intervenção possível do Estado em sua configuração e intimidade, para que a família seja de fato e não de direito, para que os fatos e anseios da vida colmate as lacunas legais e a regulamentação deve ser o mais concisa possível, o Estado só deve intervir na intimidade familiar para garantir a aplicação dos direitos fundamentais, quando no caso concreto estes estejam sendo violados.

O Princípio da Pluralidade das Entidades Familiares compreende que a Carta Constitucional de 1988 elencou em seu bojo uma cláusula geral de inclusão a todas as conformações familiares existentes de fato no seio da sociedade. Permitindo que os fatos da vida colmatem a lei fria. Em consonância a esta corrente de pensamento é que o legislador constitucional editou o dispositivo 226 da constituição Cidadã: “ a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.

Destarte, o Estado pátrio entendeu por bem defenestrar o modelo familiar casamentário e patriarcal de outrora, para recepcionar todas as conformações familiares existentes de fato. Promovendo o cidadão antes marginalizado por não se encaixar no modelo imposto, a titular de direitos e garantias como seus concidadãos, e sujeito da proteção de sua dignidade humana como Direito basilar e inerente a todo e qualquer ser humano. Desta feita, não lhe furtando o direito fundamental a felicidade e satisfação afetiva.

Concluindo-se que por tudo que fora exposto, merece guarida e proteção do Estado às famílias plurais como um todo. Em especial as seguintes conformações familiares: as famílias homoafetivas, que são as famílias constituídas por dois homens ou duas mulheres e seus descendentes, filhos naturais de um deles ou adotivos de ambos; as famílias monoparentais, que é a constituída por um dos pais e seus descendentes; as famílias reconstituídas ou recompostas (famílias ensambladas) são entidades familiares advindas de uma recomposição afetiva, nas quais, pelo menos, um dos conviventes traz filhos ou mesmo situações jurídicas oriundas de um relacionamento familiar antecedente; a família natural, que é a constituída pelo pai e mãe e sua prole; a família extensa ou ampliada, que é aquela que, além da comunidade de pais e filhos ou unidade do casal, é formada por parentes próximos com os quais a criança ou o adolescente convive e apresenta vínculo de afinidade ou afetividade; por último a família substituta, é aquela formada, especificamente, por meio da guarda, da tutela ou adoção. A família substituta exerce a notória tarefa de suprir o desamparo e abandono, ou pelo menos parte dele, das crianças e adolescentes que não tiveram amparo dos pais biológicos.

Todavia, sem olvidar-se, da necessidade premente de estudo e elucubração quanto às conformações familiares ainda mais polemicas e que ainda não possuem aceitação tranquila nos Tribunais pátrios: as famílias paralelas ou simultâneas e as famílias poliafetivas. Nada obstante, entende-se que por aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana e da autonomia privada e pela finalidade do Estado de se atingir as famílias democráticas, plurais e eudemonistas, ambas as conformações familiares devem sim, serem recepcionadas e formalizadas pelo Estado pátrio.

Em suma, a principal tarefa do Direito de Família contemporâneo é legalizar, consagrar e dar eficácia jurídica a todas as conformações familiares que se constituam precipuamente pelo afeto, que as legitimam e lhes dão o condão de unidade familiar. E estas famílias devem sempre ter como princípio teleológico a garantia da felicidade e da dignidade humana das pessoas que a compõe. Encerrando desta forma o caráter de família eudemonista que deve caracterizar as famílias plurais hodiernas.

*Guilherme Augusto Camelo é bacharel em Direito pela PUC-GO, Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Cândido Mendes (UCAM-RJ) / ATAME, Advogado sob a inscrição 35507 OAB/GO.